|
Projeto
de lei do Estatuto das Sociedades Indígenas
(Proposta para discussão)
|
|
|
Lei regula os direitos coletivos especiais
reconhecidos aos índios e às suas organizações
sociais e as responsabilidades dos poderes públicos
na sua proteção.
ESTATUTO
DAS SOCIEDADES INDÍGENAS (PROPOSTA PARA DISCUSSÃO)
PROJETO DE LEI Nº
Aprova o Estatuto das Sociedades Indígenas
CAPÍTULO
I - DEFINIÇÕES E DISPOSIÇÕES
GERAIS
Art. 1º. Esta lei regula os direitos
coletivos especiais reconhecidos aos índios e às
suas organizações sociais e as responsabilidades
dos poderes públicos na sua proteção.
Art. 2º. Sociedades indígenas
são coletividades que se distinguem no conjunto da
sociedade nacional por reconhecerem seus vínculos
históricos com populações ameríndias
antecessoras ao processo de colonização.
§ 1º. As sociedades indígenas se compõem
de uma ou mais comunidades, organizadas em aldeias ou agrupamentos
familiares específicos.
§ 2º. Índio é o indivíduo
que se reconhece como integrante de sociedade ou comunidade
indígena específica, sendo também por
ela reconhecido como tal.
Art. 3º. Os índios gozam
dos direitos individuais atribuídos aos cidadãos
brasileiros, sendo-lhes reconhecida a plena capacidade civil,
observadas as disposições específicas
desta lei.
Art. 4º. Sociedades e comunidades
indígenas têm personalidade jurídica
própria, de direito coletivo.
Parágrafo único. Aplicam-se às sociedades
e comunidades indígenas, no que couber, as prerrogativas
das pessoas jurídicas de direito público interno.
Art. 5º. Os índios, suas
comunidades e organizações são partes
legítimas para ingressar em juízo em defesa
dos seus direitos e interesses, intervindo o Ministério
Público Federal em todos os atos do processo.
§ 1º. Os índios, suas comunidades e organizações
gozarão das mesmas vantagens asseguradas por lei
à União, quanto aos prazos processuais, custas
judiciais e impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços.
§ 2º. Nenhuma medida judicial será concedida
liminarmente nas causas em que as comunidades figurem no
polo passivo da relacão processual, sem a sua prévia
audiência e do Ministério Público Federal.
§ 3º. Ficam os índios, suas comunidades
e organizações sub-rogados nos direitos de
propor ações reivindicatórias para
reaver as terras das quais tenham sido subtraídos
na posse.
Art. 6º. Fica assegurado aos índios,
suas comunidades e sociedades, o direito de livre organização.
Art. 7º. As relações
internas às sociedades e comunidades indígenas
serão reguladas segundo os seus usos, costumes e
tradições.
Parágrafo único. A União poderá
intervir, preferencialmente de forma suasória, nas
situações de conflito internas ou entre sociedades
ou comunidades indígenas, quando implicarem em ameaça
à sua integridade física ou cultural.
Art. 8º. A União assegurará
a proteção aos bens e direitos das sociedades
e comunidades indígenas, e promoverá a execução
de serviços e de programas nacionais, regionais e
locais, que propiciem a manifestação das suas
formas de expressão e a manutenção
dos seus padrões de bem estar.
§ 1º. Para o cumprimento do disposto nesta lei,
e resguardadas as suas competências específicas,
a União poderá realizar parcerias com os Estados,
os Municípios e a sociedade civil.
§ 2º. Os programas e atividades desenvolvidas
ou fomentadas pelo poder público, relativas às
sociedades indígenas e às suas terras, respeitarão
as suas especificidades culturais e ambientais, e serão
objeto de prévia consulta aos interessados.
§ 3º. Será assegurada a representação
de sociedades indígenas nas instâncias interinstitucionais
responsáveis pela definição e coordenação
das políticas públicas afetas aos seus direitos
e interesses.
§ 4º. A União manterá serviços
gratuitos de registro civil e de assistência jurídica
para índios.
Art. 9º. A União exercerá
a proteção especial das sociedades indígenas
que ainda não mantém relações
de contato regulares com a sociedade nacional.
Parágrafo único. A cessação
da proteção especial da União sobre
sociedade indígena ocorrerá quando esta estabelecer
relações regulares de contato com a sociedade
nacional.
Art. 10. Os documentos oficiais adotarão,
sempre que possível, as auto-denominações
das sociedades indígenas.
