Regulamenta
os incisos II e V do § 1º do art. 225 da Constituição
Federal, estabelece normas para o uso das técnicas
de engenharia genética e liberação
no meio ambiente de organismos geneticamente modificados,
autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência
da República, a Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas de segurança
e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas
de engenharia genética na construção,
cultivo, manipulação, transporte, comercialização,
consumo, liberação e descarte de organismo
geneticamente modificado (OGM), visando a proteger a vida
e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem
como o meio ambiente.
Art. 2º As atividades e projetos, inclusive os de ensino,
pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico
e de produção industrial que envolvam OGM
no território brasileiro, ficam restritos ao âmbito
de entidades de direito público ou privado, que serão
tidas como responsáveis pela obediência aos
preceitos desta Lei e de sua regulamentação,
bem como pelos eventuais efeitos ou conseqüências
advindas de seu descumprimento.
§ 1º Para os fins desta Lei consideram-se atividades
e projetos no âmbito de entidades como sendo aqueles
conduzidos em instalações próprias
ou os desenvolvidos alhures sob a sua responsabilidade técnica
ou científica.
§ 2º As atividades e projetos de que trata este
artigo são vedados a pessoas físicas enquanto
agentes autônomos independentes, mesmo que mantenham
vínculo empregatício ou qualquer outro com
pessoas jurídicas.
§ 3º As organizações públicas
e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras
ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos
neste artigo, deverão certificar-se da idoneidade
técnico-científica e da plena adesão
dos entes financiados, patrocinados, conveniados ou contratados
às normas e mecanismos de salvaguarda previstos nesta
Lei, para o que deverão exigir a apresentação
do Certificado de Qualidade em Biossegurança de que
trata o art. 6º, inciso XIX, sob pena de se tornarem
co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos
de seu descumprimento.
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, define-se:
I - organismo - toda entidade biológica capaz de
reproduzir e/ou de transferir material genético,
incluindo vírus, prions e outras classes que venham
a ser conhecidas;
II - ácido desoxirribonucléico (ADN), ácido
ribonucléico (ARN) - material genético que
contém informações determinantes dos
caracteres hereditários transmissíveis à
descendência;
III - moléculas de ADN/ARN recombinante - aquelas
manipuladas fora das células vivas, mediante a modificação
de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético que
possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda,
as moléculas de ADN/ARN resultantes dessa multiplicação.
Consideram-se, ainda, os segmentos de ADN/ARN sintéticos
equivalentes aos de ADN/ARN natural;
IV - organismo geneticamente modificado (OGM) - organismo
cujo material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado
por qualquer técnica de engenharia genética;
V - engenharia genética - atividade de manipulação
de moléculas ADN/ARN recombinante.
Parágrafo único. Não são considerados
como OGM aqueles resultantes de técnicas que impliquem
a introdução direta, num organismo, de material
hereditário, desde que não envolvam a utilização
de moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, tais
como: fecundação in vitro, conjugação,
transdução, transformação, indução
poliplóide e qualquer outro processo natural.
Art. 4º Esta Lei não se aplica quando a modificação
genética for obtida através das seguintes
técnicas, desde que não impliquem a utilização
de OGM como receptor ou doador:
I - mutagênese;
II - formação e utilização de
células somáticas de hibridoma animal;
III - fusão celular, inclusive a de protoplasma,
de células vegetais, que possa ser produzida mediante
métodos tradicionais de cultivo;
IV - autoclonagem de organismos não-patogênicos
que se processe de maneira natural.
