PROJETO DE LEI Nº 285, DE 1999
(Apresentado pelo Deputado Jaques Wagner)
Dispõe sobre a utilização e a proteção
da Mata Atlântica
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º A utilização
e a proteção da Mata Atlântica, tendo
em vista o disposto nos artigos 182, 186 e 225 da Constituição
Federal, far-se-ão de acordo com o que dispõe
a presente Lei, obedecidas a Lei 4.771, de 15 de Setembro
de 1965, com as alterações promovidas pela
Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989, e a legislação
dos Estados.
Art. 2º Para os
efeitos desta Lei, considera-se Mata Atlântica as
formações florestais e ecossistemas associados
inseridos no domínio da Mata Atlântica, com
as respectivas delimitações estabelecidas
pelo Mapa de Vegetação do Brasil, IBGE 1993:
Floresta Ombrófila Densa, Floresta Ombrófila
Mista, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Estacional
Semidecidual, Floresta Estacional Decidual, manguezais,
restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves
florestais do Nordeste.
Art. 3º São
proibidos o corte, a supressão e a exploração
da vegetação primária da Mata Atlântica.
§ 1º Excetuam-se do disposto
neste artigo o corte e a supressão de vegetação
primária da Mata Atlântica quando necessários
à realização de obras, projetos ou
atividades de utilidade pública.
§ 2º O corte e a supressão
previstos no parágrafo anterior dependerão:
a) de prévio licenciamento pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis - IBAMA;
b) de prévia aprovação,
devidamente motivada, do Conselho Nacional do Meio Ambiente
- CONAMA;
Art. 4º São
proibidos o corte e a supressão da vegetação
secundária nos estágios avançado e
médio de regeneração da Mata Atlântica
§ 1º Excetuam-se do disposto
neste artigo, ressalvado o disposto no art 8º, o corte
e a supressão:
a) da vegetação secundária
em estágio avançado de regeneração,
em caráter excepcional, quando necessários
à execução de obras, atividades ou
projetos de utilidade pública;
b) da vegetação secundária
em estágio médio de regeneração,
em caráter excepcional, quando necessários
à execução de obras, atividades ou
projetos de utilidade pública ou de interesse social;
c) da vegetação secundária
em estágio médio de regeneração,
quando necessários ao desenvolvimento, pelo pequeno
produtor rural, de atividades agropecuárias imprescindíveis
à sua subsistência e de sua família,
ressalvadas as áreas de preservação
permanente e de reserva legal, estabelecidas na Lei nº
4.771, de 15 de setembro de 1965, e modificações
posteriores.
§ 2º Para os efeitos desta
Lei, considera-se pequeno produtor rural aquele que, residindo
na zona rural, detenha a posse de gleba rural não
superior a 50 hectares, explorando-a mediante o trabalho
pessoal e o de sua família, admitida a ajuda eventual
de terceiros, e cuja renda bruta seja proveniente da atividade
agropecuária ou do extrativismo rural em 80% (oitenta
por cento) no mínimo.
§ 3º O corte e a supressão
da vegetação, nas hipóteses previstas
nas alíneas "a" e "b" do §
1º deste artigo, dependerão:
a) de prévia autorização,
devidamente motivada, do órgão estadual competente,
integrante do SISNAMA, e do IBAMA, em caráter supletivo,
informando-se ao CONAMA;
b) da realização, a critério
do conselho estadual do meio ambiente, de estudo de impacto
ambiental, sem prejuízo do disposto na legislação
para obras de significativo impacto ambiental.
§ 4º O corte e a supressão
da vegetação, na hipótese prevista
na alínea "c" do § 1º deste artigo,
dependerão de licença prévia, devidamente
motivada, do órgão estadual competente, integrante
do SISNAMA, e da averbação em cartório
da área de reserva legal estabelecida na Lei nº
4.771, de 15 de setembro de 1965, e modificações
posteriores.
Art. 5º O corte
eventual de vegetação primária ou de
vegetação secundária em estágio
avançado ou médio da Mata Atlântica,
com finalidade conservacionista, será regulamentado
pelo CONAMA.
Art. 6º É
proibido, nas regiões metropolitanas e áreas
urbanas, assim consideradas em Lei, o parcelamento do solo
para fins de loteamento ou qualquer edificação
em área de vegetação primária
ou de vegetação secundária no estágio
avançado de regeneração da Mata Atlântica.