Art. 11. O Ministério Público
Federal promoverá a defesa judicial dos direitos
e interesses das sociedades e comunidades indígenas,
e poderá representar junto à autoridade pública
competente para informar a ocorrência de conflitos
e sugerir providências.
Art. 12. A Justiça Federal processará
e julgará os conflitos relativos a direitos e interesses
das sociedades e comunidades indígenas, bem como
os crimes conexos que envolvam pessoas indígenas.
CAPÍTULO
II- DIFERENÇAS E RELACIONAMENTOS INTERCULTURAIS
Art. 13. Os índios, sociedades
e comunidades indígenas têm o direito ao uso
de suas próprias línguas e à prática
das suas próprias crenças, costumes e manifestações
culturais.
§ 1º. Os índios, sociedades e comunidades
indígenas têm o direito de reserva ou segredo,
a seu critério, em relação ao acesso
de terceiros aos seus conhecimentos e práticas culturais
tradicionais.
§ 2º. Os índios podem utilizar as suas
indumentárias, trajes e pinturas tradicionais, inclusive
para ingresso ou permanência em quaisquer dependências
públicas, mesmo nas sedes dos poderes e órgãos
da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Seção I - Dos Direitos
Autorais e Propriedade Intelectual
Art. 14. São reconhecidas às
sociedades indígenas os direitos autorais sobre todas
as suas obras, invenções e manifestações
culturais coletivas.
§ 1º. Os direitos autorais coletivos indígenas
são imprescritíveis.
§ 2º O uso por terceiros, para fins comerciais,
de obras, invenções ou manifestações
culturais coletivas de sociedade indígena específica,
dependerá de contrato prévio com a mesma e
exigirá remuneração, na forma da lei.
§ 3º. Sempre que terceiros fizerem uso comercial
de obras, invenções ou manifestações
culturais coletivas indígenas, praticadas por várias
sociedades ou que não tenham autoria definida, a
remuneração decorrente reverterá para
um fundo nacional de apoio a projetos culturais indígenas.
§ 4º. As normas e procedimentos complementares
necessários à aplicação do disposto
neste artigo, bem como a instituição do fundo
de que trata o parágrafo anterior, serão objeto
de regulamentação por decreto presidencial.
Art. 15. São reconhecidos às
sociedades indígenas os direitos coletivos intelectuais
sobre os seus conhecimentos tradicionais e aos processos
e produtos deles decorrentes.
Parágrafo único. Aplica-se aos direitos coletivos
intelectuais das sociedades indígenas o disposto
no Art. 14.
Art. 16. Aos direitos autorais, de invenção
e de propriedade intelectual de pessoas indígenas,
aplicam-se as normas legais vigentes, devendo o Poder Público
facilitar o seu acesso às informações
e serviços pertinentes.
Art. 17. O Poder Público e as
instituições especializadas promoverão
a pesquisa científica e acadêmica sobre as
sociedades indígenas, através de procedimentos
éticos, ficando assegurado o respeito aos direitos
de reserva e de acesso aos resultados para a sociedade indígena
objeto da pesquisa.
Parágrafo único. Os trabalhos de pesquisa
em terra indígena dependerão de autorização
da comunidade ou sociedade indígena.
Art. 18. A União exercerá
o poder de polícia em relação ao uso
indevido dos bens e direitos culturais das sociedades indígenas,
bem como aos atos que ofendam, violentem ou imponham perdas
ou mudanças indesejadas aos seus conhecimentos, línguas,
crenças, costumes e tradições, podendo
aplicar multas, realizar apreensões, proibir previamente
os usos e atos referidos, entre outras sanções.
§ 1º. Os recursos arrecadados no exercício
do poder de polícia de que trata este artigo, reverterão
para o fundo referido no § 3º do artigo 14.
§ 2º. Decreto presidencial regulamentará
o disposto neste artigo.
Seção II - Da Educação
Art. 19. O Sistema Nacional de Educação
proverá a formação escolar gratuita
aos índios, comunidades e sociedades indígenas
interessados.
§ 1º. As instâncias administrativas competentes
poderão adotar políticas compensatórias
para facilitar o acesso de índios à escolarização.
§ 2º. As instâncias administrativas competentes
poderão reconhecer a adoção de currículos
específicos, que contemplem as características
culturais da sociedade indígena, por escolas ou programas
especializados.
Art. 20. As autoridades competentes,
no âmbito do Sistema Nacional de Educação,
incumbir-se-ão de inserir nos livros didáticos
informações qualificadas e contemporâneas
sobre as sociedades indígenas, e promoverão
o conhecimento sobre as mesmas.
