'Brasil
está mal acostumado', diz gestor do Marrocos, sede
do 1º Fórum Mundial da Água; leia entrevista
Diretor do 'Ministério da Água'
marroquino está em Brasília, cidade-sede mais
chuvosa da história do megaevento.
Por Lucas Vidigal, G1 DF
- 22/03/2018 05h14 Atualizado 22/03/2018 06h10 - O brasileiro
está "mal acostumado" a ter água
em abundância, afirmou ao G1 o diretor de planejamento
do Ministério da Água do Marrocos, Abdeslam
Ziyad. O gestor está em Brasília para o 8º
Fórum Mundial da Água, que tem programação
aberta ao público até a próxima sexta-feira
(23).
Ziyad representa uma nação
habituada ao clima desértico e baixo volume de chuvas
anual. O cenário é bem diferente do Brasil,
detentor de mais de 10% da água doce do planeta –
e que, mesmo assim, passa por crise hídrica. Uma
em cada seis cidades brasileiras corre risco hídrico,
segundo estudo apresentado durante o evento.
Fórum Mundial da
Água: 1 em cada 6 cidades do Brasil corre risco hídrico
Mesmo assim, o Distrito Federal sofre cortes no abastecimento
por falta de água nos reservatórios. A situação
não se repete em regiões marroquinas como
Marrakesh, cidade em região semi-árida próxima
ao deserto do Saara e que sediou a primeira edição
do Fórum Mundial da Água, em 1997.
'Aprender com a escassez'
Por isso, tanto autoridades como cidadãos brasileiros
precisam, para Ziyad, aprender com a “cultura da escassez”.
Sem chuvas abundantes, o Marrocos prevê, com anos
de antecedência, os sistemas de captação
e abastecimento de água.
"Não são
apenas obras. Existe um planejamento antecipado para orientar
a sociedade civil sobre o uso da água. Empresas e
cidadãos pagam tarifas altas se desperdiçam."
A vantagem é que o brasiliense pode acompanhar diariamente
a situação dos reservatórios. A Agência
Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Ambiental
do DF (Adasa) divulga, todos os dias, os níveis das
barragens de Santa Maria e do Descoberto.
O morador de Marrakesh,
sede do primeiro Fórum, não tem a mesma facilidade:
o órgão regulador da bacia hidrográfica
local disponibiliza os volumes das represas apenas para
pessoas cadastradas.
Oásis subterrâneos
Dados do Ministério da Água marroquino mostram
que metade dos recursos hídricos do país está
concentrada em apenas 7% do território – quase
sempre, na região mediterrânea. No restante
do Marrocos, onde o deserto predomina, a população
local é abastecida por aquíferos no subsolo.
A tecnologia remonta à
Idade Média. Os povos que viviam na região
próxima a Marrakesh perfuravam o solo em busca de
água. Construíram canais com os recursos hídricos
dos aquíferos da região: os khettara.
Os métodos se desenvolveram,
mas o Ministério da Água marroquino ainda
destaca as captações nos aquíferos
do país. "A água subterrânea continua
como uma de nossas prioridades para o abastecimento",
afirmou Zayid, diretor de planejamento da pasta.
Água de reúso
O desafio, segundo o governo do Marrocos, é garantir
o abastecimento por outros meios, especialmente para a agricultura.
O país tem usinas de dessalinização
da água do mar, e o número de reservatórios
no país mais do que dobrou desde os anos 1990.
O Ministério da Água
local, porém, preferiu exibir os resultados dos investimentos
em reutilização durante o Fórum Mundial.
Segundo dados publicados pelo órgão marroquino,
o número de estações de purificação
de água saltou de apenas um, em 2003, para 93 em
2017.
Esse método, no entanto,
não deveria atender o consumo humano, ressaltou Zayid.
"Nós sempre priorizamos a água potável
em nossas políticas", afirmou. O governo marroquino
prevê que a água reutilizada abasteça
a agricultura. Hoje, somente 12% desse recurso chega aos
agricultores.
Da mais seca, para a mais
chuvosa
Em racionamento de água há mais de um ano,
Brasília é a cidade mais chuvosa a sediar
o Fórum Mundial da Água. Levantamento do G1
com os órgãos de meteorologia das oito nações
que receberam o evento mostra que, por ano, o volume médio
de chuva é maior na capital brasileira do que em
qualquer outra antiga sede.
O que fazer, Brasil?
Diante dos exemplos marroquinos e da crise hídrica,
o professor José Francisco Gonçalves Júnior,
especialista em ecossistemas aquáticos pela Universidade
de Brasília (UnB), admitiu: o Brasil pecou em achar
que nunca faltaria água. Segundo ele, o estado não
se preparou para estiagens atípicas.
"A maioria da classe
política atribui a crise às mudanças
climáticas. Até tem uma razão de ser,
mas a escassez não se explica só com isso.
Falta planejamento para enfrentar os chamados ciclos longos,
quando o clima atinge situações extremas vistas
a cada dez ou 50 anos, por exemplo."
Além do planejamento
para situações críticas, Gonçalves
apontou o descuido com o meio-ambiente como uma das razões
para a crise hídrica. "As áreas ao redor
dos rios, lagos e nascentes ficaram desprotegidas com o
desmatamento das matas marginais", diz.
Drones e celulares na gestão
da água: veja destaques do 3º dia
Gonçalves cita regiões do DF como Águas
Claras, onde, segundo ele, construções foram
feitas sobre uma área rica em fontes de riachos.
"Os prédios construídos ali selaram as
nascentes."
Fórum Mundial da
Água
Esta é a oitava edição do Fórum
Mundial da Água, realizado a cada três anos
em um país diferente. A primeira edição
ocorreu em 1997, em Marrakesh, no Marrocos, e a última
em 2015, em Daegu, na Coreia do Sul. O evento ocorre na
semana do Dia Mundial da Água, comemorado nesta quinta-feira
(22).
O encontro deste ano traz
o tema "Compartilhando Água". O objetivo,
segundo os organizadores, é estabelecer compromissos
políticos e incentivar o uso racional, a conservação,
a proteção, o planejamento e a gestão
da água em todos os setores da sociedade.
Do G1