É
imprescindível que a modificação de
uma legislação como o Código Florestal
seja avaliada considerando, entre outros aspectos os impactos
sobre os ecossistemas brasileiros, principalmente porque
existem inúmeros processos ecológicos essenciais
cuja manutenção depende fundamentalmente da
proteção restritiva conferida pelas Áreas
de Preservação Permanente e Reservas Legais
definidas pela referido instrumento . A maioria das demandas
geradas no âmbito da sociedade civil junto aos órgãos
públicos, no sentido de garantir a conservação
ambiental, estão associadas ao uso deste diploma
legal.
O texto original da referida lei conta com profundas bases
conceituais Conservacionistas pois o mesmo referenda a manutenção
de inúmeros processos funcionais básicos dos
biomas brasileiros, promovendo a proteção
da biodiversidade biológica (flora e fauna), a manutenção
de corredores ecológicos, a proteção
dos solos contra perda de nutrientes e erosão, a
proteção de encostas contra instabilidade
e desmoronamentos, a proteção e manutenção
da qualidade dos recursos hídricos, e a manutenção
da ciclagem de nutrientes e produtividade nos ecossistemas.
Alterar a lei 4771/65, sem o necessário debate prévio
significa retirar sumariamente o regime de proteção
que vigora sobre todos os aspectos supra mencionados. Tal
estratégia equivocada e antidemocrática, já
foi exaustivamente utilizada através da edição
de inúmeras medidas provisórias, sendo a última
a MP1885 /99, o que representa uma flagrante inconstitucionalidade,
uma vez que a matéria já havia sido estabelecida
na forma da Lei desde 1965.
A cobertura vegetal como suporte para as cadeias tróficas
e inúmeras interações entre organismos
, bem como sua íntima ligação com o
solo e o meio físico constitui a base dos ecossistemas.
Quando esta ligação é rompida , a microbacia
hidrográfica, que é a unidade de gestão
básica definida pela Política Nacional de
Recursos Hídricos através da Lei 9433/97,
é submetida a uma cadeia de processos de degradação,
com inúmeras implicações socioambientais.
COMPROMISSOS LEGAIS NACIONAIS
O Brasil não pode
ter a pretensão de querer honrar seus compromissos
com a sociedade brasileira e a comunidade internacional,
com relação ao seu papel de grande guardião
de 1/3 da biodiversidade do planeta contando apenas com
as reservas de biodiversidade, contidas nas Unidades de
Conservação, que inclusive, considerando as
dimensões continentais do pais, possui um percentual
insignificante, comparado a outros países menores
no mesmo continente.
A Legislação que protege a flora e a fauna
ameaçada de extinção, entre outras,
serão profundamente enfraquecidas e prejudicadas
com alterações irresponsáveis no Código
Florestal Brasileiro. As propriedades particulares, exercem
uma importante função sócio-ambiental
consolidada pela Constituição Brasileira.
Deve ser ressaltado que a Política Nacional do Meio
Ambiente (Lei 6.938/81), bem como centenas de diplomas legais
que compõe a legislação ambiental brasileira,
que se relacionam à proteção de ecossistemas,
tais como o Decreto 750/93 (que protege o Domínio
da Mata Atlântica), a Lei da Política Nacional
dos Recursos Hídricos, inúmeras diretrizes
de uso e ocupação do solo em diferentes esferas
de competência (Áreas de Proteção
Ambiental, Áreas Tombadas, Planos Diretores) sofrem
um profundo abalo, tornando - se praticamente nulos, se
as mudanças retrógradas propostas no Projeto
de Lei de Conversão n 7, de 1999 ( Medida Provisória
n.º 1885/99).
