Serra
da Mantiqueira é considerada ‘insubstituível’
na Terra
Mas CONDEPHAAT quer arquivar processo de tombamento, entenda
03/02/2014
- Artigo publicado em 10 de janeiro de 2014, no jornal Folha
de São Paulo
Modesto Carvalhosa - TENDÊNCIAS/DEBATES
Retrocesso
à vista
A mais alta ciência pede ação urgente
de proteção à serra da Mantiqueira,
e o órgão técnico do Condephaat quer
arquivar seu tombamento?
Tomei
conhecimento, estarrecido, de que o serviço técnico
do Condephaat (órgão responsável pela
preservação do patrimônio histórico
e artístico da Secretaria da Cultura do Estado de
São Paulo) elaborou um lamentável parecer
a ser analisado por seu conselho propondo o arquivamento
da proposta de tombamento da serra da Mantiqueira.
Estarrecido
porque, há pouco tempo, esse era um dos raros setores
do governo que ainda apresentava, se não criatividade,
pelo menos resistência ao retrocesso. Lamentável
porque não faz nenhum sentido uma opinião
técnica tão contrária ao interesse
público.
Considerar
que a Mantiqueira não deva ser objeto de estudo como
patrimônio do Estado é negar a importância
desse fenômeno natural dos mais expressivos do planeta.
Essa serra abriga o ponto mais elevado do Estado. É
o acidente geográfico mais representativo da separação
da América do Sul da África.
Estudos
recentes da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
em parceria com a Fapesp (Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo) --os mais
profundos e precisos já realizados no país--
indicaram como prioridade a proteção desse
corredor para garantir a sobrevivência de inúmeras
espécies ameaçadas de extinção,
muitas delas que só aí existem.
A
União Internacional de Conservação
da Natureza, a mais distinguida organização
a tratar da questão, considera entre as dez principais
áreas de importância para a proteção
da biodiversidade a serra da Mantiqueira, que, ademais,
é fenômeno marcante na paisagem e na história
de São Paulo.
A
propósito, o tombamento da serra do Mar pelo Condephaat
no governo Montoro, em 1985, tornou-se a base de uma importantíssima
reserva da biosfera da Unesco. Em consequência, o
Paraná tombou a porção da serra do
Mar em seu território em 1986, de modo que hoje temos
o tombamento da mata atlântica da Bahia ao Rio Grande
do Sul.
Como
resultado, o vale do rio Ribeira de Iguape é a única
área paulista até hoje reconhecida como patrimônio
mundial. Hoje, só a ação enérgica
do Condephaat tem impedido a construção de
aterros sanitários e outras indesejáveis dentro
de parques e áreas de proteção ambiental
na serra do Mar.
Por
que, então, haveríamos de privar a Mantiqueira
de proteção semelhante, justo a serra que
abriga os remanescentes florestais de araucárias
e as derradeiras nascentes não poluídas desse
reino das águas claras? Como dizer tecnicamente que
a Mantiqueira não tem importância natural,
paisagística, histórica?
A
que ponto chegamos! E pensar que os senhores governador
do Estado e seu festejado secretário da Cultura têm
origem nesse Vale do Paraíba que a sombra da Mantiqueira
agasalha. A mais alta ciência aponta para a necessidade
urgente de ação que proteja a Mantiqueira,
e o órgão técnico do Condephaat nada
tem a dizer sobre isso?
A
quem pode servir esse arquivamento? Às mineradoras
que a vem degradando em aceleração crescente?
À especulação imobiliária que
avassala seus valiosos santuários naturais, com loteamentos
comerciais? Olho vivo é o que recomendo.
MODESTO
CARVALHOSA, 81, advogado, foi presidente do Condephaat (Conselho
de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico) no governo Franco Montoro
e conselheiro do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico
Nacional) de 1986 a 1996.
