Discurso do Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva
Discurso
do Presidente da República, Luiz Inácio Lula
da Silva, durante sessão plenária de debate
informal na Conferência das Partes da Convenção
das Nações Unidas sobre Mudança do
Clima (COP-15)
Copenhague-Dinamarca,
18 de dezembro de 2009
Senhor
Presidente,
Senhor Secretário-Geral,
Senhores e senhoras chefes de Estado,
Senhores e senhores chefes de Governo,
Amigos e amigas,
Confesso
a todos vocês que estou um pouco frustrado porque
há muito tempo discutimos a questão do clima
e, cada vez mais, constatamos que o problema é mais
grave do que nós possamos imaginar.
Pensando
em contribuir para a discussão nesta Conferência,
o Brasil teve uma posição muito ousada. Apresentamos
as nossas metas até 2020, assumimos um compromisso
e aprovamos no Congresso Nacional, transformando em lei
que o Brasil, até 2020, reduzirá as emissões
de gases de efeito estufa de 36,1% a 38,9%, baseado em algumas
coisas que nós consideramos importantes: mudança
no sistema da agricultura brasileira; mudança no
sistema siderúrgico brasileiro; mudança e
aprimoramento da nossa matriz energética, que já
é uma das mais limpas do mundo; e assumimos o compromisso
de reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% até
2020.
E
fizemos isso construindo uma engenharia econômica
que obrigará um país em desenvolvimento, com
muitas dificuldades econômicas, a gastar até
2020 US$ 166 bilhões, o equivalente a US$ 16 bilhões
por ano. Não é uma tarefa fácil, mas
foi necessário tomar essas medidas para mostrar ao
mundo que, com meias palavras e com barganhas, a gente não
encontraria uma solução nesta Conferência
de Copenhague.
Tive
o prazer de participar ontem à noite, até
às duas e meia da manhã, de uma reunião
que, sinceramente, eu não esperava participar, porque
era uma reunião onde tinha muitos chefes de Estado,
figuras das mais proeminentes do mundo político e,
sinceramente, submeter chefes de Estado a determinadas discussões
como nós fizemos antes [ontem], há muito tempo
eu não assistia.
Eu,
ontem, estava na reunião e me lembrava do meu tempo
de dirigente sindical, quando estávamos negociando
com os empresários. E por que é que tivemos
essas dificuldades? Porque nós não cuidamos
antes de trabalhar com a responsabilidade com que era necessário
trabalhar. A questão não é apenas dinheiro.
Algumas pessoas pensam que apenas o dinheiro resolve o problema.
Não resolveu no passado, não resolverá
no presente e, muito menos, vai resolver no futuro. O dinheiro
é importante e os países pobres precisam de
dinheiro para manter o seu desenvolvimento, para preservar
o meio ambiente, para cuidar das suas florestas. É
verdade. Mas é importante que nós, os países
em desenvolvimento e os países ricos, quando pensarmos
no dinheiro, não pensemos que estamos fazendo um
favor, não pensemos que estamos dando uma esmola,
porque o dinheiro que vai ser colocado na mesa é
o pagamento pela emissão de gases de efeito estufa
feita durante dois séculos por quem teve o privilégio
de se industrializar primeiro.
Não
é uma barganha de quem tem dinheiro ou quem não
tem dinheiro. É um compromisso mais sério,
é um compromisso para saber se é verdadeiro
ou não o que os cientistas estão dizendo,
que o aquecimento global é irreversível. E,
portanto, quem tem mais recursos e mais possibilidades precisa
garantir a contribuição para proteger os mais
necessitados.
Todo
mundo se colocou de acordo que precisamos garantir os 2%
de aquecimento global até 2050. Até aí,
todos estamos de acordo. Todo mundo está consciente
de que só é possível construirmos esse
acordo se os países assumirem, com muita responsabilidade,
as suas metas. E mesmo as metas, que deveriam ser uma coisa
mais simples, tem muita gente querendo barganhar as metas.
Todos nós poderíamos oferecer um pouco mais
se tivéssemos assumido boa vontade nos últimos
períodos.
Todos
nós sabemos que é preciso, para manter o compromisso
das metas e para manter o compromisso do financiamento,
a gente, em qualquer documento que for aprovado aqui, a
gente tem que manter os princípios adotados no Protocolo
de Quioto e os princípios adotados na Convenção-Quadro.
