O
QUE PODE SER PRODUZIDO A PARTIR DO LIXO, EM MATÉRIA
DE ENERGIA
Gás
produzido em aterros vira energia
Unir o útil ao agradável.
Tendo esse objetivo em mente, a Prefeitura de São
Paulo fechou contrato com duas empresas para, até
o fim do ano, dar uma destinação ambientalmente
correta para o gás metano (CH4) expelido pela degradação
do lixo nos aterros sanitários da cidade, usando-o
como fonte alternativa de energia.
Apesar de terem notas boas de IQR, Índice de Qualidade
de Aterro de Resíduos, usado para avaliar a qualidade
da destinação do lixo, os aterros São
João e Bandeirantes nunca trataram o metano.
Produzido naturalmente na decomposição da
matéria orgânica, por ação do
ar, da luminosidade, da umidade ou de bactérias,
o gás é simplesmente jogado na atmosfera,
onde muitas vezes se queima espontaneamente e provoca danos
ambientais e à saúde.
O metano é um dos gases que contribuem para o aumento
do efeito estufa - o aprisionamento da radiação
solar da atmosfera, que provoca o aquecimento excessivo
do planeta, mudanças climáticas e, a longo
prazo, pode causar tragédias como a inundação
de cidades litorâneas.
A queima incompleta do gás - como a que acontece
quando ele entra em contato com o oxigênio do ar -
produz monóxido de carbono (CO), que é tóxico.
Aproveitando-se da atual crise no setor energético,
a Secretária do Verde e do Meio Ambiente do município
conseguiu interessados para tocar um projeto que estava
na "gaveta" desde a gestão Paulo Maluf
(1993-1996).
A geração de energia serviu como compensação
econômica. As empresas que venceram a licitação
não receberão nenhum centavo para transformar
lixo em eletricidade. O ganho virá com a venda de
energia para a Eletropaulo (companhia distribuidora). A
estimativa oficial é que os gases captados no São
João e no Bandeirantes gerem juntos 14 mil kWh -
quantidade de energia suficiente para abastecer cerca de
14 mil casas de classe média.
As empresas que farão o conversão do gás
em eletricidade vão produzir exatamente o que a prefeitura
consome em seus prédios e devolver essa energia gasta
à realidade. Foi a forma de enquadrar a "planta
de metano" às regras de produção
da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
A Enterpa Engenharia Ambiental será responsável
pelo processo no aterro São João, e a Biogás
Energia Ambiental S.A. fará a conversão no
Bandeirantes.
A prefeitura, por sua, também terá um lucro,
além do ambiental. Para explorar o metano, as empresas
pagarão, cada uma, um valor simbólico de R$
3.500. A Secretaria de Serviços e Obras, que cuida
da destinação do lixo, também irá
economizar por não ter mais de fazer alguns serviços
de manutenção nos aterros.
Na Europa e nos Estados Unidos, o uso do lixo orgânico
para geração de energia é mais comum.
Nesses casos, porém, o uso do metano já foi
em grande parte substituído pela queima direta dos
resíduos, cujo poder calorífico é maior
que o do gás.
O projeto a ser desenvolvido em São Paulo começa
com a captação do gás por meio de tubos
subterrâneos no aterro e sua canalização
para uma estação de controle.
Lá são controlados fatores de risco como o
teor de oxigênio (O2) em contato com o metano, de
forma que ele não fique numa concentração
tão alta a ponto de provocar uma explosão.
Depois disso, o metano é purificado, para que sejam
eliminadas substâncias como o gás carbônico
(CO2) e impurezas, também produto da degradação
do lixo, mas que não são combustíveis.
Finalmente, o gás vindo do lixo é canalizado
para uma pequena usina, onde fará funcionar um motor
de combustão ao qual está acoplado um gerador
de energia.
Outras alternativas possíveis para o metano são
a sua compressão e posterior utilização
como combustível em carros e sua aplicação
na indústria para aquecimento de caldeiras, por exemplo.
Tais usos não estão previstos nos atuais contratos,
mas são cogitados pelos técnicos da Secretaria
do Verde e do Meio Ambiente.