Art. 5º (VETADO)
Art. 6º (VETADO)
Art. 7º Caberá, dentre outras atribuições,
aos órgãos de fiscalização do
Ministério da Saúde, do Ministério
da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária
e do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia
Legal, dentro do campo de suas competências, observado
o parecer técnico conclusivo da CTNBio e os mecanismos
estabelecidos na regulamentação desta Lei:
I - (VETADO)
II - a fiscalização e a monitorização
de todas as atividades e projetos relacionados a OGM do
Grupo II;
III - a emissão do registro de produtos contendo
OGM ou derivados de OGM a serem comercializados para uso
humano, animal ou em plantas, ou para a liberação
no meio ambiente;
IV - a expedição de autorização
para o funcionamento de laboratório, instituição
ou empresa que desenvolverá atividades relacionadas
a OGM;
V - a emissão de autorização para a
entrada no País de qualquer produto contendo OGM
ou derivado de OGM;
VI - manter cadastro de todas as instituições
e profissionais que realizem atividades e projetos relacionados
a OGM no território nacional;
VII - encaminhar à CTNBio, para emissão de
parecer técnico, todos os processos relativos a projetos
e atividades que envolvam OGM;
VIII - encaminhar para publicação no Diário
Oficial da União resultado dos processos que lhe
forem submetidos a julgamento, bem como a conclusão
do parecer técnico;
IX - aplicar as penalidades de que trata esta Lei nos arts.
11 e 12.
Art. 8º É vedado, nas atividades relacionadas
a OGM:
I - qualquer manipulação genética de
organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural
ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas
nesta Lei;
II - a manipulação genética de células
germinais humanas;
III - a intervenção em material genético
humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos,
respeitando-se princípios éticos, tais como
o princípio de autonomia e o princípio de
beneficência, e com a aprovação prévia
da CTNBio;
IV - a produção, armazenamento ou manipulação
de embriões humanos destinados a servir como material
biológico disponível;
V - a intervenção in vivo em material genético
de animais, excetuados os casos em que tais intervenções
se constituam em avanços significativos na pesquisa
científica e no desenvolvimento tecnológico,
respeitando-se princípios éticos, tais como
o princípio da responsabilidade e o princípio
da prudência, e com aprovação prévia
da CTNBio;
VI - a liberação ou o descarte no meio ambiente
de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio
e constantes na regulamentação desta Lei.
§ 1º Os produtos contendo OGM, destinados à
comercialização ou industrialização,
provenientes de outros países, só poderão
ser introduzidos no Brasil após o parecer prévio
conclusivo da CTNBio e a autorização do órgão
de fiscalização competente, levando-se em
consideração pareceres técnicos de
outros países, quando disponíveis.
§ 2º Os produtos contendo OGM, pertencentes ao
Grupo II conforme definido no Anexo I desta Lei, só
poderão ser introduzidos no Brasil após o
parecer prévio conclusivo da CTNBio e a autorização
do órgão de fiscalização competente.
§ 3º (VETADO)
Art. 9º Toda entidade que utilizar técnicas
e métodos de engenharia genética deverá
criar uma Comissão Interna de Biossegurança
(CIBio), além de indicar um técnico principal
responsável por cada projeto específico.
Art. 10. Compete à Comissão Interna de Biossegurança
(CIBio) no âmbito de sua Instituição:
I - manter informados os trabalhadores, qualquer pessoa
e a coletividade, quando suscetíveis de serem afetados
pela atividade, sobre todas as questões relacionadas
com a saúde e a segurança, bem como sobre
os procedimentos em caso de acidentes;
II - estabelecer programas preventivos e de inspeção
para garantir o funcionamento das instalações
sob sua responsabilidade, dentro dos padrões e normas
de biossegurança, definidos pela CTNBio na regulamentação
desta Lei;
III - encaminhar à CTNBio os documentos cuja relação
será estabelecida na regulamentação
desta Lei, visando a sua análise e a autorização
do órgão competente quando for o caso;
IV - manter registro do acompanhamento individual de cada
atividade ou projeto em desenvolvimento envolvendo OGM;
V - notificar à CTNBio, às autoridades de
Saúde Pública e às entidades de trabalhadores,
o resultado de avaliações de risco a que estão
submetidas as pessoas expostas, bem como qualquer acidente
ou incidente que possa provocar a disseminação
de agente biológico;
VI - investigar a ocorrência de acidentes e as enfermidades
possivelmente relacionados a OGM, notificando suas conclusões
e providências à CTNBio.
Art. 11. Constitui infração, para os efeitos
desta Lei, toda ação ou omissão que
importe na inobservância de preceitos nela estabelecidos,
com exceção dos §§ 1º e 2º
e dos incisos de II a VI do art. 8º, ou na desobediência
às determinações de caráter
normativo dos órgãos ou das autoridades administrativas
competentes.