A IMPORTÂNCIA DAS
ÁREAS URBANAS
A proposta de alteração
do Código Florestal inicia alterando a proteção
legal das áreas verdes urbanas, que têm grande
importância, que na proposta do PL. estão subestimadas
e tendo sua conservação prejudicada. Estas
áreas remanescentes nas manchas urbanas em todo o
país cumprem funções relevantes e já
contam com Conceituação própria, sendo
cada vez mais objeto de estudos especializados. Áreas
Verdes Urbanas
Podemos evidenciar o conceito
de "áreas verdes" utilizado como referencial
, resgatado de Henke-Oliveira (1996):
"... são áreas permeáveis (sinônimo
de áreas livres) públicas ou não, com
cobertura vegetal predominantemente arbórea ou arbustiva
(excluindo-se as árvores no leito das vias públicas)
que apresentem funções potenciais capazes
de proporcionar um microclima distinto no meio urbano em
relação à luminosidade, temperatura
e outros parâmetros associados ao bem-estar humano
(funções de lazer); com significado ecológico
em termos de estabilidade geomorfológica e amenização
da poluição e que suporte uma fauna urbana,
principalmente aves, insetos e fauna do solo (funções
ecológicas); representando também elementos
esteticamente marcantes na paisagem (função
estética), independentemente da acessibilidade a
grupos humanos ou da existência de estruturas culturais
como edificações, trilhas, iluminação
elétrica, arruamento ou equipamentos afins; as funções
ecológicas sociais e estéticas poderão
redundar entre si ou em benefícios financeiros (funções
econômicas). "
As funções associadas às áreas
verdes na cidade e suas implicações ecológicas,
sociais e estéticas são expostas ainda, de
forma resumida, na Tabela 1.
A conservação e manutenção de
áreas verdes nas cidades têm sido apontada
como uma diretriz mais do que consolidada em centenas de
documentos técnicos relacionados ao planejamento
urbano, dentro da perspectiva do desenvolvimento sustentável,
elaborados por técnicos e pesquisadores de instituições
nacionais e internacionais, além de ser uma diretriz
do PNUMA (Programa das Nações Unidas para
o Meio Ambiente), apoiada por entidades não governamentais
expressivas no contexto conservacionista mundial. A importância
de considerar as áreas verdes têm se revelado
inclusive nos estudos de planos diretores urbanos, nos quais
muitas vezes são divulgados índices de metros
quadrados de áreas verdes por habitante, estimados
através de critérios variados, como indicadores
de qualidade de vida e qualidade ambiental.
Como exemplo da crescente preocupação mundial
com áreas verdes nas cidades podemos citar a publicação
conjunta (PNUMA/IUCN/WWF, 1991), denominada "Cuidando
do Planeta Terra: Uma estratégia de vida para o futuro",
que em sua parte II, define, dentre suas ações
prioritárias: "Tornar a cidade limpa, verde
e eficiente", recomendando aos administradores municipais:
"Cooperar com os políticos, planejadores, empresariado,
e grupos de cidadãos locais no planejamento e criação
de espaços e cinturões verdes, inclusive florestas
e bosques da comunidade, como forma de melhorar o clima,
prover alimentos, e proporcionar habitats para plantas e
animais "
Tabela 1 - Funções
das áreas verdes urbanas e suas implicações
(Fontes: HENKE-OLIVEIRA, 1996; LOMBARDO,1990 apud GUZZO,
1999).
Funções |
Implicações
Ecológicas |
Implicações
Sociais |
Interceptação,
absorção de radiação
luminosa
Fotossíntese, produção primária
líquida
Fluxo de Energia |
Manutenção
do Equilíbrio dos ciclos biogeoquímicos
Manutenção de altas taxas de evapotranspiração
Manutenção do microclima
Manutenção da fauna |
Conforto
térmico
Conforto lúmnico
Conforto Sonoro
Manutenção da biomassa com possibilidade
de integração da comunidade local |
Biofiltração |
Eliminação
de materiais tóxicos particulados e gasosos e sua
incorporação nos ciclos biogeoquímicos |
Melhoria
na qualidade do ar, da água e do escoamento superficial |
Contenção
dos processos erosivos |
Economia
de nutrientes e solos
Favorecimento do processo sucessional |
Prevenção
de deslizamentos, voçorocas, ravinamento e perda
de solosPreservação dos recursos hídricos para abastecimento
e recreação |
Infiltração
de água pluvial (maior permeabilidade) |
Redução
do escoamento superficial
Recarga de aqüífero
Diminuição na amplitude das hidrógrafas |
Prevenção
de inundações |
Movimentos
de massas de ar |
Manutenção
do clima |
Conforto
térmico e difusão de gases tóxicos e material particulado
do ar |
Fluxo
de organismos dentro e entre fragmentos rurais e
o meio urbano |
Manutenção
da diversidade genética |
Aumento
da riqueza da flora e fauna
Realce da biofilia |
Atenuação
sonora |
Aspectos
etológicos da fauna |
Conforto
acústico |
Estética |
Melhoria
da qualidade ambiental |
Quebra
da monotonia da paisagem, causada pelas grandes
áreas edificadasValorização visual e ornamental
do espaço urbano
Caracterização de espaços: elemento de interação
atividades/ambiente |
A IMPORTÂNCIA DAS
ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
A mata ciliar entre outras
desempenha sua função hidrológica através
das seguintes formas; estabilização das ribanceiras
do rio através da manutenção do emaranhado
de raízes, tampão e filtro, entre os terrenos
mais altos e o ecossistema aquático, impede ou dificulta
o carregamento de sedimentos para o sistema aquático,
evitando o assoreamento das bacias hidrográficas,
proporciona cobertura e alimentação para peixes
e outros componentes da fauna aquática, mantém
a estabilidade térmica dos pequenos cursos d'água,
interceptando e absorvendo a radiação solar.
