Entrevista:
Carlos Nobre, presidente do Painel Brasileiro de Mudanças
do Clima
COP
15: Líderes mundiais devem levar em conta as evidências
científicas
Carlos
Nobre é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais e prêmio Nobel 2007 pelo Painel Intergovernamental
sobre Mudanças do Clima. Nesta entrevista, Nobre,
que preside o Fórum Brasileiro de Mudanças
do Clima, fala sobre a experiência do Brasil no monitoramento
de f loresta tropical e sobre o desafio de unir ciência
e política na COP 15.
Em
2008, o governo brasileiro criou o Painel Brasileiro sobre
Mudanças do Clima. Quais iniciativas já estão
em andamento?
O
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas é
um órgão semelhante ao Painel Intergovernamental
sobre Mudança do Clima (IPCC). Ele não realiza
ou fomenta pesquisas.
O
que de fato é papel desse painel é fazer uma
avaliação sistemática e rigorosa do
estado do conhecimento cientifico no Brasil. Onde as alterações
climáticas estão ocorrendo? Com qual velocidade
o clima esta mudando? Quais os impactos que já estão
ocorrendo em todos os setores, na saúde, nas cidades,
na agricultura, biodiversidade e quais seus impactos futuros,
com base nos cenários projetados?
Esperamos
responder perguntas desse nível e também mapear
as experiências bem sucedidas. Afinal, o Brasil tem
muitas ações efetivas e com ótimos
resultados no combate ao desmatamento, o principal desafio
do País para reduzir suas emissões.
Assim,
estamos trabalhando para que o primeiro relatório
seja concluído até 2012. Com isso, poderemos
enviar esse documento para o IPCC que vai lançar
o 5º Relatório de Avaliação em
2014.
O
Brasil é líder no monitoramento de florestas
tropicais. Existem planos ou alguma estratégia para
que o País possa se tornar agente multiplicador para
capacitação em outros países?
Sem
dúvida o Brasil tem o melhor sistema de monitoramento
de alteração da vegetação do
mundo. Na Amazônia já temos grande experiência
e agora o próximo passo é mapear o Cerrado,
até cobrir todo o País. São 21 anos
de experiência.
Hoje,
já existem parcerias com todos os paises amazônicos.
Essa cooperação começa a cruzar o Atlântico
e seguir para da África. Recentemente a Indonésia
também manifestou interesse em conhecer nossa experiência.
Lá, nos últimos três anos, as taxas
de desmatamento são maiores do que no Brasil.
Como
um futuro acordo climático pode contribuir para que
o Brasil amplie a cooperação internacional
nessa área?
O
acúmulo de conhecimento e a tecnologia adquirida
pelo Brasil ao longo desses 21 anos serão fundamentais
quando a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima aprovar um mecanismo
de Redução de Emissões para o Desmatamento
e Degradação, o REDD.
Muitos
países vão precisar de um sistema confiável
de monitoramento e nós desejamos que nossos sistemas
sejam aplicados universalmente, principalmente em paises
tropicais.
Além
disso, um novo sistema será lançado em dezembro
um sistema que vai, além de monitorar o desmatamento
e a alteração da vegetação,
calcular o quanto isso representa em termos de redução
de emissões. É um sistema de contabilidade
de carbono para usos da terra, desenvolvido por várias
instituições brasileiras.
Há
otimismo de que as negociações em Copenhague
não sejam meramente políticas?
Eu
ainda acredito que os principais líderes vão
levar em conta as evidências científicas que
o IPCC vem mostrando, em especial o alerta para o aumento
perigoso da temperatura e as conseqüências da
inação.
De
forma que ainda tenho esperança de que as nações
não faltem a este momento de responsabilidade e que
os compromissos possam ser de grande alcance. Obviamente,
os EUA têm um papel de liderança mundial em
é impossível imaginar um avanço das
negociações sem um posicionamento forte dessa
nação.
Nunca
é demais lembrar que se não conseguirmos mudar
a curva do aquecimento global nos próximos 20 ou
30 anos, há um risco muito alto de vivenciarmos alterações
climáticas de caráter irreversível.
Podem ser necessários milhares de anos para que a
Terra possa retomar o equilíbrio. Todos os esforços
são indispensáveis nesse momento crítico
em que corremos o risco de deixar o Planeta aquecer perigosamente.
Desde
a criação do IPCC, em 1988, houve um grande
avanço na comunicação entre a comunidade
científica e a sociedade, mas isso ainda não
se traduziu em mudanças em atitudes. Qual o caminho?
É
inegável que nos últimos 15, 20 anos houve
aumento expressivo do nível de consciência
da sociedade global sobre questões ligadas ao meio
ambiente. Os próprios meios de comunicação
começaram a dedicar mais atenção ao
tema e a informação já circula com
muito mais facilidade devido, até mesmo, à
gravidade da situação.
No
entanto, ainda falta transformar o conhecimento em ação.
Não basta que o cidadão espere apenas pelos
governantes. É preciso também que a humanidade
passe por uma transformação cultural para
um nível de pós-consumismo, entendendo que
é preciso diminuir a qualidade de vida, mas conquistá-la
com outra perspectiva.
Nesse
sentido, ainda há um longo caminho e é preciso
investir em educação ambiental para todos.
Crianças, adolescentes devem ser estimulados a pensar
o mundo com uma outra visão, de modo que eles possam
se sentir agentes transformadores e responsáveis
pelo mundo do futuro.
Da MMA