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ESTATUTO DO ÍNDIO E DAS COMUNIDADES INDÍGENAS

 
 

PROPOSTA ALTERNATIVA DO EXECUTIVO AO SUBSTITUTIVO DO DEPUTADO LUCIANO PIZZATTO
(PROJETO DE LEI Nº 2.057/91)

Institui o Estatuto do Índio e das Comunidades Indígenas.
O Congresso Nacional decreta:

TÍTULO I
Dos Princípios e Definições

CAPÍTULO I
Dos Princípios

Art. 1º. Esta lei regula a situação jurídica dos índios, de suas comunidades e de suas organizações, com o propósito de proteger e fazer respeitar sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam e todos os seus bens.

Art. 2º. Aos índios, às comunidades e às organizações indígenas se estende a proteção das leis do País, em condições de igualdade com os demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas nesta lei.

Art. 3º. Aplicam-se as normas do direito comum às relações entre índios e terceiros, ressalvado o disposto nesta lei.

Art. 4º. Cumpre à União proteger e promover os direitos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal e regulados por esta lei, podendo contar com a colaboração de entidades públicas e privadas.

Parágrafo único. Os Estados e Municípios poderão colaborar com a União na proteção e na assistência às comunidades indígenas e desenvolver ações administrativas que promovam o respeito aos seus bens.

Art. 5º. A política de proteção e de assistência aos índios e às comunidades indígenas terá como finalidades:

I - assegurar aos índios a proteção das leis do País;
II - prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas;
III - garantir aos índios o acesso aos conhecimentos da sociedade brasileira e sobre o seu funcionamento;
IV - garantir aos índios e às comunidades indígenas meios para sua auto-sustentação, respeitadas as suas diferenças culturais;
V - assegurar aos índios e às comunidades indígenas a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e de subsistência;
VI - promover junto à sociedade brasileira a compreensão, a aceitação e o reconhecimento dos índios e de suas comunidades como grupos etnicamente diferenciados, respeitando suas organizações sociais, usos, costumes, línguas e tradições, seus modos de viver, criar e fazer, seus valores culturais e artísticos e demais formas de expressão;
VII - executar, com anuência dos índios e, sempre que possível, com a sua participação, programas e projetos que beneficiem suas comunidades;
VIII - garantir aos índios e às comunidades indígenas a posse e a permanência nas suas terras;
IX - garantir aos índios o exercício dos direitos civis e políticos;
X - proteger os bens de valor artístico, histórico e cultural, os sítios arqueológicos e as demais formas de referência à identidade, à ação e à história das comunidades indígenas.

Art. 6º. Nenhum índio ou comunidade indígena será objeto de qualquer forma de discriminação, exploração, violência crueldade ou opressão e será punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos.

Art. 7º. Não se farão restrições ou exigências aos índios quanto a indumentárias, trajes e pinturas tradicionais, para fins de ingresso e permanência em dependência de quaisquer dos Poderes da República ou órgãos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitada a ordem pública.

CAPÍTULO II
Das definições e registros

Art. 8º. Para efeito desta lei consideram-se:

I - Comunidades indígenas, as coletividades que se distinguem entre si e no conjunto da sociedade em virtude de seus vínculos históricos com populações de origem pré-colombiana;
II - Índio, o indivíduo integrante ou proveniente de uma comunidade indígena, com a qual mantém identidade de usos, costumes, tradições e é por seus membros reconhecido como tal;
III - Organizações indígenas, as associações ou sociedades civis, sem fins lucrativos, integradas exclusivamente por índios, para defesa dos seus interesses e dos interesses da comunidade indígena.

Art. 9º. As comunidades indígenas se fazem representar, em juízo e fora dele, segundo seus usos, costumes e tradições.

Art. 10º. As organizações indígenas têm personalidade jurídica de direito privado, e sua existência legal depende de registro na forma do Código Civil.

Art. 11º. Aos índios são assegurados todos os direitos civis, políticos, sociais e trabalhistas, bem como as garantias fundamentais estabelecidas na Constituição Federal.

§ 1º. Aos índios é assegurada isonomia salarial em relação aos demais trabalhadores e a eles se estende o regime geral de previdência social.

§ 2º. Aos índios impõem-se todos os deveres e obrigações inerentes aos direitos e garantias de que trata este artigo, respeitadas as suas diferenças culturais e as disposições desta Lei.

Art. 12º. Os nascimentos, os casamentos, as dissoluções da sociedade conjugal e os óbitos dos índios poderão ser registrados de acordo com a legislação comum, gratuitamente, atendidas as diferenças culturais de cada comunidade indígena.

Parágrafo único. No registro civil poderá constar a comunidade indígena à qual pertence o registrado, respeitadas as peculiaridades quanto à qualificação do nome, prenome e filiação.

Art. 13º. Haverá livros próprios, no órgão federal indigenista, para o registro administrativo de nascimentos e óbitos de índios.

§ 1º. O registro administrativo constituirá, quando couber, documento hábil para proceder ao registro civil ou ato correspondente, admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova.

§ 2º. A relação dos nascimentos e óbitos ocorridos em cada comunidade indígena, indicando o nome e, no caso de óbito, a data e causa do falecimento, deverá ser divulgada anualmente pelo órgão federal responsável pela assistência à saúde indígena.

Art. 14º. É assegurado aos índios, suas organizações e comunidades, o direito de participação em todas as instâncias que tratem de questões que lhes digam respeito.

Art. 15º. O órgão federal indigenista promoverá o acompanhamento e a avaliação dos programas, projetos e ações voltados para as comunidades indígenas.

TÍTULO II
Do patrimônio e da sua administração

CAPÍTULO I
Do patrimônio indígena

Art. 16º. Integram o patrimônio indígena:

I - os direitos originários sobre terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a posse permanente dessas terras e das reservadas;
II - o usufruto exclusivo de todas as riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas, incluídos os acessórios e os acrescidos e o exercício de caça, pesca, coleta, garimpagem, faiscação e cata;
III - os bens móveis e imóveis das comunidades indígenas, que vierem a adquirir na forma da legislação civil;
IV - o direito autoral e sobre obras artísticas de criação das próprias comunidades indígenas, incluídos os direitos de imagem;
V - os direitos sobre as tecnologias, obras científicas e inventos de criação das comunidades indígenas;
VI - os bens imateriais concernentes às diversas formas de manifestação sócio-cultural das comunidades indígenas;
VII - outros bens e direitos que sejam atribuídos às comunidades indígenas.

Art. 17º. São titulares do patrimônio indígena:

I - a população indígena do País, no tocante aos bens pertencentes ou destinados aos índios e que não se caracterizem como sendo de comunidades indígenas determinadas;
II - a comunidade indígena determinada, no tocante aos bens localizados na terra indígena que ocupe, ou àqueles caracterizados como a ela pertencentes.

Parágrafo único. Os bens adquiridos com recursos oriundos da exploração do patrimônio indígena pertencem à comunidade indígena titular do patrimônio explorado, independentemente de estarem registrados em nome de um ou mais de seus membros ou representantes.

Art. 18º. Cabe à comunidade titular do patrimônio indígena a administração dos bens que o constituem.

Parágrafo único. O órgão federal indigenista administrará os bens de que trata o inciso I do art. 16, e manterá o seu arrolamento permanentemente atualizado, procedendo à fiscalização rigorosa da sua gestão.

Art. 19º. Cabe ao órgão federal indigenista habilitar e oferecer meios para que a comunidade indígena exerça a administração do seu patrimônio.

CAPÍTULO II
Do Patrimônio Cultural Indígena

Art. 20º. São assegurados os direitos das comunidades indígenas de se beneficiarem comunitariamente por seus conhecimentos tradicionais e por aqueles resultantes do acesso aos recursos genéticos existentes nas áreas que tradicionalmente ocupam, mediante remuneração ou outros mecanismos, na forma da legislação vigente.