Art. 7º Nas regiões
metropolitanas e áreas urbanas, assim consideradas
em Lei, o parcelamento do solo para fins de loteamento ou
qualquer edificação em área de vegetação
secundária no estágio médio de regeneração
da Mata Atlântica, devem obedecer o disposto no plano
diretor do município e nas demais legislações
correlatas, e dependerão de prévia autorização
do órgão estadual competente, integrante do
SISNAMA, ressalvado o disposto no art. 8º.
Art. 8º São
proibidos o corte e a supressão da vegetação
ou o parcelamento do solo nas hipóteses previstas
no art. 3, § 1º, no art. 4º, § 1º,
alíneas "a", "b" e "c"
e no art. 7º, se a vegetação:
I - abrigar espécies da flora
e da fauna silvestres ameaçadas de extinção,
no território nacional ou em âmbito estadual,
assim declaradas pela União ou pelos Estados e a
supressão ou o parcelamento puserem em risco a sobrevivência
dessas espécies;
II - exercer a função de
proteção de mananciais ou de prevenção
e controle de erosão;
III - formar corredores entre remanescentes
de vegetação primária ou de vegetação
secundária no estágio avançado de regeneração
da Mata Atlântica;
IV - proteger o entorno das unidades
de conservação; ou,
V - possuir excepcional valor paisagístico.
Parágrafo único. Verificada
a ocorrência do previsto no inciso I deste artigo,
os órgãos integrantes do SISNAMA adotarão
as medidas necessárias para proteger as espécies
da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção.
Art. 9º É
permitida a exploração seletiva de espécies
da flora nativa em área de vegetação
secundária nos estágios médio ou avançado
de regeneração da Mata Atlântica, obedecidas
as seguintes condições:
I - a exploração deve ser
feita de forma sustentável, de acordo com projeto
técnica e cientificamente fundamentado;
II - devem ser asseguradas as condições
necessárias para a reprodução e a sobrevivência
da espécie explorada;
III - devem ser adotadas medidas para
a minimização dos impactos ambientais;
IV - é proibido o corte de espécies
distintas das autorizadas, por meio de práticas de
roçadas, bosqueamento e similares;
V - a exploração não
pode prejudicar o fluxo gênico e o trânsito
de animais da fauna silvestre entre remanescentes de vegetação
primária ou secundária.
§ 1º As diretrizes e critérios
para os projetos de que trata o inciso I do § 1º
deste artigo serão propostos pelo órgão
estadual competente e aprovados pelo conselho estadual do
meio ambiente.
§ 2º O Poder Público
fomentará o manejo sustentável da Araucária
(Araucaria angustifolia), da Caixeta (Tabebuia cassinoides),
do Palmito (Euterpes edulis) e de outras espécies
de significativa importância econômica.
§ 3o As atividades de que trata
este artigo dependem de autorização do conselho
estadual do meio ambiente e, em caráter supletivo,
do IBAMA.
§ 4º A exploração
de espécies nativas comprovadamente plantadas em
terra de pequeno produtor rural, conforme a definição
do § 2º do art. 4º desta Lei, será
autorizada mediante procedimentos simplificados, regulamentados
pelos conselhos estaduais de meio ambiente, informando-se
ao CONAMA.
Art. 10º A exploração
eventual, sem propósito comercial direto ou indireto,
de espécies da flora nativa, para consumo nas propriedades
ou posses das populações tradicionais ou dos
pequenos produtores rurais, conforme a definição
do § 2º do art. 4o desta Lei, independe de autorização
dos órgãos competentes e das demais exigências
previstas no art. 9o.
Parágrafo único. Os órgãos
competentes, sem prejuízo do disposto no "caput
deste artigo, deverão assistir às populações
tradicionais e os pequenos produtores no manejo e exploração
das espécies da flora nativa.
Art. 11º O Poder
Público fomentará o enriquecimento da vegetação
secundárias nos estágios inicial, médio
e avançado de regeneração através
de técnicas de manejo sustentado, bem como o plantio
e o reflorestamento com espécies nativas.
Parágrafo único. As técnicas
e métodos de manejo e enriquecimento de que tratam
este artigo serão estabelecidas pelo órgão
estadual competente, integrante do sisnama, e pelo ibama,
em caráter supletivo, e aprovados pelo CONAMA.