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Catador
abandonou botijão para cozinhar
Todo o lixo da casa do pernambucano
Jocemar Silveira, 29, é atualmente reaproveitado.
Os materiais inorgânicos vão para a reciclagem;
os orgânicos são usados para produzir gás
de cozinha. A comida preparada com o metano que vem da degradação
do lixo tem um sabor especial. Catador em São Paulo
há mais de dez anos, Silveira que só estudou
até a oitava série do ensino fundamental,
construiu sozinho o biodigestor que transforma restos de
comida em combustível.
O protótipo, em funcionamento desde abril, abastece
as seis pessoas da família de Silveira e é
um exemplo do autodidatismo e da experiência prática
do catador.
"Pela observação do lixo, percebi
que os sacos onde ficavam guardados os resíduos orgânicos,
depois de um certo tempo, inchavam e ficam suados, molhados
do lado de fora" conta Silveira.
Estudando por conta própria o fenômeno, ele
chegou a conclusão de que o "inchaço"
era causado pelo gás metano que emana no processo
de degradação orgânica e que poderia
ser reaproveitado.
"Nós (da Associação de Catadores
do Núcleo Habitacional Pedra Sobre Pedra, na sul
de São Paulo, presidida por Silveira) pensávamos
em dar outra destinação para o material orgânico,
além da compostagem", diz. "O metano
é um combustível alternativo, já que
o gás de cozinha tradicional (mistura de butano e
propano) é derivado do petróleo, um recurso
não-renovável".
O protótipo custou R$ 200, segundo Silveira. O cilindro
de 1 m de comprimento e 30 cm de diâmetro onde ficam
os restos e o metano foram encontrados no lixo; os mecanismos
de controle de pressão e as válvulas reguladoras
custaram, ao todo, R$ 180; e a execução do
projeto consumiu R$ 20.
O biodigestor levou seis meses para ser concluído.
"Já estou economizando até R$ 38 por
mês por não ter de comprar dois botijões
de gás de cozinha", diz. Os dois primeiros
meses de teste revelaram que 25 quilos de metano - quase
um botijão.
"Agora eu preciso de ajuda de universidades, iniciativa
privada e poder público para continuar os estudos
e produzir em larga escala. Mas, se não conseguir,
vou começar sozinho mesmo. Sou um homem prático",
afirma Silveira. A utilização do metano na
cozinha é considerada restrita em razão da
necessidade de uma pressão muito alta para liquefazer
o gás, de forma que ele se torne mais seguro para
o uso doméstico. No estado gasoso, os riscos de explosão
são muito maiores em razão da volatilidade.
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Região
francesa tem usina desde 92
A exemplo de diversas cidades
norte-americanas e européias, a comunidade francesa
de Cergy-Pontoise, que reúne 11 pequenas vilas a
25 km de Paris, tem, desde 1992, uma grande usina de reaproveitamento
de lixo, onde os resíduos orgânicos são
usados como fonte alternativa de energia.
A tecnologia, porém, é diferente: chama-se
"waste to energy" (do lixo à energia) e
consiste da queima direta do material nas casas, e não
da utilização do metano produzido naturalmente
na sua degradação.
Com a combustão do lixo, são gerados 150 mil
MWh, suficientes para abastecer a própria usina e
mais 30 mil casas na região, que tem 200 mil habitantes.
Apesar de ambientalistas afirmarem que a incineração
do lixo não é uma saída porque ela
produz gases estufa, o sindicato que administra Cergy-Pontoise
e foi o responsável pela implantação
da usina diz que esses gases passam por um tratamento de
filtragem e lavagem, indo para a atmosfera com poluentes
em níveis abaixo do máximo recomendável.
A queima direta do material orgânico é considerada
mais eficiente do ponto de vista energético do que
a do metano.
Segundo Luciano Basto Oliveira, pesquisador da Coppe/UFRJ
(Coordenação de Programas de Pós-Graduação
em Engenharia), o aproveitamento do lixo produzido no Brasil
- incluindo a reciclagem, a queima do metano e da celulignina,
produzida na pré-hidrólise do material orgânico
- poderia responder por até 15% da energia consumida
no país.
