20/04/2007
- A expectativa das lideranças indígenas
é positiva, mas comissão não
foi saudada com festa. Governo atrasou em um ano a
criação do colegiado. Lula promete que
os povos indígenas serão mais bem tratados
do que em seu primeiro mandato. Presidente também
assinou os decretos de homologação de
três Terras Indígenas e de retificação
de outras três. Ministério da Justiça
publicou portarias declaratórias de mais sete
territórios.
A Comissão
Nacional de Política Indigenista (CNPI) foi
instalada ontem, dia 19 de abril, no Ministério
da Justiça (MJ), em Brasília. Após
tomarem posse, as 20 lideranças indígenas
indicadas para o órgão (confira abaixo)
encontraram-se com o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. O Planalto resolveu aproveitar a presença
de mais de mil indígenas de cem povos de todo
o Brasil, no acampamento Terra Livre, na Esplanada
dos Ministérios, para oficializar a medida.
Ontem mesmo, representantes da mobilização
estiveram no Supremo Tribunal Federal (STF), no Congresso
e em alguns ministérios para apresentar uma
série de críticas ao governo e reivindicações
discutidas durante o acampamento (veja). Ele é
a maior manifestação do Abril Indígena,
conjunto de protestos que marcam o mês de abril
já pelo terceiro ano consecutivo.
Em uma rápida
solenidade no Palácio do Planalto, o presidente
Lula prometeu que os povos indígenas serão
mais bem tratados por seu governo. “Temos de aproveitar
para fazer as coisas que não fizemos no primeiro
mandato.” O petista admitiu que a falta de terras
tem dificultado a subsistência de muitas comunidades
e que ainda não fez o suficiente para garantir
sua qualidade de vida. Ele afirmou que a CNPI não
servirá apenas para referendar propostas da
administração federal, mas para cobrar
dela a garantia dos direitos indígenas.
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão,
Lula e o presidente da Funai, Márcio Meira.
Promessa de tratamento melhor aos povos indígenas.
Lula assinou ainda
os decretos de homologação de três
Terras Indígenas (TIs) e os de retificação
da homologação de outras três,
num total de 959, 4 mil hectares em novos territórios
no Pará, Amazonas, Santa Catarina e Paraná.
Também ontem foram assinadas as portarias declaratórias
de mais sete TIs no Mato Grosso do Sul, Santa Catarina,
Paraná e Acre, num total de quase 309 mil hectares
(veja lista abaixo).
Dúvidas
A expectativa das
lideranças indígenas é positiva,
mas a CNPI não foi saudada com festa. Ela é
um órgão consultivo que reúne
vários ministérios e representantes
indígenas, vai integrar a estrutura do MJ e
terá a função de propor diretrizes
para a política indigenista oficial. A princípio,
a instalação da comissão poderia
ser considerada um marco na participação
política dos povos indígenas. A proposta
original do movimento indígena, no entanto,
era um colegiado com caráter deliberativo.
Em uma difícil negociação com
o governo, as lideranças indígenas tiveram
de ceder e esperar por mais algum tempo que sua reivindicação
seja efetivada.
O coordenador-geral
da Articulação dos Povos e Organizações
Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito
Santo (APOINME), Uilton Tuxá, lembra que as
posições dos integrantes indígenas
deveriam prevalecer na CNPI, já que eles são
maioria – os indígenas tem 20 representantes,
o governo tem 14 e as organizações indigenistas,
dois. Uilton, no entanto, tem dúvidas sobre
as boas intenções do Executivo. “Dá
para ter esperança, mas não dá
para confiar. Não podemos ter uma visão
romântica”. Ele considera que o governo é
formado por uma coalizão política conservadora,
com partidos que representam empresas madeireiras,
mineradoras e multinacionais que têm atuado
contra os direitos indígenas. Alguns conselhos
criados pela administração Lula e formados
por organizações da sociedade civil
vêm sendo questionados. Eles estariam servindo
apenas para legitimar projetos governistas, em vez
de funcionar como instrumento de controle social.
A expectativa agora é saber como vai funcionar
a CNPI.
Nos últimos
quatro anos, Lula colecionou desgastes com o movimento
indígena, que acusa o MJ de não reconhecer
272 territórios reivindicados por etnias indígenas
e ter deixado passar o prazo legal para a publicação
de 34 portarias declaratórias, incluindo as
sete assinadas ontem. O ministério diminuiu
a formação de grupos de trabalho de
identificação de novas TIs. De 2004
a 2006, os recursos para a política indigenista
caíram de R$ 47,1 milhões para R$ 40,6
milhões e grande parte deste corte atingiu
os programas de regularização e proteção
dos territórios indígenas, de acordo
com o Instituto de Estudos Sócio-econômicos
(Inesc). O atendimento à saúde indígena
também tem freqüentado as páginas
dos jornais com manchetes negativas, em especial com
as mortes de crianças índias por desnutrição
e a volta da malária em algumas regiões.
Daí a desconfiança de várias
lideranças indígenas (leia o Especial
sobre Saúde Indígena do ISA).
Diálogo
O governo atrasou
em um ano a criação da CNPI (confira).