§ 1º. As comunidades indígenas têm os direitos exclusivos sobre seus conhecimentos tradicionais, ficando-lhes assegurado o direito de mantê-los sob sigilo.

§ 2º. Os direitos assegurados na forma deste artigo serão exercidos com a interveniência do órgão federal indigenista, que deverá examinar previamente os atos a serem firmados e fiscalizar o seu cumprimento.

Art. 21º. É assegurado às comunidades indígenas, em caráter permanente, o direito exclusivo de usar, fruir e dispor de suas obras e criações de espírito, elaboradas comunitariamente de acordo com seus usos e costumes, ainda que transmitidas pela tradição oral, independentemente de sua origem temporal.

§ 1º. A utilização das criações de que trata o caput deste artigo, por qualquer meio ou processo, será feita com prévia e expressa autorização das comunidades indígenas, mediante contrato, na forma do regulamento desta Lei.

§ 2º. Prescrevem em quarenta anos as ações pertinentes à violação dos direitos de que trata o caput, contados da data de conhecimento da violação.

§ 3º. Os direitos de que trata este artigo serão exercidos, quando necessário, com a assessoria do órgão federal indigenista.

§ 4º. O órgão federal indigenista manterá serviço para catalogação e guarda de exemplares representativos de criações indígenas individuais e comunitárias.

Art. 22º. Não constitui ofensa aos direitos de que trata o artigo anterior:

I - a reprodução ou citação de criações indígenas em livros, jornais, periódicos, artigos, teses, monografias acadêmicas, exposições e congêneres, para fins informativos, didáticos, de estudos científicos, inclusive antropológicos, análise, crítica ou polêmica;
II - a reprodução, representação, execução publicação ou comunicação de criações indígenas ao público, por qualquer forma, processo ou meio, com finalidade didática, educativa ou científica, sem intuito lucrativo.

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos deste artigo, deverão ser identificadas as comunidades indígenas, referenciadas geograficamente as suas obras, criações e manifestações e ser a elas encaminhadas cópias dos trabalhos, publicações, filmes ou outro tipo de material.

CAPÍTULO III
Da Administração do Patrimônio

Art. 23º. O órgão federal indigenista manterá serviço destinado a orientar, coordenar e fiscalizar o cumprimento das disposições contidas neste Título, assim como gerir fundo próprio, nos termos da lei, aplicando os recursos segundo as normas que estabelecer.

TÍTULO III
Dos bens, garantias, negócios e proteção

CAPÍTULO I
Dos bens, garantias e negócios

Art. 24º. São nulos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nela existentes.

§ 1º. São nulos, na forma da legislação civil, os demais atos e negócios realizados entre índios e terceiros, praticados com violação de direitos da comunidade indígena.

§ 2º. Podem os índios, suas comunidades e suas organizações, ingressar em juízo para anular os atos e negócios a que se refere o caput e o § 1º deste artigo e para obter a indenização devida.

Art. 25º. São respeitados os usos, costumes e tradições das comunidades indígenas nos atos ou negócios realizados entre índios ou comunidades indígenas, salvo se optarem pela aplicação do direito comum.

§ 1º. No regime de sucessão, pertencerão à comunidade à qual fazia parte o índio falecido os bens do inventariado que tenham sido adquiridos com a exploração do patrimônio indígena, respeitados seus usos, costumes e tradições.

§ 2º. Em todo processo de inventário que envolva bens indígenas inscritos ou registrados em órgãos públicos, deverá o juiz dar ciência do mesmo ao órgão federal indigenista.

Art. 26º. Toda autoridade e servidor público que tiver conhecimento de ato, negócio ou fato lesivos à ocupação, ao domínio e à posse das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios é obrigada a dar conhecimento deles ao Ministério Público Federal e ao órgão federal indigenista, sob pena de responsabilidade.

Art. 27º. O ingresso de terceiros em terras indígenas depende de autorização das comunidades indígenas e de prévia comunicação ao órgão federal indigenista, ressalvada a atuação dos agentes públicos no exercício de suas funções.

CAPÍTULO II
Da proteção

Art. 28º. São partes legítimas para a defesa dos direitos e interesses dos índios e das comunidades indígenas:

I - os índios, suas comunidades e suas organizações;
II - o órgão federal indigenista.
III - o Ministério Público Federal;

§ 1º. Quando da defesa dos direitos assegurados pelo art. 231 da Constituição Federal, as comunidades indígenas serão dispensadas do adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas.

§ 2º. Nas causas em que for obrigatória a presença do Ministério Público Federal, a comunidade indígena contará com prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer.

§ 3º. Nenhuma medida judicial será concedida liminarmente nas causas em que as comunidades indígenas figurem no polo passivo da relação processual, e que envolvam os direitos assegurados pelo art. 231 da Constituição Federal, sem a prévia audiência da comunidade e a do Ministério Público Federal.

Art. 29º. As comunidades indígenas são parte legítima para propor ação civil pública, nos termos da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, para a defesa dos bens a que se refere o inciso II do artigo 5º da referida Lei.

Art. 30º. No caso de índios e comunidades indígenas que não mantenham relações de contato regulares com os demais membros da comunidade nacional, cabe ao órgão federal indigenista, obrigatoriamente, figurar como interveniente para a prática dos atos da vida civil.

§ 1º. A interveniência obrigatória do órgão federal indigenista cessará quando o índio ou a comunidade indígena estabelecer relações regulares de contato com os demais membros da comunidade nacional.

§ 2º. Cabe ao órgão federal indigenista autorizar o ingresso de terceiros nas terras ocupadas por índios que não mantenham relações de contato regulares com os demais membros da comunidade nacional.

Art. 31º. Compete ao órgão federal indigenista exercer o poder de polícia dentro dos limites das terras indígenas, na defesa e proteção dos índios e comunidades indígenas, de suas terras e patrimônio, podendo:

I - interditar, por prazo determinado, prorrogável uma vez, as terras indígenas para resguardo do território e das comunidades ali ocupantes;
II - proibir a entrada de terceiros e estranhos nas terras indígenas, se houver evidência de prejuízo ou risco para as comunidades indígenas ali ocupantes, às quais se dará ciência;
III - apreender veículos, bens e objetos de pessoas que estejam explorando o patrimônio indígena sem a devida autorização legal;
IV - aplicar multas e penalidades.

Parágrafo único. Os veículos, bens e objetos apreendidos dentro de área indígena na forma do inciso III deste artigo ficam sujeitos à pena de perdimento.

Art. 32º. Considera-se infração administrativa passível de punição pelo órgão federal indigenista, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de proteção e promoção dos direitos dos índios, de suas comunidades e de seu patrimônio, especialmente quando implique:

I - ameaça à saúde e à vida das comunidades indígenas;
II - prática de qualquer ato ou atividade que viole ou ameace violar a posse permanente ou o usufruto exclusivo das comunidades indígenas sobre as riquezas naturais existentes em suas terras;
III - destruição, dano ou alteração dos recursos naturais ou bens dos índios;
IV - exploração e comercialização sem a competente autorização, dos recursos naturais ou bens existentes em terras indígenas;
V - receptação e comercialização de produtos ou bens extraídos ilegalmente das terras indígenas;
VI - realização de quaisquer construções e plantações em terras indígenas, sem autorização da comunidade respectiva ou do órgão federal indigenista, quando cabível;
VII - práticas que atentem contra a cultura e os costumes indígenas;
VIII - usurpação do patrimônio cultural;
IX - porte de armas em terras indígenas por terceiros, excetuados os agentes públicos no exercício de suas atribuições legais;
X - recrutamento, incentivo ou permissão de contratação ou exploração de índios sob regime de escravidão ou que os submetam a formas degradantes ou ilegais de subsistência;
XI - incentivo ao uso ou o fornecimento aos índios de produtos que causem dependência química ou psicológica;
XII - remoção de grupos indígenas de suas terras sem permissão da autoridade competente, conforme o § 5º do art. 231 da Constituição Federal;
XIII - ingresso ou permanência ilegal em terras indígenas;
XIV - aliciamento do índio ou de suas comunidades para a exploração de recursos naturais das terras indígenas;
XV - utilização da imagem do índio ou de suas comunidades, sem consentimento expresso, para fins promocionais ou lucrativos;
XVI - ato de escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradições culturais indígenas, vilipendiá-las ou perturbar, de qualquer modo, a sua prática.