A mata ciliar ocorre nas
porções de terreno que incluem tanto a ribanceira
de um rio ou córrego, de um lago ou reservatório,
como também nas superfícies de inundação,
chegando até às margens do corpo d'água.
Temos um grande gradiente em umidade de solo, em função
do declive, e que geralmente define a tipologia vegetal.
BREVE HISTÓRICO
Já em 1.934 O Código
Florestal classifica as florestas e aquelas, situadas em
áreas de preservação permanente segundo
o conceito atual, são denominadas florestas protetoras.
Observamos que o Código Florestal de 1.934, aplica
os seus dispositivos ás florestas existentes no território
nacional, bem como as demais formas de vegetação
reconhecidas de utilidade às terras que revestem,
sem discriminar áreas urbanas de áreas rural.
Apresenta já naquela época preocupação
com; o regime das águas, a erosão promovida
pelos agentes naturais, as condições de salubridade
pública, a proteção de sítios
que por sua beleza natural merecessem ser conservados, a
proteção dos abrigos de espécimens
raros da fauna indígena, além da proteção
de espécimens preciosos, por motivo de interesse
biológico ou estético.
Princípios que nossas autoridades insistem em desconsiderar,
levando ao caos o crescimento urbano, e a conservação
e proteção dos recursos naturais renováveis,
em especial os recursos hídricos, que se interligam
entre si independente da classificação como
área urbana ou rural.
O artigo 2º do Código Florestal, foi revisto
algumas vezes, mais especificamente a alínea a, a
redação atual é mantida pela Lei 7.803
de18/07/89, que alterou a redação dada pela
lei 7.511, de 07/06/86, que pôr sua vez alterou a
redação original desta alínea concebida
pela Lei 4.771, de 15/09/65. E o que observamos nas varias
revisões feitas, é um aumento na extensão
das faixas consideradas áreas de preservação
permanente de acordo com a largura do rio e a sua cota máxima
de inundação.
A primeira alteração, a redação
dos itens desta alínea foi dada pela Lei 7511, de
07 de julho de 1986.
Estas alterações ocorreram em função
da constatação da ineficiência dos critérios
técnicos adotados, ao longo dos anos de existência
e aplicação do Código Florestal, com
relação a constantes inundações,
enchentes com vultuosos prejuízos principalmente
nas áreas urbanas, aos cofres públicos e mais
diretamente as populações pobres, que com
raras exceções, são os principais ocupantes
das áreas de preservação permanente
as margens dos cursos d'água. Além do acelerado
processo de erosão e assoreamento da rede de drenagem
natural. Inoportuno portanto e caminhar na contra mão
da evolução da legislação ambiental
no país e as técnicas mais recentes, propor
a redução da referida faixa, pois a lei da
natureza não respeitaria tal acordo, continuando
a seguir o seu curso natural do ciclo das águas.
A redação do atual Art.2º , foi dada
pela Lei n° 7.803 de 15 de julho de 1989. A vegetação
em áreas de preservação permanente,
independe do seu porte ou composição, pois
o que se pretende conservar e preservar é uma situação
física, a área como um todo,.
Não cabendo a nosso ver, nenhuma legislação
, que permita a ocupação e uso destas áreas,
pois tais atividades estariam degradando ou impedindo a
regeneração da área de preservação
permanente.
