Ementa:
Natureza do parecer técnico conclusivo da CTNBio:
ato complexo; conseqüências.
Vem a exame desta Consultoria Jurídica
pedido (Memo/CTNBio n°030/00) de "esclarecimentos
acerca da natureza jurídica do parecer técnico
conclusivo da CTNBio, referido no caput do art. 7° da
Lei 8974/95 e no inciso XII, do art. 2° do Dec. 1752/95".
O pedido, formulado a partir do parecer CONJUR n° 083/99,
destaca, ainda, dois aspectos a serem abordados: (1) o caráter
vinculatório, do ponto de vista da biossegurança,
relativamente a atos posteriores da Administração
Pública, e (2) a aparente contradição
contida na expressão parecer técnico prévio
conclusivo, trazida pelo inciso XII, do art. 2° do Decreto
1752/95 (grifado no original).
2. Ab initio, reitera-se o entendimento
exarado anteriormente (Parecer CONJUR n° 083/99), que
buscou orientar quanto a (1) se o Certificado de Qualidade
em Biossegurança constitui-se em uma autorização
para funcionamento de instalações destinadas
ao trabalho com organismos geneticamente modificados e (2)
se o parecer técnico conclusivo seria ato autorizativo
para a realização dessas liberações.
O Parecer CONJUR n° 083/99, concluiu negativamente,
esclarecendo que a autorização para funcionamento
é atribuição, dentro do campo de suas
competências, dos ministérios mencionados no
caput do art. 7º, cabendo à CTNBio o papel legal
de exarar o parecer técnico conclusivo a ser observado
pelo ministério competente e expedir o CQB.
3. Apesar da clareza daquele Parecer,
ocorreram manifestações equivocadas sobre
o seu conteúdo – quer por não conhecidas as
indagações que o ensejaram, quer porque fruto
de tendenciosa e não contextualizada interpretação
– de que a CTNBio estaria "extrapolando" no exercício
de suas competências. Muito ao contrário, restou
inconteste a legítima e adequada atuação
daquela Comissão.
4. Assim, de reiterar-se, desde logo,
que o exame desta Consultoria Jurídica ratificou
e ratifica, quanto aos aspectos legais que lhe compete avaliar,
os procedimentos adotados pela CTNBio, por coadunarem-se
às normas legais vigentes.
5. Retorna-se ora ao tema, para buscar
responder às duas novas indagações,
ainda quanto à natureza jurídica do parecer
técnico prévio conclusivo da CTNBio e suas
conseqüências para a Administração.
6. Sem pretender fazer desta manifestação
um tratado de direito e utilizando uma linguagem menos jurídica
em favor da clareza da leitura, pode-se dizer que o parecer
técnico da CTNBio não é um parecer
comum, é um parecer "qualificado" pelo
legislador (art. 7°, caput, da Lei n° 8.974, de
05 de janeiro de 1995). Qualificado pela expertise técnica,
qualificado pelo conteúdo conclusivo, qualificado
temporalmente, por ser prévio, e qualificado pela
observância obrigatória por outros órgãos
da administração.
7. Como se depreende da leitura do dispositivo
legal citado (reiterado na norma infralegal), o legislador,
ao fixar as atribuições, no âmbito das
respectivas competências e para liberação
de organismos geneticamente modificados, "dos órgãos
de fiscalização do Ministério da Saúde,
do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e
da Reforma Agrária e do Ministério do Meio
Ambiente e da Amazônia Legal", determinou que
fossem exercidas em observância ao parecer técnico
conclusivo da CTNBio. É o que a melhor doutrina jurídica
classifica, quanto à formação, como
ato administrativo complexo.
8. Para ilustrar, traz-se o conceito
do consagrado mestre Hely Lopes Meirelles: "ato complexo
é o que se forma pela conjugação de
vontade de mais de um órgão administrativo."(destaque
no original). Sejam eles singulares ou colegiados.
9. Assim, para que o órgão
destinatário da norma esculpida no caput do art.
7° da Lei de Biossegurança possa exercer as atribuições
elencadas nos incisos que ali se contemplam, é imprescindível
a manifestação técnica da CTNBio, a
qual deverá ser observada por aquele mesmo órgão,
por exemplo, quando da expedição da "autorização
para funcionamento" (inc.IV do mesmo artigo). Por isso
mesmo, tem-se que o parecer técnico da CTNBio é
prévio (ou seria inviável cumprir-se o comando
legal relativo à observância fixada) e os órgãos
devem encaminhar àquela Comissão os processos
relativos a projetos e atividades que envolvam OGM (inc.