Art. 21. A União instituirá
programas nacionais para:
I - incentivo ao intercâmbio cultural interétnico;
II - incentivo à pesquisa científica e acadêmica
sobre sociedades indígenas;
III - educação escolar indígena;
IV - formação de professores indígenas;
V - capacitação técnica e profissional
de índios.
Parágrafo único. Os programas nacionais a
que se refere o caput serão instituídos por
decreto presidencial.
CAPÍTULO III -
SAÚDE E CONDIÇÕES SANITÁRIAS
Art. 22. É reconhecida a legitimidade
da utilização dos conhecimentos e práticas
medicinais tradicionais nas sociedades indígenas,
sem prejuízo das obrigações do Poder
Público no provimento das condições
de saúde asseguradas em lei.
Art. 23. Os terceiros que forem ingressar
ou permanecer em terra indígena, deverão se
informar previamente sobre as condições de
saúde locais e providenciar a sua vacinação,
quando necessária.
Parágrafo único. Havendo risco ou ocorrência
de epidemia em terra indígena, a autoridade pública
competente exercerá controles e fixará condições
para o ingresso e a permanência de terceiros.
Art. 24. É exigida a prévia
definição de responsabilidade médica
para a realização de serviços de saúde
junto a comunidades ou sociedades indígenas.
Art. 25. Aplicam-se às terras
indígenas as disposições gerais de
proteção ao meio ambiente, especialmente quanto
à conservação das águas, áreas
de mananciais e matas ciliares.
Art. 26. A União empreenderá
ação emergencial para o atendimento de comunidade
indígena que venha a ser afetada por catástrofe
natural, epidemia, fome, ou agressão à sua
integridade física ou às suas condições
ambientais.
Parágrafo único. Quando a referida ação
implicar na introdução de alimentos estranhos
aos hábitos alimentares da comunidade indígena
afetada, a autoridade competente deve se certificar da qualidade
dos mesmos e prevenir o seu impacto.
Art. 27. A União instituirá,
através de decreto presidencial, programas nacionais
com os seguintes objetivos:
I - prevenção de doenças e epidemias
nas comunidades indígenas, especialmente vacinação,
provimento de água e tratamento de lixo e outros
dejetos;
II - assistência médica e hospitalar à
população indígena, no âmbito
do Sistema Unificado de Saúde;
III - formação de agentes indígenas
de saúde.
CAPÍTULO IV - TERRAS INDÍGENAS
Art. 28. As terras indígenas se
incluem entre os bens da União, são inalienáveis,
indisponíveis e destinadas à posse permanente
dos índios que as ocupam, e os seus direitos sobre
elas são originários e imprescritíveis.
Art. 29. São terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para as suas atividades produtivas,
as imprescindíveis à preservação
dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar
e as necessárias à sua reprodução
física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições.
Art. 30. Para os fins de proteção
previstos nesta lei, são consideradas terras indígenas
as tradicionalmente ocupadas, as destinadas por atos oficiais
à sua ocupação e, no que couber, as
de domínio próprio legalmente adquiridas por
comunidades indígenas.
§ 1º. A eficácia jurídica dos direitos
territoriais indígenas independe da existência
ou conclusão de processo administrativo de demarcação.
§ 2º. São nulos os atos que prejudiquem
direitos territoriais indígenas, ressalvadas as exceções
previstas na Constituição Federal.
Art. 31. A União promoverá
o reconhecimento e a demarcação administrativa
das terras indígenas através dos seguintes
procedimentos:
I - identificação da terra indígena
e formulação de proposta para a sua delimitação;
II - declaração administrativa dos limites
da terra indígena;
III - demarcação física dos limites
declarados
IV - homologação da demarcação
administrativa;
V - registro oficial da terra indígena.
§ 1º. A proposta de delimitação
se fundamentará em laudo antropológico e em
relatório oficial específicos, que informarão
sobre as referências de limites manifestas pela comunidade
indígena local e sobre eventuais ocupações
ou pretensões de terceiros conhecidas sobre a área
em questão, e será publicada na imprensa oficial
com o respectivo mapa e memorial descritivo.
§ 2º. A declaração de limites se
fará através de ato ministerial, assegurada
a prévia manifestação de eventuais
terceiros interessados, através de procedimentos
e prazos que assegurem o andamento do processo.
§ 3º. A demarcação física
se fará a partir da materialização
dos pontos geodésicos que definem o perímetro
delimitado, através das obras de engenharia ou de
sinalização mais apropriadas em cada caso,
segundo o disposto em norma técnica oficial.