A gestão anterior da Fundação
Nacional do Índio (Funai), chefiada por Mércio
Pereira, postergou a medida. Em março, o antropólogo
Márcio Meira assumiu a presidência do
órgão com uma postura diferente. Poucas
semanas depois, a comissão foi instalada. Meira
encontrou-se algumas vezes com as lideranças
indígenas que estavam em Brasília nesta
semana e surpreendeu ao visitar o acampamento Terra
Livre. “O diálogo será a principal característica
da minha gestão. A instalação
da CNPI é um marco historico”, garantiu.
”Acho que a comissão
não deixa de ser uma vitória diante
dos embates que tivemos nos últimos anos”,
defende Jecinaldo Barbosa Cabral Sateré-Mawé,
coordenador-geral da Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia
Brasileira (Coiab). Ele explica que a instalação
da CNPI demorou também porque o movimento indígena
não queria aceitar um colegiado que servisse
apenas para corroborar projetos de interesse do Executivo.
De acordo com Jecinaldo, as organizações
indígenas exigiram do governo que um conselho
com natureza deliberativa seja instalado em um ano.
“O novo presidente da Funai está sinalizando
que quer o diálogo e quer representar os interesses
indígenas no Palácio do Planalto. O
que temos certeza é que temos de ficar atentos.
Alguns setores do governo continuam querendo atropelar
os povos indígenas.”
Além do encaminhamento
do Projeto de Lei do novo conselho, a expectativa
é que sejam discutidos na CNPI temas polêmicos
como o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), a saúde indígena e, como sempre,
a demarcação de terras. Apresentado
como solução para o desempenho medíocre
da economia, o PAC lista dezenas de grandes obras
com impactos sobre as TIs. Nesses casos, a Constituição
e normas internacionais ratificadas pelo Brasil exigem
que as comunidades indígenas têm de ser
consultadas antes que elas sejam implementadas, o
que não vem acontecendo. Na visita ao acampamento,
Márcio Meira prometeu intermediar a realização
dessas consultas.
Terras Indígenas
Homologadas
Apiterewa (PA), do
povo Parakanã – 773.470 hectares
Itixi-Mitari (AM), do povo Apurinã – 182.134
hectares
Palmas (PR e SC), do povo Kaingang – 3.800 hectares
Decretos de homologação
retificados
Pankararu (PE), do
povo Pankararu – ampliação da área
de 8.100 para 8.376 hectares
Entreserras (PE), do povo Pankararu – manutenção
dos 7.550 hectares
Wassu-Cocal (AL), do povo Wassu – diminuição
da área de 2.758 para 2.744 hectares
Terras Indígenas
declaradas
Cachoeirinha (MS),do
povo Terena – 36.288 hectares
Guarani de Araça'I (SC), do povo Guarani –
2.721 hectares
Riozinho do Alto Envira (AC), do povo Ashaninka e
isolados – 260.970 hectares
Toldo Imbu (SC), do povo Kaingang – 1.965 hectares
Toldo Pinhal (SC), do povo Kaingang – 4.846 hectares
Xapecó, glebas A e B (SC), do povo Kaingang
(revisão) – 660 hectares
Yvyporã Laranjinha (PR), do povo Nhandeva Guarani
(revisão) – 1.238 hectares
Representantes indígenas
do CNPI
Amazônia
Titulares
Jecinaldo Barbosa Cabral Sateré-Mawé
Akiaboro Kaiapó
Pierlângela Nascimento Cunha
Almir Narayamonga Suruí
Kohaue Karajá
Francisca Novantino
Manuel Gomes da Silva
José Arão Marize Lopes
Kleber Luiz dos Santos e Santos
Suplentes
Sansão Ricardo Flores
Antônio Sarmento dos Santos
Dílson Domente Ingaricó
Heliton Gavião
João Kwanha Xerente
Crizanto Rudzõ Tseremey
Élcio Severino da Silva
Lourenço Borges Milhomem
Aikyri Waiãpi
Nordeste
Titulares
Marcos Luidson de Araújo
Lindomar Santos Rodrigues
Luiz Vieira Titiah
Antônio Pessoa Gomes
José Ciríaco Sobrinho
Sandro Emanuel Cruz dos Santos
Suplentes
Manoel Messias da Silva
Cremilda Eminia Máximo
Ricardo Weibe da Costa
Rosa da Silva Souza
Francisca Bezerra de Silva
Glicéria Jesus da Silva
Sul e Sudeste
Titulares
Donizete Machado da
Silva
Brasílio Pripá
Deoclides de Paula
Suplentes
Marcos dos Santos Tupã
Florêncio Rekaye Fernandes
Ivan Bribis Rodrigues
Centro-oeste
Titulares
Danilo de Oliveira Luiz
Wilson Matos da Silva
Suplentes
Evaniza da Silva
Maria Regina de Souza
Representantes de
organizações indigenistas
Titulares
Saulo Ferreira Feitosa (Cimi)
Gilberto Azanha (CTI)
Suplentes
José Antônio Moroni (Inesc)
Marcos Wesley de Oliveira (CCPY)
ISA, Oswaldo Braga de Souza.
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