A vegetação em áreas de preservação
permanente, independe do seu porte ou composição,
pois o que se pretende conservar e preservar é uma
situação física, a área como
um todo, definida no Art. 2º e 3º da lei 4.771/65,
o Código Florestal. A destruição de
florestas situadas em Áreas de Preservação
Permanente provoca impacto ambiental evidente e mensurável,
que além da perda do banco genético que implica
na redução da biodiversidade. Muitas vezes
o dano, não se restringem ao local afetado com a
supressão da vegetação, podendo atingir
aspectos regionais, pois estamos lidando com áreas
mais suscetíveis a erosão, assoreamento e
outros processos degradadores do meio, que devem ser interrompidos
o mais rápido possível, para que não
se tornem irreversíveis.
A IMPORTÂNCIA DA RESERVA
LEGAL
A importância da Reserva
Legal consiste na manutenção da biodiversidade
ou seja tem a função de manter amostras significativas
de todos os ecossistemas, motivo pelo qual a legislação,
na nossa região vincula a cada propriedade o percentual
de no mínimo 20% para áreas já desbravadas
e de 50% para as áreas incultas.
A legislação em vigor não permite a
compensação da reserva legal em outro local,
cita apenas a recuperação de áreas,
e vincula a RL - Reserva Legal ao titulo de cada propriedade
visando uma distribuição homogênea dos
recursos naturais e da qualidade ambiental e principalmente
manter amostras significativas de todos os ecossistemas
com seus endemismos. A compensação dificilmente
proporcionaria ganho ambiental, pois estaríamos penalizando
determinadas áreas, populações e ecossistemas,
e concentrando em outras uma melhor qualidade de vida. Além
da dificuldade operacional e legal de fiscalizar tais operações
de compensar Reserva Legal em outras regiões.
A manutenção da Reserva Legal em áreas
contíguas as APPs - Áreas de Preservação
Permanente com certeza seria a situação ideal,
desde que claramente delimitadas de acordo com as normas
vigentes, auxiliam na formação de corredores,
visando a dispersão de espécies e a troca
genética, prioritariamente a RL - Reserva Legal,
deve contemplar, as áreas com maior biodiversidade.
COMPROMISSOS INTERNACIONAIS
Os principais documentos
internacionais firmados pelo Brasil, que estão sendo
desrespeitados com as mudanças propostas no Projeto
de Lei n.º 7 , mudanças estas que ferem os princípios
básicos da conservação da biodiversidade
e equilíbrio ambiental, contemplados no texto do
Código Florestal de 1965, com as suas devidas alterações
estabelecidas por Lei.
- Convenção sobre Diversidade Biológica
- Conservação da Biodiversidade, mantendo
a maior variedade de organismos vivos, comunidades e ecossistemas,
para atender às presentes e futuras gerações.
Sendo o Brasil classificado em 1º lugar em riqueza
natural, o pais tem o maior numero de espécies de
plantas e de mamíferos do planeta, liderando portanto
o Ranking da Megadiversidade.
Conscientes do valor intrínseco da diversidade biológica
e dos valores ecológico, genético, social,
econômico, cientifico, educacional, cultural, recreativo
e estético da diversidade biológica e de seus
componente
Em 1992 o texto da Convenção sobre Diversidade
Biológica é aprovado durante a Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e desenvolvimento
realizada na cidade do Rio de Janeiro, com a participação
e assinatura do Brasil como signatário. Em 1994,
através do Decreto Legislativo nº 2 o Congresso
Nacional aprova o texto da Convenção sobre
Diversidade Biológica.
- Convenção de RAMSAR - Relativa às
Áreas Úmidas de Importância Internacional
-- Proteção das áreas úmidas
reconhecendo seu valor econômico, cultural, cientifico
e recreativo.
- CITES - Convenção sobre Comércio
Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens
em Perigo de Extinção.
- Tratado de Cooperação Amazônica -
Promover o desenvolvimento harmonioso e distribuição
eqüitativa dos benefícios do desenvolvimento
entre as partes.
- Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento - Carta de Princípios
para um novo estilo de vida na terra.
- Agenda 21- Diretrizes para o desenvolvimento sustentável
a longo prazo, a partir de temas prioritários, tais
como desmatamento, lixo, clima, solo, desertos, água,
biotecnologia.
- Convenção para a Proteção
da Flora, da Fauna e Belezas Cênicas Naturais dos
Países da América. |