§ 4º. A homologação da demarcação
administrativa será efetivada através de decreto
presidencial, que nominará a terra e as sociedades
ou comunidades indígenas locais, e informará
a sua extensão, o seu perímetro e as referências
geográficas dos limites demarcados.
§ 5º. A União procederá ao registro
administrativo da terra homologada, e encaminhará
o seu registro junto ao cartório da respectiva comarca,
que deverá efetivá-lo de imediato.
§ 6º. Os prazos e procedimentos necessários
ao cumprimento do disposto neste artigo, serão estabelecidos
através de decreto presidencial, assegurada a continuidade
das demarcações em curso.
Art. 32. A União promoverá,
sempre que necessárias, a desintrusão e a
regularização fundiária das terras
indígenas em procedimento de demarcação,
assegurando aos terceiros ocupantes de boa fé a indenização
por benfeitorias realizadas e o reassentamento, quando for
o caso, sem prejuízo da conclusão do processo.
Parágrafo único. Não se aplica o direito
de retenção a terceiros ocupantes de terra
indígena.
Art. 33. A comunidade indígena
interessada será oficialmente informada e consultada
em todas as etapas do procedimento de demarcação
da sua terra, receberá cópias oficiais dos
documentos de registro e poderá, sem prejuízo
das responsabilidades legais da União:
I - requerer, sem ônus, cópias de documentos
que integram o procedimento de demarcação;
II - apresentar proposta de delimitação, projeto
de demarcação física, de desintrusão,
de regularização fundiária, ou de vigilância
e proteção de terra indígena, junto
à instância administrativa competente;
III - executar, participar da execução ou
fiscalizar os trabalhos de demarcação física,
com base nos limites declarados;
IV - representar junto às instâncias administrativas
competentes, ou ao Ministério Público Federal,
em qualquer etapa do processo.
Art. 34. O ingresso e a permanência
de terceiros em terra indígena dependerá de
autorização da comunidade local.
Parágrafo único. Em terra indígena
ocupada por índios que não mantém relações
de contato regulares com a sociedade nacional, o ingresso
de terceiros será restrito e dependerá de
autorização da autoridade federal competente.
Art. 35. É vedada a remoção
de índios ou comunidades indígenas das terras
que ocupam, ressalvadas as hipóteses previstas na
Constituição Federal.
Parágrafo único. O disposto no caput se aplica
à remoção forçada de aldeias
dentro de terra indígena.
Art. 36. A União exercerá
o poder de polícia para a proteção
dos direitos territoriais indígenas e das condições
ambientais das suas terras, devendo, sem prejuízo
de outras medidas cabíveis:
I - restringir o acesso e o uso por terceiros de áreas
com ocorrência provável ou confirmada de índios
que não mantém relações de contato
regulares com a sociedade nacional;
II - fiscalizar os limites e acessos às terras indígenas;
III - promover a retirada de terceiros que se encontrem
em terra indígena, quando caracterizado o seu envolvimento
em atos ilegais, ou que ponham em risco a integridade física
ou cultural da comunidade local, dos seus bens ou das suas
condições ambientais;
IV - prender, em flagrante delito ou mediante mandado judicial,
terceiros que invadirem terra indígena ou nela praticarem
crimes contra pessoas e bens indígenas;
V - aplicar multas a terceiros que invadirem terra indígena
ou explorarem ilegalmente recursos naturais nela existentes;
VI - promover a apreensão e o leilão em hasta
pública, de equipamentos utilizados para invadir
terra indígena ou explorar ilegalmente recursos naturais
nela existentes.
§ 1º. O exercício do poder de polícia
dentro de terra indígena respeitará os direitos
da comunidade local e recorrerá a técnicas
suasórias quando houver risco de conflito que a envolva.
§ 2º. Os recursos auferidos através do
exercício do poder de polícia na proteção
das terras indígenas e das suas condições
ambientais, constituirão um fundo de fomento a projetos
de comunidades indígenas.
§ 3º. Decreto presidencial estabelecerá
os procedimentos necessários à aplicação
do disposto neste artigo.
Art. 37. A União instituirá,
através de decreto presidencial, programas nacionais
para:
I - proteção das sociedades indígenas
arredias e isoladas e das suas terras;
II - identificação, demarcação
e regularização das terras indígenas;
III - proteção e fiscalização
das terras indígenas.
CAPÍTULO
V- USUFRUTO EXCLUSIVO
Art. 38. O direito de usufruto exclusivo
das comunidades indígenas se aplica a todos os recursos
naturais do solo, dos rios e dos lagos existentes em suas
terras, incluídos os seus agregados, acessórios
e atributos genéticos.