VII do artigo).
10. Mas o legislador estabeleceu, também,
que aquele parecer, de conteúdo técnico, fosse
conclusivo. Vale dizer, fixou competência exclusiva
à CTNBio para apreciar, quanto aos aspectos técnicos
da biossegurança, o tratamento a ser dado em cada
caso à liberação de organismo geneticamente
modificado, concluindo, finalizando sua apreciação.
Em decorrência, encerra a possibilidade de, sobre
os mesmos aspectos, reabrir-se a oportunidade de outros
pronunciamentos. Obviamente, não se está aqui
a pretender excluir a esfera recursal ou judicial. O que
se assinala é a impossibilidade de qualquer dos outros
órgãos referidos no caput do supra citado
art. 7° reapreciar (ou deixar de observar) os aspectos
técnicos de biossegurança. Conjuga-se, pois,
à característica de conclusivo a qualidade
de expertise técnica do parecer da CTNBio.
11. Ressalta-se, por oportuno, que a
CTNBio é um colegiado, ao qual integram-se representantes
dos mesmos órgãos referenciados no caput do
art. 7° da Lei (Saúde, Agricultura e Meio Ambiente),
com competência para o pronunciamento técnico
conclusivo sobre liberação de organismo geneticamente
modificado.
12. Outra conseqüência do
parecer técnico conclusivo da CTNBio, dado revestir-se
da natureza de ato complexo, é que com a sua edição
surge, observada em concreto a pertinente competência
legal, a obrigatoriedade/dever de manifestação
de outro órgão da administração.
Neste contexto, acrescidas as observações
anteriores quanto aos aspectos técnico e conclusivo,
pode-se afirmar que o parecer vincula os demais órgãos
da administração envolvidos, que não
poderão manifestar-se sobre as questões de
biossegurança.
13. Descabido argumentar que com tais
disposições estaria a lei (ou seu intérprete)
estabelecendo a supressão de competências ou
a inversão de possível hierarquia, característica
da estrutura da administração pública
brasileira. Não há submissão de órgãos
da administração à CTNBio, há
sim, por desígnio expresso do legislador nacional,
especificidade de matéria e distribuição
de competências, ademais ocorrência típica,
em se tratando de ato complexo.
14. Igualmente impróprio imaginar-se
fosse intenção do legislador que, uma vez
exarado o parecer da CTNBio com vistas, por exemplo à
autorização de que trata o inciso IV do art.
7º, qualquer outro dos órgãos referidos
no mesmo artigo pudesse desconsiderá-lo ou contraditá-lo
em seu conteúdo técnico, pois se assim o fosse
estar-se-ia diante de um ato de aprovação,
a ser expresso no texto da lei, dado que não passível
de ser inferido.
15. Feitas essas considerações
e salientando que o inciso XII, do art. 2º do Decreto
nº 1.752, de 20 de dezembro de 1995, reitera os ditames
da lei que regulamenta, podemos responder às indagações
formuladas, como se segue:
1. emitido o parecer técnico conclusivo
da CTNBio sobre liberação de organismo geneticamente
modificado e encaminhado ao órgão competente,
não poderá este órgão ignorar
ou contrariar o parecer, invocando razões de biossegurança;
e, sim, reveste-se o parecer de caráter vinculatório,
do ponto de vista da biossegurança relativamente
a atos posteriores das diferentes esferas da administração
pública.
2. não há contradição jurídica
relativamente à expressão "prévio
conclusivo" que qualifica o parecer técnico
da CTNBio (v.g. inc. X, do art. 2º, do Decreto nº
1.752, de 1995.
É o parecer desta Consultoria Jurídica, que
se encaminha à Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança – CTNBio.
Brasília, 12 de abril de 2000.
Maria Teresa Correia da Silva
Consultora Jurídica
(1) Hoje Ministério
da Agricultura e do Abastecimento e Ministério do
Meio Ambiente.
(2) in Direito Administrativo Brasileiro, 16ª edição,
2ª tiragem, pg. 148.
V. também: Celso Antônio Bandeira de Mello,
in Curso de Direito Administrativo,4ª edição,
pg.201;
Maria Sylvia Zanella di Pietro, in Direito Administrativo,
6ª edição,
pg. 185. |