Da Folha de São Paulo
Saiba
Mais
Serra
da Mantiqueira é eleita 8ª área protegida
mais 'insubstituível' da Terra
01/12/2013
08h51 - Ranking foi veiculado na revista Science e analisou
137 locais protegidos. A Serra da Mantiqueira, que inicia
na região bragantina e passa pelo Vale do Paraíba,
foi eleita por um estudo publicado na revista Science como
o 8º local de área protegida mais insubstituível
do planeta.
Elaborado
pela International Union for Conservation of Nature (União
Internacional para Conservação, em inglês),
o ranking analisou 78 lugares, que englobam 137 áreas
protegidas em 34 países. Juntas, essas regiões
protegem a maioria das populações de 627 espécies
de animais, incluindo 304 espécies ameaçadas
de extinção em todo o mundo.
A
cadeia de montanhas da Serra da Mantiqueira inicia perto
de Bragança Paulista, passa por Santo Antônio
do Pinhal, Campos do Jordão e se expande pelos estados
de Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Na
lista, o Parque Nacional Kakadu (Austrália) aparece
em primeiro lugar. O Brasil ainda aparece no ranking com
Alto Rio Negro (6º lugar), Serra do Mar (7º) e
o Vale do Javari (9º).
Características
marcantes
Popular pela prática de alpinismo por apresentar
picos elevados, a Serra da Mantiqueira também é
conhecida pelas temperaturas amenas - principal atrativo
aos turistas que frequentam a região.
"É
marcante por ter floresta e também, na parte mais
alta, a área de campo. Cada um desses locais têm
suas formas de vida específicas, sejam animais ou
vegetais", explica Marilene Mesquita, mestre em ecologia
pela Universidade de Brasília (UNB), que fez um estudo
dos muriquis, primatas que se tornaram ícones de
São Francisco Xavier (SP).
Entre
os animais característicos da serra estão
o lobo-guará, a onça parda, jaguatirica e
o bugio, uma espécie de primata.
Gestão
deficiente
Doutora em ecologia pela USP, Diana Valeriano fez um estudo
sobre as araucárias em Campos do Jordão e
alerta que a Serra da Mantiqueira não tem um plano
de manejo próprio. Este documento define quais atividades
podem ser feitas em cada tipo de local, estabelecendo o
uso sustentável dos recursos naturais e determina
as atividades que podem ser feitas no entorno da área.
"Enquanto
não há o plano de manejo, existe a legislação
ambiental para legislar sobre o local, mas a fiscalização
é deficiente. Não há um número
de fiscais suficiente", disse. A criação
da Apa (Área de proteção ambiental)
da Serra da Mantiqueira foi feita em 1985, mas o conselho
só teve reuniões efetivas a partir de 2004,
segundo a pesquisadora.
"Quando
você pensa em uma área considerada como representante,
pensa em toda a biodiversidade singular que ela tem. As
araucárias do sudeste estão restritas à
Serra da Mantiqueira. Este é um exemplo de singularidade
do local", afirma.
Plano
de Manejo
De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio), que administra a Apa da Serra
da Mantiqueira, o plano de manejo deve sair até o
fim de 2014. "O plano de manejo é um dos instrumentos
de gestão que as unidades de conservação
precisam ter para alcançar seus objetivos. Porém,
é caro porque reúne uma série de estudos
sobre fauna, flora, características geográficas
e condições socioeconomicas e culturais",
disse Leonardo Brasil de Matos Nunes, chefe da Apa.
Ele
explicou que neste ano a Apa realizou estudos socioeconômicos
e culturais dos locais ligados à Serra da Mantiqueira,
que abrange 30 municípios divididos em três
estados."Tudo depende da quantidade de recursos. Os
estudos são feitos por etapas devido aos recursos
disponíveis.Tem ainda ao menos três etapas,
que dependem do Governo Federal. Se tudo sair conforme planejado,
até o fim de 2014 devemos ter o plano de manejo pronto".
Do
G1