Porque é verdade que nós temos responsabilidades
comuns, mas é verdade que elas são diferenciadas.
Eu
não me esqueço nunca que quando tomei posse,
em 2003, o meu compromisso era tentar garantir que cada
brasileiro ou brasileira pudesse tomar café de manhã,
almoçar e jantar. Para o mundo desenvolvido, isso
era coisa do passado. Para a África, para a América
Latina e para muitos países asiáticos, ainda
é coisa do futuro. E isso está ligado à
discussão que estamos fazendo aqui, porque não
é discutir apenas a questão do clima. É
discutir desenvolvimento e oportunidades para todos os países.
Eu
tive conversas com líderes importantes e cheguei
à conclusão de que era possível construir
uma base política que pudesse explicar ao mundo que
nós, presidentes, primeiros-ministros e especialistas,
somos muito responsáveis e que iríamos encontrar
uma solução. Ainda acredito, porque eu sou
excessivamente otimista. Mas é preciso que a gente
faça um jogo, não pensando em ganhar ou perder.
É verdade que os países que derem dinheiro
têm o direito de exigir a transparência, têm
direito até de exigir o cumprimento da política
que foi financiada. Mas é verdade que nós
precisamos tomar muito cuidado com essa intrusão
nos países em desenvolvimento e nos países
mais pobres. A experiência que nós temos, seja
do Fundo Monetário Internacional ou seja do Banco
Mundial nos nossos países, não é recomendável
que continue a acontecer no século XXI.
O
que nós precisamos... e vou dizer, de público,
uma coisa que eu não disse ainda no meu país,
não disse à minha bancada e não disse
ao meu Congresso: se for necessário fazer um sacrifício
a mais, o Brasil está disposto a colocar dinheiro
também para ajudar os outros países. Estamos
dispostos a participar do financiamento se nós nos
colocarmos de acordo numa proposta final, aqui neste encontro.
Agora,
o que nós não estamos de acordo é que
as figuras mais importantes do planeta Terra assinem qualquer
documento, para dizer que nós assinamos documento.
Eu adoraria sair daqui com o documento mais perfeito do
mundo assinado. Mas se não tivemos condições
de fazer até agora – eu não sei, meu
querido companheiro Rasmussen, meu companheiro Ban Ki-moon
– se a gente não conseguiu fazer até
agora esse documento, eu não sei se algum anjo ou
algum sábio descerá neste plenário
e irá colocar na nossa cabeça a inteligência
que nos faltou até a hora de agora. Não sei.
Eu
acredito, como eu acredito em Deus, eu acredito em milagre,
ele pode acontecer, e quero fazer parte dele. Mas, para
que esse milagre aconteça, nós precisamos
levar em conta que teve dois grupos trabalhando os documentos
aqui, que nós não podemos esquecer. Portanto,
o documento é muito importante, dos grupos aqui.
Segundo,
que a gente possa fazer um documento político para
servir de base de guarda-chuva, também é possível
fazer, se a gente entender três coisas: primeiro,
Quioto, Convenção-Quadro, MRV, não
podem adentrar a soberania dos países – cada
país tem que ter a competência de se autofiscalizar
– e, ao mesmo tempo, que o dinheiro seja colocado
para os países efetivamente mais pobres.
O
Brasil não veio barganhar. As nossas metas não
precisam de dinheiro externo. Nós iremos fazer com
os nossos recursos, mas estamos dispostos a dar um passo
a mais se a gente conseguir resolver o problema que vai
atender, primeiro, a manutenção do desenvolvimento
dos países em desenvolvimento. Nós passamos
um século sem crescer, enquanto outros cresciam muito.
Agora que nós começamos a crescer, não
é justo que voltemos a fazer sacrifício.
No
Brasil ainda tem muitos pobres. No Brasil tem muitos pobres,
na África tem muitos pobres, na Índia e na
China tem muitos pobres. E nós também compreendemos
o papel dos países mais ricos. Eles, também,
não podem ser aqueles que vão nos salvar.
O que nós queremos é apenas, conjuntamente,
ricos e pobres, estabelecer um ponto comum que nos permita
sair daqui, orgulhosamente, dizendo aos quatro cantos do
mundo que nós estamos preocupados em preservar o
futuro do planeta Terra sem o sacrifício da sua principal
espécie, que são homens, mulheres e crianças
que vivem neste mundo.
Muito
obrigado.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Da MMA