Art. 33º. Respondem solidariamente pela infração:

I - o autor material;
II - o mandante;
III - quem, de qualquer modo, concorra para a sua prática;
IV - a autoridade do órgão federal indigenista que tendo tomado conhecimento da infração, não determinou a sua apuração imediata.

Art. 34º. O processo administrativo para apuração de infração garantirá a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, e terá o seu procedimento definido em regulamento.

Art. 35º. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:

I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária
IV - apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e flora indígena, instrumentos, petrechos, equipamentos e veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V - destruição ou inutilização de produto
VI - suspensão da venda e fabricação de produto;
VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total das atividades;
X - restritiva de direitos.

§ 1º. Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.

§ 2º. A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo às demais sanções previstas neste artigo.

§ 3º. A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:

I - violar, por ação ou omissão, as regras jurídicas de proteção dos direitos dos índios, de suas comunidades e de seu patrimônio;
II - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado pelo órgão federal indigenista;
III - opuser embaraço à fiscalização do órgão competente.

§ 4º. A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade de vida das comunidades indígenas.

§ 5º. A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.

§ 6º. As sanções restritivas de direitos são:

I - suspensão de registro, licença ou autorização;
II - cancelamento de registro, licença o autorização;
III - perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;
IV - perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
V - proibição de contratar com a Administração Pública pelo período de até três anos.

§ 7º. Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:

I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e o dano causado ao índio e às suas comunidades;
II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de proteção ao índio;
III - a situação econômica do infrator, no caso de multa;
IV - a situação de contato do índio ou de sua comunidade.

Art. 36º. Os valores arrecadados em pagamento de multas por infração serão revertidos ao órgão federal indigenista, que os aplicará no custeio dos serviços de fiscalização, preservação e melhoria da qualidade de vida das comunidades indígenas.

Art. 37º. A multa terá por base a unidade, o hectare, o metro cúbico, o quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado.

Art. 38º. São autoridades competentes para lavrar o auto de infração e instaurar processo administrativo, os funcionários do órgão federal indigenista designados para as atividades de fiscalização.

Art. 39º. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e atualizado periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 (cinqüenta reais) e o máximo de 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).

Art. 40º. As relações internas a uma comunidade indígena serão reguladas por seus usos, costumes e tradições.

Art. 41º. Constatada a existência de comunidades indígenas que não mantenham relações de contato regulares com os demais membros da comunidade nacional, o órgão federal indigenista promoverá a interdição das terras onde se encontrem, por prazo determinado, para garantir-lhes a integridade física e cultural, se necessário.

Art. 42º. A Polícia Federal prestará ao órgão federal indigenista, ao Ministério Público Federal e às comunidades indígenas, o apoio necessário à proteção dos bens do patrimônio indígena e à integridade física e moral das comunidades indígenas e de seus membros.

Art. 43º. Aos Juizes Federais compete processar e julgar as disputas sobre direitos indígenas.

Art. 44º. Nos crimes praticados por índios ou contra índios, a Polícia Federal exercerá a função de Polícia Judiciária.

TÍTULO IV
Das Terras Indígenas

CAPÍTULO I
Disposições gerais

Art. 45º. São reconhecidos às comunidades indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, protegê-las e fazer respeitá-las.

Art. 46º. São terras indígenas:

I - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios;
II - as terras reservadas pela União, destinadas à posse e à ocupação pelos índios.

Art. 47º. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e as que lhes forem reservadas são bens da União, inalienáveis e indisponíveis, e destinam-se à sua posse permanente, não podendo ser objeto de quaisquer atos que restrinjam o pleno exercício da posse pelos próprios índios.

Parágrafo único. Aplica-se às terras indígenas destinadas à posse permanente e usufruto exclusivo das comunidades indígenas o disposto neste artigo e, no que couber, as ações do órgão federal indigenista definidas nesta lei para a proteção e regularização fundiária das terras tradicionalmente ocupadas ou reservadas.

CAPÍTULO II
Da demarcação das terras indígenas

Art. 48º. As terras indígenas serão administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal indigenista, de acordo com o disposto nesta Lei.

Art. 49º. A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios será fundamentada em trabalhos desenvolvidos por equipe técnica, coordenada por antropólogo, que procederá, em prazo fixado na portaria de nomeação baixada pelo titular do órgão federal indigenista, aos estudos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e ao levantamento fundiário necessários à delimitação.

§ 1º. O grupo técnico especializado, designado pelo órgão federal indigenista, será composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, com a finalidade de realizar os estudos previstos neste artigo.

§ 2º. O levantamento fundiário será realizado, quando necessário, conjuntamente com o órgão federal ou estadual específico, cujos técnicos serão designados no prazo de vinte dias contado da data do recebimento da solicitação do órgão federal indigenista.

§ 3º. O grupo indígena envolvido, representado segundo suas formas próprias, participará do procedimento em todas as suas fases.

§ 4º. O grupo técnico solicitará, quando for o caso, a colaboração de membros da comunidade científica ou de outros órgãos públicos para embasar os estudos de que trata este artigo.

§ 5º. No prazo de trinta dias contado da data da publicação do ato que constituir o grupo técnico, os órgãos públicos devem, no âmbito de suas competências e às entidades civis é facultado, prestar-lhe informações sobre a área objeto da identificação.

§ 6º. Todos os membros da equipe deverão ter, sempre que possível, conhecimento específico sobre a comunidade indígena e a terra por ela ocupada.

§ 7º. Por solicitação do Presidente do órgão federal indigenista, a Polícia Federal deverá designar agentes para garantir segurança aos trabalhos da equipe técnica.

§ 8º. Os trabalhos da equipe técnica e os demais atos previstos nesta lei terão seu início e conclusão e o nome dos encarregados e responsáveis, publicados no Diário Oficial da União, garantido o acesso permanente e gratuito a todas as informações relativas ao procedimento demarcatório às comunidades indígenas, às suas organizações e aos demais interessados.

Art. 50º. Concluídos os trabalhos de identificação e delimitação, o grupo técnico apresentará relatório circunstanciado ao órgão federal indigenista, caracterizando a terra indígena a ser demarcada.

§ 1º. A equipe técnica submeterá à anuência da comunidade indígena ocupante da terra objeto da identificação a proposta circunstanciada e fundamentada de limites a serem demarcados.

§ 2º. Aprovado o relatório pelo titular do órgão federal indigenista, este fará publicar, no prazo de quinze dias contados da data que o receber, resumo do mesmo no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localizar a área sob demarcação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área e encaminhará cópia da publicação ao fórum da sede da comarca ou à Prefeitura Municipal da situação do imóvel, solicitando sua afixação em local apropriado na sua sede.

§ 3º. Se considerar incompleto o relatório, o Presidente do órgão federal indigenista, em dez dias, determinará a complementação do trabalho, que deverá ser concluída no prazo de sessenta dias.

§ 4º. Desde o início do procedimento demarcatório até noventa dias após a publicação de que trata o § 2º deste artigo, poderão os Estados e Municípios em que se localize a área sob demarcação e demais interessados manifestar-se, apresentando ao órgão federal indigenista razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório de que trata o parágrafo anterior.

§ 5º. Nos sessenta dias subseqüentes ao encerramento do prazo de que trata o parágrafo anterior, o órgão federal indigenista encaminhará o respectivo procedimento ao Ministro de Estado da Justiça, juntamente com pareceres relativos às razões e provas apresentadas.