Em Gergy-Pontoise, a conversão do lixo orgânico
em energia faz parte de um processo que inclui ainda a triagem
de material reciclável e seu encaminhamento para
a reutilização e a compostagem do material
orgânico.
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A energia
que vem do lixo
Resíduos agrícolas,
como bagaço de cana, casca de arroz e até
estrume das vacas, são alternativas para a crise
Dos resíduos das
fazendas brasileiras poderá sair parte da solução
para a crise energética em que se encontra o país
atualmente.
A ameaça de apagões, por conta do déficit
no fornecimento de energia, tem colocado em destaque os
projetos de co-geração de energia a partir
do bagaço da cana-de-açúcar executados
atualmente pelas usinas paulistas.
Este ano, essas usinas deverão gerar apenas 80 megawatts
(MW), aproximadamente. O potencial de produção
de energia das cerca de 30 usinas da região de Ribeirão
Preto, principal área sucroalcooleira do Estado,
é de cerca de 1700 megawatts, segundo Iso Brasil,
da IR Consultoria, de Ribeirão Preto (SP).
Essa quantidade, afirma ele, seria suficiente para suprir
cerca de 10% da energia consumida no Estado de São
Paulo. A Coopersucar, que possui o principal centro brasileiro
de pesquisa da cana, diz já haver disponível
no exterior tecnologia para dobrar esse potencial. "O
Brasil tem de partir para a diversificação",
diz Suani Teixeira, professora da USP e coordenadora do
Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio).
Ela diz que outros materiais podem gerar energia, como a
casca de arroz e os resíduos de madeiras e de indústrias
de papel e celulose, além dos óleos vegetais.
"O lixo urbano e até mesmo o esterco podem
ser aproveitados por biodigestores para gerar eletricidade",
afirma o físico José Goldemberg, professor
da USP.
Em um país agrícola como o Brasil, diz ele,
a energia proveniente de materiais orgânicos pode
ter uma ampla utilização. "Mas precisamos
aprimorar essas tecnologias, que foram desprezadas por muito
tempo".
Investimentos:
Tecnologia que começou
a ser adotada há quase 20 anos, a energia gerada
a partir da queima do bagaço da cana é hoje
vendida por 12 das cerca de 80 usinas do Estado a empresas
do setor elétrico.
Antes de sua utilização para a co-geração
de energia, o bagaço era apenas um resíduo
da produção sucroalcooleira, sendo utilizado,
no máximo, na formulação de algumas
rações para o gado.
"Até recentemente, o interesse das usinas
na geração de energia elétrica a partir
do bagaço era pequeno", diz Cícero
Junqueira Franco, vice-presidente da Companhia Açucareira
Vale do Rosário, em Morro Agudo (SP).
Ela é hoje a principal usina fornecedora de energia
para a CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz),
com quem mantém um contrato de longo prazo.
A Vale do Rosário produziu no ano passado 17 megawatts
a partir do bagaço da cana. A empresa pretende este
ano aumentar a produção para 30 megawatts.
"Os investimentos tendem a aumentar a partir de
agora", diz o consultor Mircea Manolescu.
Outras usinas paulistas também estão ampliando
sua capacidade. Na Moema, em Orindiúva, a produção
irá saltar de 1,7 megawatts para 10 megawatts este
ano.
Já a Santo Antonio, em Sertãozinho, está
investindo R$ 17 milhões para aumentar sua capacidade
de co-geração de 10 megawatts para 26 megawatts
em 2002.
"Uma das grandes vantagens é que as usinas
geram durante a safra, que vaia de maio a setembro. É
justamente nesse período que os reservatórios
das hidroelétricas estão vazios",
diz Cícero Junqueira Franco, da Vale do Rosário.
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Estrume
pode movimentar geradores
Instalações
que permitem processar materiais orgânicos, os biodigestores
não têm o mesmo potencial de geração
de energia que possui a queima do bagaço da caba
e da casca do arroz.
Eles podem, no entanto, ser uma alternativa para pequenas
propriedades rurais, segundo o professor Jorge de Lucas
Junior, da Unesp de Jaboticabal (SP).
No caso de fazendas de produção de leite,
por exemplo, as fezes dos animais poderiam contribuir para
acender algumas lâmpadas.