Parágrafo único. O direito de usufruto exclusivo
se estende a todos os rendimentos e demais benefícios
auferidos por comunidade indígena afetada por empreendimentos,
autorizados pelo Congresso Nacional, para o aproveitamento
de recursos hídricos, de potenciais energéticos,
ou para a pesquisa e lavra de recursos minerais em suas
terras.
Art. 39. O acesso e o uso por terceiros, a qualquer título,
de bens destinados ao usufruto exclusivo indígena,
dependerá de autorização da comunidade
indígena a que pertencem, e estarão sujeitos
às demais condições previstas nesta
lei.
Art. 40. As atividades econômicas
diretamente realizadas por comunidade indígena em
suas terras serão reguladas pelos seus usos, costumes
e tradições.
Art. 41. As atividades de exploração
de recursos naturais com objetivos de mercado, empreendidas
por comunidade indígena no exercício do seu
direito de usufruto exclusivo, estarão sujeitas aos
processos de autorização e de controle, nos
casos previstos em lei.
§ 1º. Os projetos de exploração
de recursos naturais em questão deverão respeitar:
I - as demais finalidades constitucionais da terra indígena;
II - a preservação das condições
ambientais e sanitárias locais;
III - a prevenção, mitigação
e monitoramento de eventuais impactos sócio-culturais;
IV - o benefício econômico, ainda que na forma
de projetos sociais, a toda comunidade detentora de direitos
sobre os recursos explorados.
§ 2º. A exploração, de madeiras
ou de outros produtos florestais, que implique em desvitalização
arbórea em florestas naturais situadas em terras
indígenas, dependerá de plano de manejo sustentável
que assegure a disponibilidade futura das espécies
exploradas.
§ 3º. Prescindem de autorização
específica do Congresso Nacional as atividades de
cata, faiscação e garimpagem de minérios
superficiais ou de aluvião existentes em terra indígena,
quando realizadas pela comunidade indígena local.
§ 4º.Quando for o caso, serão estabelecidos
através de decreto presidencial, procedimentos administrativos
específicos e aplicáveis a projetos de comunidades
indígenas que visem a exploração comercial
de recursos naturais destinados ao seu usufruto exclusivo,
não podendo a inexistência de norma ser alegada
em prejuízo do direito de usufruto.
Art. 42. A União apoiará
iniciativas de comunidade ou sociedade indígena que
visem a conservação e a recuperação
de recursos naturais existentes nas suas terras.
§ 1º. Aplicam-se às terras indígenas
as normas legais de proteção ao entorno das
unidades de conservação ambiental.
§ 2º. As comunidades indígenas poderão
requerer à autoridade federal competente a instituição
de reservas de recursos naturais em áreas situadas
em suas terras, asseguradas as demais finalidades constitucionais
das mesmas.
§ 3º. Se a área proposta for ecologicamente
relevante, a autoridade federal competente providenciará
a criação da reserva indígena de recursos
naturais, passando a mesma a integrar o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação.
§ 4º. A reserva indígena de recursos naturais
será criada através de decreto presidencial,
que poderá ser reeditado para ajustes nos limites
originais da mesma nos cinco anos após a sua primeira
edição.
§ 5º. Em reserva indígena de recursos naturais,
não poderão ser realizadas quaisquer atividades
de exploração de recursos minerais ou de madeiras,
por índios ou terceiros.
§ 6º. O plano de manejo de reserva indígena
de recursos naturais será elaborado e executado com
a participação da comunidade local, e incluirá
componente compensatório às eventuais restrições
de usufruto a que ela se impuser.
Art. 43. É vedada a criação
de unidade de conservação ambiental incidente
em terra indígena, se a sua categoria de manejo for
incompatível com o exercício do direito de
usufruto exclusivo da comunidade indígena ou, em
qualquer hipótese, se for criada sem a sua prévia
concordância.
§ 1º. As áreas, sobrepostas a terras indígenas,
incluídas no perímetro de unidades de conservação
ambiental criada antes da promulgação desta
lei, serão desafetadas, reclassificadas quanto à
sua categoria de manejo, ou mantidas em caso de concordância
da comunidade indígena e de compatibilidade com os
seus direitos e estratégias de ocupação.
§ 2º. Se necessário ao cumprimento do disposto
no parágrafo anterior, fica o Poder Executivo autorizado
a revogar ou reeditar os atos de criação das
referidas unidades de conservação, mesmo contendo
alterações nos seus limites originais.