§ 6º. Em até trinta dias após o recebimento do procedimento, o Ministro de Estado da Justiça decidirá:

I - declarando, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinando a sua demarcação;
II - prescrevendo todas as diligências que julgue necessárias, as quais deverão ser cumpridas no prazo de noventa dias;
III - desaprovando a identificação e retornando os autos ao órgão federal indigenista, mediante decisão fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da Constituição e demais disposições pertinentes.

Art. 51º. Verificada a presença de ocupantes não índios na área sob demarcação, o órgão fundiário federal dará prioridade ao respectivo reassentamento, segundo o levantamento efetuado pelo grupo técnico, observada a legislação pertinente, inadmitindo-se que seja causa para o retardamento do procedimento de demarcação da terra indígena.

Art. 52º. O órgão federal indigenista assegurará aos terceiros ocupantes o pagamento de indenização por benfeitorias consideradas de boa-fé.

Parágrafo único. Não se aplica o direito de retenção a terceiros ocupantes de terra indígena.

Art. 53º. A comunidade indígena interessada ou o Ministério Público Federal podem requerer a instauração do procedimento demarcatório ao Presidente do órgão federal indigenista, que deverá faze-lo no prazo de trinta dias, contados a partir da data do protocolo do pedido.

Parágrafo único. Caso o pedido de abertura de instauração do procedimento demarcatório seja indeferido, o presidente do órgão federal indigenista apresentará as suas razões dentro do prazo estabelecido no parágrafo anterior, devendo esta decisão ser publicada no Diário Oficial da União.

Art. 54º. O requerimento de instauração previsto no artigo anterior deverá ser instruído mediante a apresentação dos seguintes documentos ao órgão federal indigenista:

I - elementos comprobatórios da terra por eles tradicionalmente ocupada através de laudo antropológico e étnico-histórico lavrado por dois antropólogos;
II - mapa e memorial descritivo dos limites das terras por eles ocupadas tradicionalmente.

Art. 55º. A demarcação física das terras indígenas será feita com base na descrição dos limites contidos no ato declaratório previsto no inciso I, do § 6º, do art. 51.

§ 1º. Concluídos os trabalhos de campo e encaminhado o competente relatório ao Presidente do órgão federal indigenista, este remeterá, no prazo de dez dias, os autos do procedimento demarcatório correspondente para sua homologação pelo Presidente da República.

§ 2º. A demarcação física das terras reservadas será feita com base na descrição dos limites contidos no ato do Poder Público que as houver estabelecido.

Art. 56º. Após o ato declaratório da ocupação indígena previsto no inciso I, do § 6º, do art. 51, as comunidades indígenas poderão promover, com a supervisão do órgão federal indigenista, a demarcação física das terras conforme memorial homologado.

Art. 57º. A demarcação das terras indígenas, obedecido o procedimento administrativo previsto neste Capítulo, será homologada mediante decreto.

Art. 58º. Em até trinta dias após a publicação do decreto de homologação, o órgão federal indigenista promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, ou órgão que venha substituí-la.

Parágrafo único. Após o registro, o órgão federal indigenista enviará uma cópia do registro no Serviço do Patrimônio da União e da matrícula do imóvel à comunidade indígena.

TÍTULO V
Do Aproveitamento dos Recursos Naturais Minerais, Hídricos e Florestais

CAPÍTULO I
Dos Recursos Minerais

Art. 59º. As atividades de pesquisa e lavra de recursos minerais em terras indígenas reger-se-ão pelo disposto nesta Lei e, no que couber, pelo Código de Mineração e pela legislação ambiental e a relativa à faixa de fronteira.

Art. 60º. A pesquisa e a lavra de recursos minerais em terras indígenas só podem ser realizadas mediante autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, sendo-lhes assegurada participação nos resultados da lavra.

Art. 61º. A pesquisa e a lavra de recursos minerais em terras indígenas serão efetivadas, no interesse nacional, sob os regimes de autorização de pesquisa e de concessão de lavra de que trata o Código de Mineração, por empresa legalmente constituída no Brasil.

Parágrafo único. O aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas pelo regime de garimpagem é privativo dos índios, e poderá ocorrer nas áreas delimitadas para este fim por Portaria conjunta do órgão federal indigenista, do órgão federal gestor dos recursos minerais e do órgão federal responsável pelo meio ambiente, dispensada a edição da Permissão de Lavra Garimpeira prevista na Lei 7.805, de 18 de julho de 1989.

Art. 62º. Por iniciativa do Poder Executivo, de ofício ou por provocação de interessado, as áreas situadas em terras indígenas poderão ser declaradas disponíveis para fins de requerimento de autorização de pesquisa e concessão de lavra, mediante edital que estabelecerá os requisitos a serem atendidos pelos requerentes.

§ 1º. O edital será elaborado conjuntamente pelo órgão federal de gestão dos recursos minerais e pelo órgão federal indigenista, com base em parecer técnico conjunto, apoiado em laudo antropológico e geológico específicos, caracterizando a área como apta à mineração.

§ 2º. Os órgãos federais de que trata o parágrafo anterior poderão expedir normas complementares definindo os procedimentos básicos visando a proteção às comunidades indígenas, a serem aplicadas no processo de disponibilidade.

Art. 63º. O edital conterá o memorial descritivo da área disponível à mineração, estabelecerá os critérios para habilitação à prioridade e disporá sobre as condições técnicas, econômicas, sociais, ambientais e financeiras necessárias, bem como sobre outras condições relativas à proteção dos direitos e interesses da comunidade indígena afetada.

Art. 64º. As condições financeiras referidas no artigo anterior incluem o pagamento às comunidades indígenas afetadas de:

I - renda pela ocupação do solo; e,
II - participação nos resultados da lavra.

§ 1º. A renda pela ocupação do solo deverá ser expressa em valor anual a ser pago por hectare ocupado e será devida por todo o tempo de vigência do alvará de pesquisa a partir da data de ingresso na área, que será a data considerada como de início dos trabalhos de pesquisa, podendo essa obrigação ser objeto de fiança bancária, seguro garantia ou caução de títulos.

§ 2º. A participação da comunidade indígena nos resultados da lavra não poderá ser inferior a dois por cento do faturamento bruto resultante da comercialização do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.

§ 3º. Estende-se aos subprodutos comercializáveis do minério extraído a base de cálculo sobre a qual define-se a participação da comunidade indígena no resultado da lavra.

Art. 65º. As receitas provenientes dos pagamentos previstos no artigo anterior serão aplicadas em benefício direto e exclusivo de toda a comunidade indígena afetada, segundo plano de aplicação previamente definido.

§ 1º. A comunidade indígena poderá assessorar-se livremente para a elaboração do plano de aplicação referido neste artigo.

§ 2º. As receitas provenientes da ocupação do solo serão depositadas em conta bancária específica e poderão ser integralmente utilizadas pela comunidade indígena.

§ 3º. As receitas provenientes da participação da comunidade nos resultados da lavra serão depositadas em caderneta de poupança específica, em favor da própria comunidade, para aplicação nos termos do plano a que se refere o caput deste artigo.

§ 4º. O órgão federal indigenista, por iniciativa própria ou atendendo a solicitação da comunidade ou de qualquer de seus membros, caso constate irregularidade na aplicação dos recursos do plano, promoverá a sustação de retiradas dos recursos junto ao estabelecimento bancário enquanto não forem sanadas as irregularidades.

Art. 66º. Sem prejuízo de outras obrigações estabelecidas no edital, as empresas concorrentes deverão satisfazer as seguintes condições:

I - ter experiência comprovada, como mineradora, em empreendimento próprio ou por empresa controladora;
II - firmar carta-compromisso de apresentação de fiança bancária ou seguro garantia ou caução de títulos, para sustentar os desembolsos financeiros previstos no plano de pesquisa, a ser apresentada ao órgão federal gestor dos recursos minerais;
III - apresentar termo de compromisso, com promessa de formalizar caução no montante da renda pela ocupação do solo;
IV - comprovar, através do último balanço anterior à data de publicação do edital, diretamente ou através de empresa controladora, ter capital social mínimo não inferior a cinqüenta por cento do valor do orçamento do programa de pesquisa a ser desenvolvido na área;
V - apresentar certidão negativa de tributos federais, estaduais e municipais, e comprovação de regularidade de recolhimento das obrigação previdenciárias.