Art. 12. Fica a CTNBio autorizada a definir valores de multas
a partir de 16.110,80 UFIR, a serem aplicadas pelos órgãos
de fiscalização referidos no art. 7º,
proporcionalmente ao dano direto ou indireto, nas seguintes
infrações:
I - não obedecer às normas e aos padrões
de biossegurança vigentes;
II - implementar projeto sem providenciar o prévio
cadastramento da entidade dedicada à pesquisa e manipulação
de OGM, e de seu responsável técnico, bem
como da CTNBio;
III - liberar no meio ambiente qualquer OGM sem aguardar
sua prévia aprovação, mediante publicação
no Diário Oficial da União;
IV - operar os laboratórios que manipulam OGM sem
observar as normas de biossegurança estabelecidas
na regulamentação desta Lei;
V - não investigar, ou fazê-lo de forma incompleta,
os acidentes ocorridos no curso de pesquisas e projetos
na área de engenharia genética, ou não
enviar relatório respectivo à autoridade competente
no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da data
de transcorrido o evento;
VI - implementar projeto sem manter registro de seu acompanhamento
individual;
VII - deixar de notificar, ou fazê-lo de forma não
imediata, à CTNBio e às autoridades da Saúde
Pública, sobre acidente que possa provocar a disseminação
de OGM;
VIII - não adotar os meios necessários à
plena informação da CTNBio, das autoridades
da Saúde Pública, da coletividade, e dos demais
empregados da instituição ou empresa, sobre
os riscos a que estão submetidos, bem como os procedimentos
a serem tomados, no caso de acidentes;
IX - qualquer manipulação genética
de organismo vivo ou manejo in vitro de ADN/ARN natural
ou recombinante, realizados em desacordo com as normas previstas
nesta Lei e na sua regulamentação.
§ 1º No caso de reincidência, a multa será
aplicada em dobro.
§ 2º No caso de infração continuada,
caracterizada pela permanência da ação
ou omissão inicialmente punida, será a respectiva
penalidade aplicada diariamente até cessar sua causa,
sem prejuízo da autoridade competente, podendo paralisar
a atividade imediatamente e/ou interditar o laboratório
ou a instituição ou empresa responsável.
Art. 13. Constituem crimes:
I - a manipulação genética de células
germinais humanas;
II - a intervenção em material genético
humano in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos,
respeitando-se princípios éticos tais como
o princípio de autonomia e o princípio de
beneficência, e com a aprovação prévia
da CTNBio;
Pena - detenção de três meses a um ano.
§ 1º Se resultar em:
a) incapacidade para as ocupações habituais
por mais de trinta dias;
b) perigo de vida;
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) aceleração de parto;
Pena - reclusão de um a cinco anos.
§ 2º Se resultar em:
a) incapacidade permanente para o trabalho;
b) enfermidade incurável;
c) perda ou inutilização de membro, sentido
ou função;
d) deformidade permanente;
e) aborto;
Pena - reclusão de dois a oito anos.
§ 3º Se resultar em morte;
Pena - reclusão de seis a vinte anos.
III - a produção, armazenamento ou manipulação
de embriões humanos destinados a servirem como material
biológico disponível;
Pena - reclusão de seis a vinte anos.
IV - a intervenção in vivo em material genético
de animais, excetuados os casos em que tais intervenções
se constituam em avanços significativos na pesquisa
científica e no desenvolvimento tecnológico,
respeitando-se princípios éticos, tais como
o princípio da responsabilidade e o princípio
da prudência, e com aprovação prévia
da CTNBio;
Pena - detenção de três meses a um ano;
V - a liberação ou o descarte no meio ambiente
de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio
e constantes na regulamentação desta Lei.
Pena - reclusão de um a três anos;
§ 1º Se resultar em:
a) lesões corporais leves;
b) perigo de vida;
c) debilidade permanente de membro, sentido ou função;
d) aceleração de parto;
e) dano à propriedade alheia;
f) dano ao meio ambiente;
Pena - reclusão de dois a cinco anos.