Art. 12º Os órgãos
integrantes do SISNAMA adotarão normas e procedimentos
especiais para assegurar ao pequeno produtor e às
comunidades tradicionais, nos pedidos de autorização
e licença de que trata esta Lei:
I - acesso fácil à autoridade
administrativa, em local próximo ao seu lugar de
moradia;
II - procedimentos simplificados, compatíveis
com o seu nível de instrução e de renda;
III - análise e julgamento prioritário
dos pedidos.
Art. 13º A vegetação
primária ou a vegetação secundária
em qualquer estágio de regeneração
da Mata Atlântica não perderão esta
classificação nos casos de incêndio,
desmatamento ou qualquer outro tipo de intervenção
não autorizada ou licenciada a partir da vigência
desta Lei.
Art. 14º O corte,
a supressão e a exploração da vegetação
secundária em estágio inicial de regeneração
da Mata Atlântica serão regulamentados por
ato do IBAMA, ouvidos o órgão estadual competente
e o Conselho Estadual do Meio Ambiente respectivo, informando-se
ao CONAMA.
Parágrafo único. O corte
e a supressão de que trata este artigo, nos Estados
em que a vegetação remanescente da Mata Atlântica
for inferior a cinco por cento da área original,
obedecerão ao que estabelece o art. 4° desta
Lei.
Art. 15º A definição
de vegetação primária e de vegetação
secundária nos estágios avançado, médio
e inicial de regeneração da Mata Atlântica
serão de iniciativa do IBAMA, ouvidos os órgãos
estaduais competentes, integrantes do SISNAMA, e aprovadas
pelo CONAMA.
Parágrafo único. Qualquer
intervenção na vegetação primária
ou secundária nos estágios avançado
e médio de regeneração somente poderá
ocorrer após atendido o disposto neste artigo.
Art. 16º Novos
empreendimentos que impliquem no corte ou supressão
de vegetação da Mata Atlântica deverão
ser preferencialmente implantados em áreas já
alteradas.
Art. 17º A conservação,
em imóvel rural ou urbano, da vegetação
primária ou da vegetação secundária
em qualquer estágio de regeneração
da Mata Atlântica, tem uma função social.
Art. 18º As áreas
de vegetação primária e de vegetação
secundária nos estágios avançado e
médio de regeneração da Mata Atlântica
são consideradas área não aproveitável
para fins de cálculo do Imposto Territorial Rural
- ITR.
Art. 19º O não
cumprimento do disposto nesta lei sujeitará o infrator,
pessoa física ou jurídica, a penas administrativas,
civis e penais, previstas na Lei nº 9.605, de fevereiro
de 1998.
Art. 20º Os órgãos
integrantes do SISNAMA adotarão as providências
necessárias para o rigoroso e fiel cumprimento desta
Lei, e estimularão estudos técnicos e científicos
visando a conservação e o manejo racional
da Mata Atlântica e sua biodiversidade.
Art. 21º Esta lei
será regulamentada, no que couber, no prazo de 120
(cento e vinte) dias.
Art. 22º Esta lei
entra em vigor na data da sua publicação.
Justificação
A Mata Atlântica talvez seja, em
certo sentido, o mais importante bioma brasileiro. A Mata
Atlântica ofereceu os recursos naturais e o cenário
para as mais importantes realizações históricas
formadoras da nação brasileira. O Brasil começou
e se desenvolveu a partir de e sobre a Mata Atlântica.
A história do desenvolvimento nacional é,
em grande medida, a história da exploração
e devastação das florestas tropicais e subtropicais
que outrora vicejavam exuberantes do litoral norte ao litoral
sul do País, adentrando os planaltos do centro-sul.
Não é por acaso que na origem do nome Brasil
está uma árvore, hoje praticamente extinta
na natureza.
Dos mais de um milhão de quilômetros quadrados
das matas avistadas por Cabral em 1500, hoje não
sobram mais do que 8%. E esses remanescentes continuam sendo
devastados aceleradamente, ao ritmo de dezenas de milhares
de hectares todos os anos, como demonstram estudos recentes
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Fundação
SOS Mata Atlântica e Instituto Socioambiental.