Parágrafo único. O edital de que trata o art. XX desta Lei poderá, excepcionalmente, alterar as condições estabelecidas neste artigo, nos casos em que seja necessário viabilizar a participação de empresas de mineração pertencentes às próprias comunidades indígenas ocupantes da terra indígena objeto do Edital.

Art. 67º. Para a outorga da autorização de pesquisa e de concessão de lavra, serão conjuntamente apreciados os requerimentos protocolizados dentro do prazo que for convenientemente fixado no Edital, definindo-se, dentre estes, como prioritário, o pretendente que melhor atender aos requisitos estabelecidos no edital.

Parágrafo único. A interposição de recurso à decisão administrativa de definição de prioridade somente caberá a empresas habilitadas ao certame e obedecerá sistemática prevista no edital ou em Portaria interministerial específica.

Art. 68º. O órgão federal indigenista promoverá a audiência da comunidade indígena afetada, com vistas a conhecer a manifestação da vontade dos índios.

§ 1º. A empresa declarada prioritária nos termos do artigo anterior poderá participar dos procedimentos de audiência da comunidade indígena afetada.

§ 2º. Definir-se-á imediatamente e por consenso entre as partes, uma instituição ou pessoa para, na qualidade de árbitro, intermediar os eventuais impasses que venham a ocorrer quando da negociação do contrato previsto no § 1º do art. XX desta Lei.

Art. 69º. Concluída a tramitação administrativa, o Poder Executivo encaminhará o processo ao Congresso Nacional, para que este decida sobre a efetivação dos trabalhos de pesquisa e lavra, fixando as condições peculiares à cultura e organização social das comunidades indígenas afetadas.

Parágrafo único. A autorização a que se refere o caput será formalizada por decreto legislativo, cabendo ao órgão federal de gestão dos recursos minerais a outorga do alvará de pesquisa.

Art. 70º. A União assegurará que a comunidade indígena e seus membros abster-se-ão de atos lesivos à segurança das equipes e patrimônio do titular da autorização da pesquisa.

Art. 71º. Concluída, tempestivamente, a pesquisa, e aprovado, pelo órgão federal de gestão dos recursos minerais, o relatório final dos trabalhos realizados, em que fiquem demonstradas a existência de jazidas e a viabilidade técnico-econômica do seu aproveitamento, o titular da autorização requererá a concessão de lavra, na forma estabelecida no Código de Mineração e legislação complementar.

§ 1º. A concessão de lavra estará condicionada à realização de relatório de impacto ambiental e à apresentação deste em audiência pública, promovida pelo órgão federal de proteção ambiental.

§ 2º. O requerimento de concessão de lavra deverá ser instruído com contrato firmado entre a empresa mineradora e a comunidade indígena afetada, com a assistência do órgão federal indigenista, no qual fiquem estabelecidas todas as condições para o exercício da lavra e o pagamento da participação dos índios nos seus resultados, bem como a responsabilidade das partes.

§ 3º. Respeitado o limite mínimo estabelecido no art. XX, § 2º, desta Lei, é admitida, nesta fase, a renegociação do percentual anteriormente pactuado, limitada a variação do valor em vinte e cinco por cento, para mais ou para menos.

Art. 72º. A outorga dos direitos para a execução dos trabalhos de lavra será expedida pela autoridade competente, baixada com estrita observância dos termos e condições da autorização do Congresso Nacional e das demais exigências desta Lei e da legislação mineral, ambiental e de proteção aos índios.

Art. 73º. O Ministério Público Federal acompanhará todos os procedimentos decorrentes da aplicação do disposto nesta Lei, representando ao Congresso Nacional na eventualidade de descumprimento de quaisquer dos termos e condições fixadas no ato autorizativo.

Art. 74º. A União, por seu órgão competente, procederá ao levantamento geológico básico das terras indígenas, fazendo incluir este trabalho nos programas regulares de mapeamento.

Parágrafo único. Os trabalhos necessários aos levantamentos geológicos básicos serão executados com assistência de campo do órgão federal indigenista, que dará prévio conhecimento do trabalho à comunidade indígena.

Art. 75º. O órgão federal indigenista estabelecerá, através de portarias, limites provisórios para as terras indígenas cujos limites não tenham sido declarados, bem como aquelas nas quais tenha sido constatada a presença de índios que não mantenham relações regulares de contato com os demais membros da comunidade nacional.

§ 1º. O órgão federal de gestão dos recursos minerais determinará a suspensão da tramitação de processos minerários que incidirem sobre as terras indígenas definidas pelas portarias mencionadas neste artigo, enquanto não forem declarados os seus limites.

§ 2º. Após delimitadas as áreas referidas, serão indeferidos os requerimentos de pesquisa e lavra nelas incidentes.

Art. 76º. Aos titulares de requerimento de pesquisa incidente em terra indígena protocolizado junto ao órgão federal gestor dos recursos minerais até a data de promulgação da Constituição Federal é assegurado o direito de preferência quando se verificar rigorosa igualdade nas condições da proposta a que se refere o edital previsto no artigo 68.

Art. 77º. Não se aplicará o direito de prioridade de que trata o artigo 11, alínea "a", do Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração), aos requerimentos de pesquisa incidentes em terras indígenas protocolizados junto ao órgão gestor de recursos minerais, após a data da promulgação da Constituição de 1988.

Art. 78º. Aplica-se ao gás natural e ao petróleo, no que couber, o disposto nesta Lei.

§ 1º. Aplica-se à exploração dos minerais nucleares o disposto na legislação pertinente.

§ 2º. O Poder Executivo editará normas complementares definindo os procedimentos para exploração em terras indígenas, dos bens minerais referidos no caput.

CAPÍTULO II
Dos recursos hídricos

Art. 79º. O aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas deverá ser precedido de:

I - consulta e participação das comunidades indígenas afetadas, desde a fase inicial do planejamento e em todas as fase subsequentes, a ser promovida pelo empreendedor e pelo órgão federal indigenista, assistidas por representantes do Ministério Público Federal;
II - elaboração de estudos antropológicos e avaliação de impactos ambientais, analisando as interferências do aproveitamento nas terras e comunidades indígenas.

Art. 80º. Os estudos de que trata o inciso II do artigo anterior deverão ser encaminhados ao Congresso Nacional para apreciação, acompanhados do projeto de aproveitamento, e dos pareceres da Comunidade indígena, do órgão federal indigenista e do Ministério Público Federal.

Art. 81º. O Congresso Nacional, para autorizar o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas, deverá:

I - realizar audiência junto às comunidades indígenas afetadas;
II - considerar as exigências dos estudos antropológicos, da avaliação de impactos ambientais e suas conseqüências;
III - garantir que as águas utilizadas em aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas permaneçam com qualidade considerada boa para a saúde e bem estar humano, de acordo com os padrões estabelecidos pelos órgãos de controle ambiental ao nível federal, estadual e municipal.;
IV - assegurar às comunidades indígenas o direito à indenização correspondente a perdas territoriais e de benfeitorias, decorrentes da interferência do aproveitamento nas suas terras e população.

Art. 82º. O planejamento da intervenção deve se basear em conhecimento etno-ecológico da região, das necessidades culturais e de sobrevivência das populações indígenas.

§ 1º. É obrigatória a elaboração de avaliação ambiental em todo e qualquer empreendimento a ser implantado em terra indígena, independentemente de seu porte ou potência. Este instrumento compreenderá a descrição das características do empreendimento e a avaliação de suas interferências com a terra e a população indígena afetada, assim como as medidas mitigadoras e compensatórias.