§ 2º Se resultar em:
a) incapacidade permanente para o trabalho;
b) enfermidade incurável;
c) perda ou inutilização de membro, sentido
ou função;
d) deformidade permanente;
e) aborto;
f) inutilização da propriedade alheia;
g) dano grave ao meio ambiente;
Pena - reclusão de dois a oito anos;
§ 3º Se resultar em morte;
Pena - reclusão de seis a vinte anos.
§ 4º Se a liberação, o descarte
no meio ambiente ou a introdução no meio de
OGM for culposo:
Pena - reclusão de um a dois anos.
§ 5º Se a liberação, o descarte
no meio ambiente ou a introdução no País
de OGM for culposa, a pena será aumentada de um terço
se o crime resultar de inobservância de regra técnica
de profissão.
§ 6º O Ministério Público da União
e dos Estados terá legitimidade para propor ação
de responsabilidade civil e criminal por danos causados
ao homem, aos animais, às plantas e ao meio ambiente,
em face do descumprimento desta Lei.
Art. 14. Sem obstar a aplicação das penas
previstas nesta Lei, é o autor obrigado, independente
da existência de culpa, a indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados
por sua atividade.
Disposições Gerais e Transitórias
Art. 15. Esta Lei será regulamentada no prazo de
90 (noventa) dias a contar da data de sua publicação.
Art. 16. As entidades que estiverem desenvolvendo atividades
reguladas por esta Lei na data de sua publicação,
deverão adequar-se às suas disposições
no prazo de cento e vinte dias, contados da publicação
do decreto que a regulamentar, bem como apresentar relatório
circunstanciado dos produtos existentes, pesquisas ou projetos
em andamento envolvendo OGM.
Parágrafo único. Verificada a existência
de riscos graves para a saúde do homem ou dos animais,
para as plantas ou para o meio ambiente, a CTNBio determinará
a paralisação imediata da atividade.
Art. 17. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 18. Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 5 de janeiro de 1995; 174º da Independência
e 107º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Publicada no D.O.U. de 06.01.95, Seção I,
pág. 337.
ANEXO I
Para efeitos desta Lei, os organismos geneticamente modificados
classificam-se da seguinte maneira:
Grupo I: compreende os organismos que preenchem os seguintes
critérios:
A. Organismo receptor ou parental:
- não-patogênico;
- isento de agentes adventícios;
- com amplo histórico documentado de utilização
segura, ou a incorporação de barreiras biológicas
que, sem interferir no crescimento ótimo em reator
ou fermentador, permita uma sobrevivência e multiplicação
limitadas, sem efeitos negativos para o meio ambiente.
B. Vetor/inserto:
- deve ser adequadamente caracterizado e desprovido de seqüências
nocivas conhecidas;
- deve ser de tamanho limitado, no que for possível,
às seqüências genéticas necessárias
para realizar a função projetada;
- não deve incrementar a estabilidade do organismo
modificado no meio ambiente;
- deve ser escassamente mobilizável;
- não deve transmitir nenhum marcador de resistência
a organismos que, de acordo com os conhecimentos disponíveis,
não o adquira de forma natural.
C. Organismos geneticamente modificados:
- não-patogênicos;
- que ofereçam a mesma segurança que o organismo
receptor ou parental no reator ou fermentador, mas com sobrevivência
e/ou multiplicação limitadas, sem efeitos
negativos para o meio ambiente.
D. Outros organismos geneticamente modificados que poderiam
incluir-se no Grupo I, desde que reúnam as condições
estipuladas no item C anterior:
- microorganismos construídos inteiramente a partir
de um único receptor procariótico (incluindo
plasmídeos e vírus endógenos) ou de
um único receptor eucariótico (incluindo seus
cloroplastos, mitocôndrias e plasmídeos, mas
excluindo os vírus) e organismos compostos inteiramente
por seqüências genéticas de diferentes
espécies que troquem tais seqüências mediante
processos fisiológicos conhecidos.
Grupo II: todos aqueles não incluídos no Grupo
I. |