§ 3º. Às unidades de conservação
com incidência em terra indígena aplica-se,
no que couber, o disposto no artigo anterior.
Art. 44. São nulos os atos administrativos
ou negociais lesivos aos bens e direitos indígenas,
mesmo quando praticados com a participação
ou a aquiescência de índios.
Art. 45. São considerados lesivos
aos bens e direitos indígenas os atos que:
I - descaracterizem a posse indígena sobre a terra;
II - causem danos ambientais relevantes ou irreversíveis
em terra indígena;
III - impliquem em depreciação de bens indígenas;
IV - provoquem a desestruturação social ou
cultural de comunidade indígena;
V - tenham sido praticados mediante chantagem ou engodo.
§ 1º. O terceiro praticante de ato lesivo à
comunidade indígena tem por ele responsabilidade
civil e criminal.
§ 2º. O representante indígena que praticar
ou participar de ato lesivo à sua comunidade ou aos
seus bens, com consciência das suas implicações,
será por ele responsável.
Art. 46. A União instituirá,
através de decreto presidencial, programa e fundo
nacionais de fomento a projetos regionais ou comunitários
indígenas, que visem à produção
econômica e à conservação de
recursos naturais nas suas terras.
CAPÍTULO VI - RECURSOS
MINERAIS, HÍDRICOS E ENERGÉTICOS.
Art. 47. O aproveitamento de recursos
hídricos, incluídos os potenciais energéticos,
a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas,
só podem ser efetivados com autorização
do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas,
ficando-lhes assegurada participação nos resultados
da lavra.
§ 1º. É vedado o aproveitamento dos recursos
referidos no caput em terras ocupadas por índios
que não mantém relações de contato
regulares com a sociedade nacional.
§ 2º. Em qualquer hipótese, o aproveitamento
dos recursos referidos no caput respeitará as finalidades
constitucionais da terra indígena.
Art. 48. No interesse nacional, o Poder
Executivo poderá solicitar ao Congresso Nacional,
mediante exposição de motivos, autorização
para o aproveitamento de recursos hídricos, incluídos
os potenciais energéticos, e para a pesquisa e a
lavra de recursos minerais existentes em terras indígenas,
por empreendimentos públicos ou privados, nas condições
estabelecidas nesta lei e em outras disposições
pertinentes.
Parágrafo único. A referida exposição
de motivos será fundamentada em laudos antropológico,
geológico e ambiental, e conterá, em anexo,
o processo administrativo correspondente ao projeto ou empreendimento.
Art. 49. A autoridade federal competente
poderá declarar disponíveis, para os empreendimentos
referidos no artigo anterior, áreas situadas em terras
indígenas demarcadas, fixando em edital as condições
para a habilitação dos interessados.
§ 1º. No processo de seleção dos
interessados, será assegurada a capacidade técnica
e financeira do empreendedor, especialmente quanto às
implicações sociais e ambientais do projeto,
sendo vedada a seleção de interessado que
já tenha sido condenado por ato lesivo praticado
em terra indígena.
§ 2º. A concessão de direitos ao empreendedor
selecionado dependerá de autorização
do Congresso Nacional e da realização de contrato
com as comunidades indígenas afetadas.
§ 3º. A transferência de titularidade dos
direitos autorizados ao empreendedor pelo Congresso Nacional,
dependerá da demonstração de capacidade,
pelo adquirente, para cumprir o disposto nesta lei e os
compromissos decorrentes.
§ 4º. A presença do empreendedor selecionado
e dos seus prepostos na terra indígena estará
subordinada às normas de proteção previstas
nesta lei e nas demais disposições legais
pertinentes.
§ 5º. O empreendedor é responsável
por ato lesivo eventualmente praticado, inclusive por seus
prepostos, envolvendo direitos e bens da comunidade indígena
local e dos seus membros.
§ 6º. A União se responsabilizará
por eventual dano praticado na terra indígena, se
o empreendedor autorizado abandonar a área sem repará-lo,
devendo agir regressivamente contra o mesmo.
Art. 50. A autoridade federal competente
promoverá a audiência in loco às comunidades
indígenas a serem afetadas pelo empreendimento, e
dela participará o Ministério Público
Federal, que atestará a manifestação
de vontade das mesmas.
Parágrafo único. Da audiência também
poderão participar o empreendedor, assessores e convidados
das comunidades indígenas, e representantes do Congresso
Nacional, que deverá ser previamente informado.