§ 2º. As ações mencionadas no caput e os estudos de que trata o parágrafo anterior deverão:

I - respeitar os territórios considerados culturalmente sagrados, evitando-se as intervenções que afetem estes territórios;
II - preservar e respeitar a memória das sociedades indígenas, existentes e pretéritas, de acordo com a Constituição, a legislação específica e as tradições de cada etnia.

Art. 83º. Os impactos causados pela implantação do empreendimento deverão ser compensados ou mitigados pelo empreendedor, visando a manutenção da reprodução e o desenvolvimento do grupo étnico contemplando especificamente:

I - a indenização de terras e benfeitorias;
II - os prejuízos ecológicos na terra indígena;
III - os danos à saúde e risco para a população.

Parágrafo único. Os impactos deverão ser mitigados ou compensados através de estudos, projetos e ações negociadas com a comunidade indígena.

Art. 84º. O pagamento às comunidades indígenas referente à participação nos resultados dos empreendimentos decorrentes da utilização de recursos hídricos e seus potenciais energéticos será estabelecido a partir da relação entre a área inundada da terra indígena por reservatório de usina hidrelétrica e a área total inundada pelo reservatório da respectiva usina hidrelétrica, cuja capacidade nominal instalada seja superior a 10 MW (dez megawatts).

§ 1º. Os recursos de que trata o caput deste artigo corresponderão a parcela daqueles provenientes da compensação financeira pela utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e dos “royaltes” devidos pela ITAIPU Binacional ao Governo Brasileiro, instituídos pelas Leis nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989 e nº 8.001, de 13 de março de 1990.

§ 2º. A fim de incluir a comunidade indígena como beneficiária dos referidos recursos, a área inundada atribuída à terra indígena será deduzida, proporcionalmente, das áreas inundadas dos municípios diretamente atingidos pelo reservatório da respectiva usina hidrelétrica, computando apenas aqueles localizados na mesma unidade de federação da reserva indígena.

§ 3º. O coeficiente de participação a ser estabelecido para a comunidade indígena será calculado de acordo com os mesmos critérios utilizados para a definição dos coeficientes de participação dos municípios beneficiários, conforme metodologia definida na legislação pertinente.

§ 4º. Os recursos a serem destinados à comunidade indígena, resultantes da aplicação do coeficiente de participação estabelecido no § 3º, estão incluídos 50% (cinqüenta por cento) no total destinado ao Estado onde se localiza a reserva indígena, e 50% (cinqüenta por cento) no total destinado aos municípios beneficiários diretamente atingidos pelo reservatório e localizados no mesmo Estado da federação da reserva indígena.

§ 5º. As receitas provenientes dos recursos previstos neste artigo serão depositadas em conta bancária específica, de titularidade da comunidade indígena, que as administrará, podendo, para tanto, assessorar-se do órgão federal indigenista ou de outra entidade, para a elaboração e acompanhamento de um plano de implementação.

§ 6º. As referidas receitas deverão ser utilizadas em atividades e programas que visem ao bem-estar e à melhoria da qualidade de vida da comunidade indígena atingida pelo empreendimento, podendo, entretanto, enquanto não forem utilizados os recursos, serem aplicados em fundos oficiais de valorização.

Art. 85º. Em caso de deslocamento permanente ou temporário de populações indígenas, a escolha da área deverá recair prioritariamente sobre uma que faça parte da cultura das populações afetadas, conforme ficar estabelecido nos estudos de avaliação de impactos ambientais e antropológicos.

Art. 86º. Quando o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas implicar a perda da posse da terra, o empreendedor fica obrigado a providenciar novas terras, de área e valor ecológico equivalente às áreas atingidas pelo empreendimento, preferencialmente contíguas àquelas, atribuindo sua posse e uso à comunidade indígena e o domínio ao efetivo titular da área impactada, bem como indenizá-los pelos impactos sofridos.


§ 1º. A escolha e demarcação da nova área se dará mediante atuação do órgão federal indigenista, através de procedimentos legais de identificação e demarcação de terras indígenas definidos nesta Lei.

§ 2º. Quando a perda da terra indígena por parcial, a reposição será prioritariamente em terras contíguas às remanescentes.

CAPÍTULO III
Dos Empreendimentos de Energia Elétrica

Art. 87º. A implantação de empreendimentos de energia elétrica que interfiram em terras indígenas deverá ser precedido de:

I - consulta e participação das comunidades indígenas afetadas, desde a fase inicial do planejamento e em todas as fases subseqüentes, a ser promovida pelo empreendedor e órgão federa indigenista, assistidas por representantes do Ministério Público Federal.
II - elaboração de estudos antropológicos e avaliação de impactos ambientais, analisando as interferências do aproveitamento nas terras e comunidades indígenas.

Art. 88º. Qualquer ação que intervenha com as comunidades indígenas deverá considerar, desde a etapa do planejamento, as características etno-ecológicas da região, as necessidades culturais e de sobrevivência das populações indígenas.

§ 1º. É obrigatória a elaboração de avaliação ambiental em todo e qualquer empreendimento a ser implantado em terra indígena, independentemente de seu porte ou potência. Este instrumento compreenderá a descrição das características do empreendimento e a avaliação de suas interferências com a terra e a população indígena afetada, assim como as medidas mitigadoras e compensatórias.

§ 2º. As ações mencionadas no caput e os estudos de que trata o parágrafo anterior deverão:

I - respeitar os territórios considerados culturalmente sagrados, evitando-se as intervenções que afetem estes territórios;
II - preservar, respeitar e resgatar a memória das sociedades indígenas, existentes e pretéritas, de acordo com a Constituição, a legislação específica e as tradições de cada etnia;
III - respeitar o desenvolvimento cultural de cada comunidade indígena, de acordo com seus padrões étnicos.

Art. 89º. Os impactos causados pela implantação do empreendimento deverão ser compensados ou mitigados pelo empreendedor visando a manutenção da reprodução e o desenvolvimento do grupo étnico contemplando especificamente:

I - a indenização de terras e benfeitorias;
II - os prejuízos ecológicos na terra indígena;
III - os danos à saúde e risco para a população.

Parágrafo único. Os impactos passíveis de mitigação e compensação, referentes a qualidade e risco de vida para a população, deverão ser monitorados durante a operação do empreendimento. A responsabilidade pela manutenção dos programas de monitoramento deverá estar definida após a realização dos estudos ambientais e antropológicos.

CAPÍTULO IV
Da Exploração Florestal Madeireira

Art. 90º. O aproveitamento dos recursos naturais florestais para exploração madeireira em terras indígenas somente poderá ser realizado através do manejo florestal em regime de rendimento sustentado, por empreendimentos implementados por comunidades indígenas, nas respectivas áreas que ocupam, ou por suas organizações, desde que atendidas as seguintes condições:

I - estar a terra indígena com os limites oficialmente declarados e livre de turbação;
II - realização de prévio zoneamento ecológico integral da terra indígena, especificando a parte a ser explorada, a fim de garantir a preservação dos recursos naturais necessários ao seu bem estar e à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições;
III - elaboração e fiel cumprimento de um plano de manejo que contemple a conservação dos recursos naturais e inclua a caracterização da estrutura e do sítio florestal, o levantamento dos recursos existentes, o estoque remanescente do recurso de forma a garantir a produção sustentada e a definição de sistemas silviculturais adequados e de técnica de exploração que minimizem os danos sobre a floresta residual;
IV - apresentação do sistema de exploração ou plano de aproveitamento florestal com micro-zoneamento da área de exploração contendo inventário total a 100 % (cem por cento), número e localização das árvores, estimativa exata de volume, configuração do terreno, natureza do solo, planimetria, planificação de vias de acesso, detalhamento da infra-estrutura e operações de corte que comporão o plano de aproveitamento;
V - aprovação do zoneamento, do plano de manejo e do plano de exploração de que tratam os incisos II, III e IV, respectivamente, por comissão formada por representantes e constituída em ato conjunto dos órgãos federais indigenista e de proteção ambiental;
VI - anotação de responsabilidade técnica junto ao Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do responsável pela elaboração e execução do plano de manejo e do plano de aproveitamento;
VII - apresentação do laudo antropológico especificando as implicações sócio-econômicas e culturais para as comunidades envolvidas e as medidas para seu monitoramento e redução ou afastamento de efeitos negativos;
VIII - fiscalização regular e periódica da execução do plano de manejo por ação conjunta dos órgãos federais indigenista e de proteção ambiental;
IX - utilização dos recursos obtidos na comercialização dos produtos florestais explorados em projetos de interesse de toda a comunidade indígena ocupante da área.