O biodigestor extrai dos dejetos o biogás, que pode
movimentar motores a combustão, que, nesse processo,
fariam o papel de uma turbina. A turbina, finalmente, movimenta
o gerador de energia elétrica.
"É um processo ainda pouco utilizado, mas
que é economicamente viável", diz
o professor.
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Casca
de arroz vai iluminar cidades
Sobra do beneficiamento,
a casca do arroz será utilizada este ano por produtores
gaúchos para a produção de energia
elétrica.
A tecnologia está sendo levada para a região
de Uruguaiana (650 km de Porto Alegre) pela BK, uma joint-venture
das empresas Brennard e Koblitz, com sede em Recife (PE).
O projeto envolve ainda uma das maiores beneficiadoras de
arroz do país, a Zaeli Alimentos.
A casca, que representa cerca de 23% do volume do arroz
e não tem até agora nenhuma utilidade, será
utilizada como combustível das caldeiras em uma usina
instalada em terreno cedido pela Zaeli.
O vapor resultante da queima da casca nas caldeiras movimentará
as turbinas, que acionarão os geradores de energia.
"A lógica é a mesma da queima do bagaço
da cana", afirma o engenheiro da BK Janilson Ribeiro,
coordenador do projeto.
Segundo ele, a usina de Uruguaiana terá capacidade
para gerar 8 megawatts, processando cerca de 9 t de casca
por hora.
"Isso é o suficiente para abastecer uma cidade
de até 60 mil habitantes", diz.
Segundo Ribeiro, a usina entrará funcionamento a
partir do mês de agosto.
Outras duas unidades estão sendo construídas
no Estado. A primeira será instalada no município
de Capão do Leão (300 km de Porto Alegre),
e a Segunda, em Dom Pedro (400 km de Porto Alegre).
Ribeiro afirma que o Estado tem capacidade para abrigar
cerca de dez usinas como essas.
Com isso, diz ele, o potencial de produção
seria de até 100 MW, o suficiente para atender uma
cidade de 650 mil habitantes.
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Gás
pode dobrar o potencial energético da sobra da cana
Pelos cálculos dos
pesquisadores, as usinas não produzem hoje nem 5%
de seu potencial de geração de energia elétrica
a partir da queima do bagaço da cana, estimado em
aproximadamente 1.700 megawatts.
Em fase de estudo na Europa, um novo método de processamento
do bagaço, no entanto, poderia dobrar esse potencial.
Quem garante é o gerente de tecnologia ambiental
do Centro de tecnologia Coopersucar (CTC), com sede em Piracicaba
(SP), Régis Lima.
Em vez de queima do bagaço em caldeiras, como se
faz atualmente, o método consiste na produção
de gases combustíveis a partir dessa matéria-prima.
Esses gases fariam girar as turbinas e os geradores das
usinas com maior eficiência do que o método
empregado atualmente.
Desse processo resultaria ainda o vapor, que também
seria utilizado para movimentar geradores, mas no sistema
tradicional.
"Com isso, o potencial de produção
de energia poderia ser dobrado", afirma Lima.
Segundo ele, a tecnologia está sendo desenvolvida
pela TPS, empresa com sede na Suécia, com quem o
CTC mantém convênio.
A TPS iniciou as pesquisas com a intenção
de aproveitar os restos das indústrias madeireiras
locais.
"A nosso pedido, eles adaptaram o processo para
o bagaço da cana. Os estudos vêm sendo feitos
desde 98", afirma.
Segundo Lima, a tecnologia deverá ser utilizada em
escala comercial em cerca de cinco anos.
De acordo com ele, para que isso ocorra, serão necessários
incentivos governamentais que tornem esses projetos economicamente
viáveis.
"As usinas de cana teriam de gastar muito dinheiro
para adaptar o sistema atual, de queima, para o gaseificação
do bagaço".
Ele diz ainda que a TPS também está realizando
estudos para que a palha da cana seja aproveitada no processo
de gaseificação.
"Estamos caminhando para o fim das queimadas na
colheita da cana. Com isso, poderemos dar alguma destinação
à palha, que hoje é totalmente perdida",
diz.
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