Art. 51. A participação
das comunidades indígenas afetadas nos resultados
econômicos do empreendimento será fixada em
contrato, que deverá prever rendimento mínimo
e relação de proporcionalidade aos resultados,
além de mencionar a forma de pagamento e outros bens
ou serviços compensatórios eventualmente envolvidos.
§ 1º. Na fase de pesquisa que anteceder a execução
do empreendimento, as comunidades indígenas afetadas
serão remuneradas pelo uso do solo.
§ 2º. Os recursos auferidos pelas comunidades
indígenas afetadas são de sua propriedade
coletiva, e serão por elas administrados e aplicados
em projetos e iniciativas comunitárias.
Art. 52. O Congresso Nacional autorizará,
através de decreto legislativo, o aproveitamento
dos recursos hídricos, potenciais energéticos,
e a pesquisa e lavra de minérios em terras indígenas.
§ 1º. No processo legislativo, o Ministério
Público será convocado em audiência
pública, para relatar a manifestação
de vontade das comunidades indígenas afetadas, e
os representantes das comunidades indígenas serão
convidados, sem ônus, para dela participarem.
§ 2º. O decreto legislativo poderá fixar
procedimentos e condições específicas
para o exercício da autorização concedida.
§ 3º. O Congresso Nacional poderá revogar
a autorização concedida, e a autoridade administrativa
poderá suspendê-la, se houver quebra de contrato,
ocorrência de dano grave, ou descumprimento de norma
legal na execução do empreendimento.
Art. 53. As áreas inundáveis,
ou indisponíveis a longo prazo, em virtude de empreendimento
autorizado pelo Congresso Nacional para o aproveitamento
de recursos hídricos ou potenciais energéticos
em terras indígenas, serão compensadas em
extensão e qualidade através da incorporação
de áreas contíguas.
Art. 54. Não se aplica o direito
de prioridade ao acesso de terceiros à pesquisa mineral
em terra indígena.
§ 1º. Os requerimentos de pesquisa mineral, incidentes
em terras indígenas, serão considerados insubsistentes
pela autoridade federal competente.
§ 2º. O titular de autorização concedida
pelo Congresso Nacional terá prioridade, na forma
da lei, ao requerer o respectivo título de lavra.
§ 3º. Ficam anulados os títulos minerários,
incidentes em terras indígenas, que eventualmente
tenham sido concedidos a terceiros antes da promulgação
desta lei.
Art. 55. A União instituirá,
através de decreto presidencial, programa nacional
para o monitoramento e controle dos empreendimentos autorizados
pelo Congresso Nacional, que visem o aproveitamento de recursos
hídricos ou potenciais energéticos, ou a pesquisa
e a lavra de recursos minerais em terras indígenas.
Parágrafo único. O referido decreto regulamentará
os demais procedimentos administrativos necessários
à execução do disposto nos artigos
anteriores.
Art. 56. Aplica-se o disposto neste Capítulo,
no que couber, ao aproveitamento de petróleo ou gás
natural existentes em terras indígenas.
CAPÍTULO VII -
NORMAS PENAIS
Art. 57. Será respeitada a aplicação
de sanções coercitivas por comunidade indígena
contra os seus membros, de acordo com as suas tradições,
desde que não se revistam de caráter cruel
ou infamante e não impliquem em pena de morte.
Parágrafo único. A comunidade indígena
poderá optar pela solicitação de julgamento
judicial do seu membro faltoso.
Art. 58. Nos processos criminais contra
índios, o juiz ordenará a realização
de perícia antropológica a fim de determinar
o grau de consciência da ilicitude do ato praticado.
§ 1º. Não há crime se o índio
pratica ato sem consciência do seu caráter
delituoso, em virtude de diferença cultural.
§ 2º. São penalmente inimputáveis
os membros de sociedades indígenas que não
mantém relações de contato regulares
com a sociedade nacional.
Art. 59. Na aplicação de
pena a índio, o juiz considerará as suas peculiaridades
culturais, e adotará, sempre que possível,
o regime aberto.
Art. 60. Matar índios, provocando
o extermínio total ou parcial de comunidade indígena,
ou pondo em risco a sua existência:
Pena - reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena - detenção de 3 (três) a 12 (doze)
anos.
Art. 61. Ofender a integridade física
de índios, pondo em risco a sua comunidade:
Pena - reclusão de 3 (três) a 12 (doze) anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena - detenção de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
Art. 62. Provocar a remoção
forçada de índios ou comunidades indígenas
das suas terras:
Pena - reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena - detenção de 3 (três) a 12 (doze)
anos.