§ 1º. As atividades de que trata este artigo não comprometerão a existência e utilização futura dos recursos naturais, bem como as demais atividades produtivas desenvolvidas pelas comunidades indígenas.

§ 2º. O zoneamento previsto no inciso II deverá conter informações sobre a estratificação vegetal, hidrografia, banhados, solo, topografia, rede viária, área a ser manejada, localização das unidades amostrais e outras informações científicas pertinentes.

§ 3º. O plano de manejo previsto no inciso III especificará os objetivos e justificativas sociais, técnicas e econômicas do manejo florestal, caracterização do meio físico, biológico e sócio-econômico, inventário florestal com indicação das parcelas, estudo de regeneração, índice de biodiversidade e modelo de monitoramento, avaliação e análise dos tratamentos silviculturais aplicados.

§ 4º. O descumprimento do plano de manejo e do plano de exploração previstos nos incisos III e IV implicará a imediata interdição do empreendimento, por ato administrativo ou judicial, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal pelos danos eventualmente causados.

§ 5º. Os órgãos públicos e seus dirigentes, responsáveis pela fiscalização de que trata o inciso VIII, responderão cível e criminalmente em caso de omissão.

§ 6º. Os representantes de organizações ou comunidades indígenas responsáveis pelos empreendimentos previstos neste artigo responderão pelo cumprimento do disposto no inciso IX e deverão ressarcir a comunidade indígena em caso de danos ou prejuízos deles decorrentes.

§ 7º. Não se aplica o previsto neste artigo à utilização de madeira para consumo próprio ou subsistência das comunidades.

Art. 91º. O aproveitamento comercial de florestas plantadas, não vinculadas à reposição florestal, em áreas indígenas, estará sujeito aos procedimentos estabelecidos pelo órgão federal de proteção ambiental para todo o território nacional.

Art. 92º. A comercialização de madeira desvitalizada existente em áreas indígenas, estará condicionada a perícia técnica efetuada pelos órgãos federais indigenista e de proteção ambiental, que atestarão que sua desvitalização não foi intencional.

§ 1º. Comprovada em perícia, atos intencionais que resultem na desvitalização da madeira, esta deverá ser leiloada em hasta pública, sendo os recursos revertidos aos cofres públicos.

§ 2º. Nos casos em que não se aplicar o disposto no parágrafo anterior, a comercialização da madeira desvitalizada sujeitar-se-á aos procedimentos estabelecidos pelo órgão federal de proteção ambiental.

§ 3º. Os recursos provenientes do aproveitamento da madeira desvitalizada, deverão ser revertidos em benefício de toda a comunidade, através de um plano de aplicação.

§ 4º. O plano de aplicação a que se refere o parágrafo anterior, deverá ser acompanhado pelo órgão federal indigenista.

CAPÍTULO V
Da proteção ambiental

Art. 93º. A União promoverá, dentre outras, as ações de fiscalização e as necessárias à manutenção do equilíbrio ecológico das terras indígenas e de seu entorno, mediante:

I - a realização de diagnóstico sócio-ambiental, para conhecimento da situação, como base para as intervenções necessárias;
II - a recuperação das terras que tenham sofrido processos de degradação dos seus recursos naturais;
III - o controle ambiental das atividades potencial ou efetivamente modificadoras do meio ambiente, mesmo daquelas desenvolvidas fora dos limites das terras indígenas que afetam;
IV - a educação ambiental, envolvendo a comunidade indígena e a sociedade regional na proteção ambiental das terras indígenas e de seu entorno;
V - a identificação e difusão de tecnologias, indígenas e não-indígenas, consideradas apropriadas do ponto de vista ambiental e antropológico.

Art. 94º. Aplicam-se às terras indígenas, no que couber, a legislação de proteção ao meio ambiente.

Art. 95º. Qualquer agente, público ou privado, que pretenda desenvolver atividades potencialmente ou efetivamente modificadoras do meio ambiente nas terras indígenas, estará obrigado a:

I - apresentar relatório de impacto ambiental, qualquer que seja o porte do empreendimento;
II - formalizar contrato, anterior ao início de qualquer atividade, onde se estabeleça a forma de compensação às comunidade indígenas afetadas;
III - executar medidas de recuperação do meio ambiente degradado.

Art. 96º. A elaboração de projetos será feita com a comunidade envolvida, respeitando-se sua organização social, seus costumes, crenças e tradições.

Art. 97º. Os atos não autorizados que provoquem danos de qualquer natureza às terras indígenas e a seus recursos, sujeitarão o agente responsável à obrigação de recuperar o dano, sem prejuízo de outras compensações e sanções cabíveis.

Art. 98º. O estabelecimento de áreas destinadas à preservação ambiental em terras indígenas não deverá prejudicar o livre trânsito dos índios em suas terras.

Art. 99º. O acesso e a utilização, por terceiros, de recursos biogenéticos existentes nas terras indígenas, respeitará o direito de usufruto exclusivo das comunidades indígenas, e dependerá de prévia autorização das mesmas, bem como de prévia comunicação ao órgão federal indigenista.

Art. 100º. Poderão ser estabelecidas áreas destinadas à conservação ambiental localizadas em terras indígenas, por iniciativa das comunidades indígenas que as ocupam ou pelo poder público, assegurada a anuência da comunidade interessada.

Parágrafo único – O estabelecimento dessas áreas previstas no caput poderá ser viabilizado mediante a formulação de programas visando a auto-sustentação econômica das comunidades indígenas.

TÍTULO VI
Da assistência especial

CAPÍTULO I
Das disposições gerais

Art. 101º. É assegurado aos índios e às comunidades indígenas assistência especial nas ações de saúde, educação, e de fomento às atividades produtivas, em observância ao reconhecimento das comunidades indígenas como grupos etnicamente diferenciados.

Parágrafo único. A assistência especial de que trata o caput deste artigo não exclui o acesso dos índios e das comunidades indígenas aos meios de assistência assegurados aos demais brasileiros.

Art. 102º. Para os fins previstos neste título, serão promovidos entendimentos, sob a coordenação do órgão indigenista federal, com as instituições governamentais ou privadas, com ou sem fins lucrativos, cujo envolvimento se faça necessário, a fim de assegurar o suporte técnico, científico e operacional indispensável à eficiência das ações.

Art. 103º. As ações de assistência aos índios relativas à saúde, educação e apoio às atividades produtivas dar-se-ão de forma a se integrarem entre si e com as de proteção ambiental e defesa das terras indígenas.

CAPÍTULO II
Da saúde

Art. 104º. As ações e serviços de saúde voltadas para o atendimento das comunidades indígenas, em todo o território nacional, coletiva ou individualmente, obedecerão ao disposto na Lei nº 9.836, de 23 de setembro de 1999 e neste Estatuto.

CAPÍTULO III
Da educação

Art. 105º. A educação escolar destinada às comunidades indígenas será desenvolvida de acordo com o estabelecido nos arts. 78 e 79 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e terá como princípios:

I - a garantia aos índios de acesso aos conhecimentos valorizados e socializados no contexto nacional, de modo a assegurar-lhes a defesa de seus interesses e a participação na vida nacional em igualdade de condições, enquanto grupos etnicamente diferenciados;
II - o respeito aos processos educativos e de transmissão do conhecimento das comunidades indígenas.
III - a pluralidade de idéias e concepções pedagógicas;
IV - a autonomia das escolas indígenas, no que se refere ao projeto pedagógico e à gestão administrativa.