A Mata Atlântica é um dos mais ricos biomas
de todo o mundo em diversidade biológica. Mais importante,
grande número das suas espécies são
endêmicas, vale dizer, só vivem ali e em nenhum
outro lugar. O mais dramático é que a maior
parte das espécies, especialmente aquelas de grupos
inferiores na escala evolutiva, mas também de grupos
mais evoluídos, não é conhecida. Com
certeza um número incontável de espécies
endêmicas da Mata Atlântica já se extinguiu
e continua se extinguindo, sem terem sido ao menos descritas
pela ciência. Não faz muito foi descoberta
uma nova subespécie de mico leão no litoral
do Paraná, descoberta ainda mais surpreendente quando
se sabe que os primatas são um dos mais bem estudados
grupos de animais e que o litoral do Paraná é
uma região de ocupação antiga e densamente
povoada.
A Mata Atlântica representa um patrimônio genético
de valor social e econômico incalculável. O
material genético dos microorganismos, das plantas
e dos animais é a matéria prima da indústria
farmacêutica, da agricultura e de diversos outros
setores industriais modernos. O mercado de produtos farmacêuticos
e agrícolas elaborados a partir do material genético
silvestre pela moderna biotecnologia é da ordem de
bilhões de dólares. Cada espécie que
desaparece leva consigo milhares de genes, dentre os quais
poderíamos encontrar a cura para doenças que
afligem a humanidade ou que poderiam ser usados para melhorar
a produtividade ou mesmo salvar culturas agrícolas
fundamentais.
A Mata Atlântica desempenha um papel crucial na conservação
dos mananciais de água, no controle da erosão,
do deslizamento de encostas e do assoreamento dos rios e
das enchentes, o que se revela ainda mais importante quando
se sabe que 70% da população brasileira vive
na faixa atlântica. O valor da Mata Atlântica
pode ser medido, nesse caso, considerando-se o volume de
recursos gastos todos os anos para assegurar o abastecimento
de água às populações urbanas
e às indústrias, na quantidade e qualidade
adequada, no controle da erosão, na dragagem dos
rios ou no controle e na recuperação dos danos
causados pelos deslizamentos e pelas enchentes.
Outra atividade econômica geradora de riquezas e que
depende da conservação da Mata Atlântica
é o turismo, especialmente o turismo ecológico.
O turismo é uma das três mais importantes atividades
econômicas do planeta, e o ecoturismo é um
dos segmentos da indústria turística de maior
crescimento. A taxa de geração de empregos
em relação ao volume de recursos investidos
é especialmente alta no turismo, o que é particularmente
importante nesse momento em que o País é afligido
por índices recordes de desemprego.
É importante mencionar ainda as várias comunidades
tradicionais que vivem diretamente dos recursos da Mata
Atlântica e deles dependem para a sua subsistência
e reprodução cultural. A destruição
da diversidade biológica implica também uma
perda irreparável de diversidade cultural, de conhecimentos
importantes sobre o bioma, e o empobrecimento de um número
expressivo de comunidades espalhadas por todo o litoral
brasileiro.
Muitas iniciativas vem sendo tomadas pelos governos Federal,
Estaduais e Municipais, bem como por particulares e organizações
da sociedade civil para assegurar a conservação
e o uso sustentável da Mata Atlântica como,
por exemplo, a criação da Reserva da Biosfera
da Mata Atlântica, proposta pelo governo brasileiro
e aprovada pela Unesco. Outra iniciativa importante é
a criação do Museu Aberto do Descobrimento,
com o objetivo de proteger as referências históricas
e culturais associadas ao descobrimento do Brasil e, naturalmente,
os remanescentes da Mata Atlântica do sul da Bahia.
Mencione-se ainda que no início deste ano de 1999
foi aprovado mediante Resolução do Conama
o plano de trabalho do Governo para a conservação
e o desenvolvimento sustentável da Mata Atlântica.
Todos esses e muitos outros esforços correm o risco
de serem perdidos se não for urgentemente estabelecida
uma legislação específica para o bioma.
Será lamentável e uma vergonha para o País,
se na data de comemoração dos 500 anos do
descobrimento do Brasil não tivermos ainda aprovado
a lei da Mata Atlântica.
Essa realidade impõe, portanto, a urgente necessidade
de se regulamentar o uso e a exploração do
que ainda resta da Mata Atlântica. É com essa
preocupação e propósito que apresentamos
o presente projeto. A fauna e a flora da Mata Atlântica
tem um valor histórico, cultural, cientifico incalculável,
que, em si, já seriam suficientes para justificar
um esforço ímpar para a sua conservação.
Mas, mais do que isso, a sua conservação é
condição fundamental para o desenvolvimento
sustentável e a melhoria da qualidade de vida dos
brasileiros, das atuais e das futuras gerações.
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