Art. 63. Promover a venda, a aquisição
ou a disseminação de bebida alcoólica
em comunidade indígena:
Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos, e multa de R$ 1.000,00 (hum mil reais).
Art. 64. Ingressar sem autorização
em terra indígena:
Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois)
anos, e multa de R$ 1.000,00 (hum mil reais).
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena - multa de R$ 500,00 (quinhentos reais).
Art. 65. Constitui crime de racismo,
inafiançável e imprescritível, o ato
de discriminação ou preconceito contra pessoas
em virtude da sua condição indígena,
sujeito às penas da lei.
Art. 66. Constitui crime de responsabilidade
a ação ou omissão de autoridade pública
competente em prejuízo de direitos ou bens das sociedades
indígenas, inclusive em relação à
demarcação das suas terras.
Art. 67. Estendem-se à autoridade
federal responsável pela proteção dos
bens das sociedades indígenas, as competências
atribuídas em lei às agências responsáveis
pelo combate aos crimes ambientais.
Art. 68. O juiz federal agravará
as penas nas condenações de terceiros por
apropriação indébita, ou roubo de quaisquer
bens patrimoniais, ou recursos naturais destinados ao usufruto
exclusivo de comunidade indígena, ficando o crime
sujeito a multa mínima correspondente ao dobro do
valor do bem agravado ou, quando maior, ao dobro do valor
de ganhos eventualmente auferidos, sem prejuízo das
demais penas de lei.
Art. 69. Constitui circunstância
agravante, em relação aos crimes previstos
neste capítulo, o fato de ser o agente funcionário
público.
CAPÍTULO VIII - DISPOSIÇÕES
FINAIS
Art. 70. Em até 90 (noventa) dias
após a promulgação desta lei, o Presidente
da República proporá ao Congresso Nacional
as bases legais dispondo sobre as competências dos
ministérios e demais agências e autoridades
públicas federais quanto à formulação,
coordenação ou execução de programas
nacionais, bem como ao exercício do poder de polícia,
atribuídos ao Poder Executivo da União.
§ 1º. Lei precisará os objetivos gerais
e os prazos para a formulação e instituição
dos programas nacionais, e disporá sobre a continuidade
dos projetos, serviços e atividades em curso na administração
pública federal, especialmente os relativos à
saúde indígena, à demarcação
das terras e às situações de emergência.
§ 2º. Quanto ao exercício do poder de polícia,
a lei deverá dispor sobre outras penalidades cabíveis,
os valores de multas e as demais especificações
exigidas em lei.
Art. 71. Os programas nacionais referidos
nesta lei deverão incluir componente de articulação
e interação com os demais programas e políticas
públicas afetos às sociedades indígenas.
Parágrafo único. Ao instituir os programas
nacionais referidos nesta lei, o Presidente da República
poderá optar por agrupá-los ou criar outros
programas, com esta ou outra designação, sempre
de acordo com os objetivos fixados e o espírito geral
desta lei.
Art. 72. Os fundos nacionais de fomento
a projetos indígenas referidos nesta lei gozarão
das prerrogativas conferidas em lei às organizações
sociais, no que puderem favorecer à potencialização
das suas finalidades.
Parágrafo único. Os fundos serão públicos,
competitivos e abertos às dotações
complementares de origem privada ou internacional, estarão
subordinados à fiscalização e controle
do Ministério Público Federal, e da sua gestão
participarão representantes de sociedades indígenas
e de organizações especializadas da sociedade
civil.
Art. 73. Fica o Poder Executivo autorizado
a instituir, através de atos administrativos, normas,
convênios e fóruns de articulação
interinstitucional para a defesa de direitos das sociedades
indígenas, e para o acompanhamento e a avaliação
das políticas públicas correlatas.
Parágrafo único. Quando estas normas forem
indispensáveis à eficácia ou à
urgência, no exercício do poder de polícia
em proteção aos bens e direitos das sociedades
indígenas, deverão ser instituídas
por decreto presidencial em até noventa dias após
a promulgação desta lei.
Art. 74. A União promoverá
a divulgação ampla e apropriada desta lei
entre as sociedades indígenas no país.
Art. 75. Esta lei entra em vigor na data
da sua publicação, revogando-se as disposições
em contrário, especialmente a Lei nº 6.001,
de 19 de dezembro de 1973, o inciso III e o parágrafo
único, do Art. 6º da Lei nº 3.071, de 1º
de janeiro de 1916, o inciso II e o parágrafo único
do Art.1º e o Art. 3º, todos da Lei nº 5.371,
de 5 de dezembro de 1967. |