Art. 106º. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidade indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

Art. 107º. Os sistemas de ensino articular-se-ão para assegurar que as escolas situadas em áreas indígenas ou em suas proximidades, vinculadas a qualquer dos sistemas, observem as características especiais da educação nas comunidades indígenas estabelecidas nos artigos anteriores, inclusive quanto à formação permanente dos professores indígenas, por meio de atualização e acompanhamento regular do processo de educação escolar.

Parágrafo único. Na formação de professores para atuarem nas escolas das comunidades indígenas será dada prioridade ao índio.

Art. 108º. Os programas previstos no § 2º do art. 79 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, deverão ser incluídos nos Planos Nacionais de Educação, com recursos específicos das agências de cultura e do órgão federal indigenista, além das dotações ordinárias da educação, e terão ainda os seguintes objetivos:

I - valorizar a organização social das comunidades indígenas, seus costumes, línguas, crenças e tradições;
II - desenvolver metodologias específicas do processo de ensino-aprendizagem da educação escolar indígena, especialmente na aprendizagem de primeira e segunda línguas;
III - manter programas de formação de recursos humanos especializados, possibilitando a condução pedagógica da educação escolar pelas próprias comunidades indígenas;
IV - incluir os conteúdos científicos e culturais correspondentes a cada comunidade, buscando a valorização e o fortalecimento do conhecimento tradicional das comunidades indígenas.

CAPÍTULO IV
Das atividades produtivas

Art. 109º. Cabe à União, através do órgão federal indigenista, promover e coordenar as ações, programas e projetos voltados à produção indígena, respeitando as especificidades culturais ambientais, tecnológicas e sócio-econômicas de suas comunidades.

§ 1º. A interferência no processo de produção das populações indígenas dar-se-á somente quando sua sobrevivência econômica estiver comprometida ou atendendo-se aos interesses manifestos pelos índios, devendo ser fundamentada em diagnóstico sócio-econômico-ambiental.

§ 2º. Fica garantida a participação dos índios e das comunidades indígenas nas fases de elaboração, execução, avaliação e gerenciamento dos programas e projetos a serem desenvolvidos, visando alcançar a autogestão do seu processo produtivo.

Art. 110º. As ações, programas e projetos do artigo anterior terão como finalidade:

I - melhorar os níveis de nutrição das comunidades;
II - viabilizar, quando se fizer necessário, os meios de produção, beneficiamento, armazenagem, escoamento e comercialização da produção indígena.

Art. 111º. Nas ações, programas e projetos de que trata o art. 114, será incentivado o uso de tecnologias indígenas e de outras consideradas apropriadas do ponto de vista ambiental e antropológico, respeitada a premissa de não geração de dependência tecnológica.

TÍTULO VII
Das normas penais

CAPÍTULO I
Dos princípios

Art. 112º. Será respeitada a aplicação, pelas comunidades indígenas, de sanções de natureza coerciva ou disciplinar contra os seus membros, de acordo com suas instituições, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte, observado o disposto na Constituição Federal quanto ao respeito aos direitos e garantias fundamentais.

Art. 113º. Nos processos criminais contra índios, o juiz, ao proferir sentença, considerará o grau de consciência da ilicitude do ato praticado.

§ 1º. Condenado o índio por infração penal, na aplicação da pena o juiz considerará as peculiaridades culturais do réu para fins de atenuação da pena.

§ 2º. Atendido ao disposto no § 1º, e observadas as disposições da Lei de Execução Penal, as penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, na medida do possível, na localidade de funcionamento da unidade administrativa do órgão federal indigenista mais próximo ao domicílio do condenado.

CAPÍTULO II
Dos crimes contra os índios

Art. 114º. Matar membros de um mesmo grupo indígena, provocando o extermínio total ou parcial ou pondo em risco a existência do grupo:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Parágrafo único. Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de três a doze anos.

Art. 115º. Ofender a integridade corporal ou a saúde de membros de um mesmo grupo indígena, pondo em risco a existência do grupo:

Pena - reclusão, de três a doze anos.

§ 1º. Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de dois a oito anos.

§ 2º. Nas mesmas penas incorre aquele que:

I - submete ilicitamente o grupo a localização forçada ou a condições que ponham em risco sua existência;
II - adota medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo, para evitar sua preservação;
III - efetua a transferência ilícita de membros do grupo para qualquer outro.

Art. 116º. Proceder ilegalmente à remoção forçada de comunidade indígena de suas terras ou à assimilação forçada de usos, costumes e tradições de outra sociedade distinta:

Pena - reclusão de dois a oito anos.

Art. 117º. Utilizar o índio ou comunidade indígena, sem o seu consentimento expresso, com o objetivo de propaganda turística ou de exibição para fins promocionais ou lucrativos:

Pena - detenção de um a três meses e multa.

§ 1º. Se o consentimento é extraído por meio ardiloso ou fraudulento, a pena será agravada de dois terços.

§ 2º. Se da utilização resultar dano moral:

Pena - detenção de quatro a oito meses e multa.

Art. 118º. Fazer uso comercial ou industrial de recursos genéticos ou biológicos existentes nas terras indígenas, para o desenvolvimento de processos ou produtos biotecnológicos, sem o prévio consentimento, por escrito, da comunidade indígena que tenha a sua posse permanente.

Pena - multa.

Art. 119º. Apropriar-se ou fazer uso, comercial ou industrial, de conhecimentos tradicionais indígenas, patenteáveis ou não, sem o prévio consentimento, por escrito, da comunidade indígena que tenha a sua posse permanente.

Pena - multa.

Art. 120º. Proporcionar, mediante fraude ou ardil, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas entre membros da comunidade indígena:

Pena - detenção de seis meses a dois anos e multa.

Art. 121º. Escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradições culturais indígenas, vilipendiá-los ou perturbar, de qualquer modo, a sua prática:

Pena - detenção de dois a seis meses e multa.

Art. 122º. Ingressar, sem a devida autorização, em terras indígenas cujos limites tenham sido declarados:

Pena - detenção, de seis meses a um ano e multa.

Art. 123º. As penas estatuídas neste Capítulo serão agravadas de um terço, quando o crime for praticado por servidor do órgão federal indigenista.

TÍTULO VIII
Das disposições finais e transitórias

Art. 124º. Serão executadas, preferencialmente por forma suasória, as medidas de polícia que eventualmente tiverem de ser aplicadas em relação às comunidades indígenas.

Art. 125º. A União promoverá medidas visando a proteção, a preservação e a difusão dos acervos documentais referentes aos índios e à política indigenista brasileira, bem como facultará o acesso às informações neles contidas.

Art. 126º. À União, aos Estados e aos Municípios cabe adotar medidas de caráter educativo, que visem despertar o interesse coletivo para a realidade indígena.

Art. 127º. A União, por meio do órgão federal indigenista, promoverá junto às comunidades indígenas a divulgação de seus direitos e obrigações, em especial o disposto nesta Lei, utilizando-se de todos os meios, inclusive de tradução escrita em línguas indígenas.

Art. 128º. A União promoverá pesquisa científica sobre os índios e suas comunidades, em todos os campos do conhecimento, especialmente o inventário e registro do saber, tecnologias e obras indígenas, de modo a garantir suporte técnico-científico à política e à ação indigenista.

Art. 129º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 130º. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente o inciso III e o parágrafo único, do art. 6º da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, o inciso II e o parágrafo único do art. 1º, e o art. 3º, todos da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, e a Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973.

Sala da Comissão, em 29 de junho de 1994.

Deputado Domingos Juvenil
Presidente


Fonte: Funai – Fundação Nacional do Índio
ISA – Instituto Socioambiental
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
Radiobras
Enciclopédia SAGA, A Grande História do Brasil, editora Abril Cultural
Pick-upau – 2004 – São Paulo – Brasil

 
 
 
 

 

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