Harry
Potter e as corujas: era para ser só na fantasia
A saga
do jovem bruxo mudou a vida das corujas, para pior
Geek & Meio Ambiente
03/10/2018 – Em 26
de junho de 1997, o primeiro volume de Harry Potter foi
publicado. Antes do lançamento, o livro “Harry
Potter e a Pedra Filosofal” da escritora britânica
J.K. Rowling foi rejeitado por 10 editoras. No entanto,
após sua publicação, o livro ganhou
popularidade, rendendo mais 6 volumes e oito filmes, assim
como peça de teatro e exposições sobre
a história do jovem feiticeiro.
Foi em Portugal, onde morava
e trabalhava, ministrando aulas de inglês que Rowling
começou a escrever a saga, retornando a Inglaterra,
seu país de origem, onde finalizou a obra e encontrou
uma editora para publicá-lo, em 1996. Rowling teve
a ideia de escrever as aventuras de Harry Potter durante
uma viagem de trem entre Manchester e Londres, em 1990.
Até 2007, seis livros haviam sido publicados, e em
2006, Rowling foi eleita a melhor escritora britânica
viva.
ATENÇÃO SPOILERS
Em “A Pedra Filosofal”,
primeiro filme da franquia, o órfão Harry
tem 10 anos vive de maneira infeliz com seus tios, os Dursley.
Até que recebe ‘cartas’ com convite para
ingressar em Hogwarts, (aqui começa a história
com as corujas), escola famosa e especializada em formar
jovens bruxos. Durante seu ingresso à escola de magia
seu novo amigo, Hagrid, o presenteia com uma coruja, a Edwiges,
que atua como sua mensageira. As corujas são presença
constante na saga, além de Harry, todos os demais
bruxos possuem a ave. Isto fez com que os fãs da
saga também quisessem ter uma, como animal de estimação,
logo no início da série.
Segundo o jornal britânico
Mirror, milhares delas foram abandonadas no Reino Unido,
enchendo os santuários de aves. De acordo com Pam
Toothill, do centro para corujas em Cowen, North Wales,
antes dos filmes, eles tinham apenas seis animais, aumentando
para 100 ao final da franquia. Informa também que
as corujas necessitam de espaço suficiente para bater
as asas cinco vezes antes de pousarem, caso contrário,
podem contrair uma infecção no sistema respiratório,
além dos cuidados necessários que são
bastante onerosos.
Rowling alertou os fãs
da saga, ao dizer que se alguém quiser ter uma coruja,
influenciado por seus livros, e achar que o animal seria
mais feliz preso em uma gaiola, a pessoa está equivocada.
As corujas
As corujas pertencem à
ordem Strigiformes, que se divide em duas famílias,
Tytonidae e Strigidae. A família Tytonidae reúne
as suindaras, corujas cosmopolitas, ou seja, encontradas
praticamente no mundo todo, exceto regiões desérticas
e polares, algumas ilhas, e boa parte da Ásia. Diferenças
anatômicas e bionômicas (bios = relativo à
vida, nomós = regra ou lei) separam estas corujas
da família Strigidae. As características bionômicas
se referem ao crescimento e à reprodução,
pois definem o ciclo de vida ou um conjunto de “regras”
para reprodução e crescimento. Outra característica
distinta entre as famílias, é que as suindaras
tem a unha do dedo médio pectinada, como garças
e bacuraus.
As suindaras são
aves esbeltas, com a face comprida e disco facial em forma
de coração, diferente das outras corujas que
possuem a face redonda. A reprodução ocorre
quase o ano todo, desde que haja alimento disponível.
Depositam seus ovos, compridos, ovais e brancos, diretamente
no substrato, que são incubados pela fêmea
durante 30 a 34 dias. A fêmea é alimentada
pelo macho e os filhotes abandonam o ninho com aproximadamente
dois meses de idade.
A família abriga
20 espécies, a coruja-da-baia-do-congo (Phodilus
prigoginei), que habita a República Democrática
do Congo, está ameaçada, classificada como
Em Perigo pela IUCN (União Internacional para Conservação
da Natureza). Além dela, outras 4 espécies
estão vulneráveis, todas do gênero Tyto.
A Tyto furcata
conhecida como suindara ou coruja-da-igreja é a única
da família que ocorre no Brasil. Com 37 centímetros
pode ser encontrada em todas as regiões, habita ambientes
como campos, savanas e bordas de mata, e frequentemente
sítios, fazendas, e até mesmo centros urbanos.
É sensível a sons entre 500Hz e 10kHz, aproveitando-se
desta grande amplitude de frequências sonoras para
caçar pequenos vertebrados como roedores, gambás,
morcegos, anfíbios, répteis e até pequenas
aves como pardais. Em cidades consome o rato-preto (Rattu
rattus), ratazanas (Rattus norvegicus) e camundongos
(Mus musculus). Utilizam sótãos de
casas velhas, forros, torres de igrejas e grutas para nidificação
e de dia podem dormir em palmeiras. Não está
ameaçada de extinção.
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Coruja-buraqueira (Athene
cunicularia).
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A família Strigidae
está distribuída por todos os continentes,
exceto a Antártica, e reúne 223 espécies.
O tamanho varia bastante, o corujão (Bubo virginianus),
maior ave de rapina das Américas, pode atingir até
50 centímetros e pesar entre 985 e 1585 gramas (macho)
e 1417 e 2503 gramas (fêmea), enquanto o caburé-miudinho
(Glaucidium minutissimum), uma das menores corujas,
possui de 14 a 16 centímetros e pesa de 44 a 53 gramas
(macho), quase o tamanho de um pardal.
Características
A estrutura das penas permite
um voo silencioso, adaptado ao modo de vida crepuscular-noturno,
diferente de algumas espécies que também possuem
hábitos diurnos como as do gênero Glaucidium
e o mocho-dos-banhados (Asio flammeus).
O ouvido também é
uma característica importante para a vida noturna
das corujas. Externamente, constitui-se de uma abertura
localizada na região auricular de cada lado do disco
facial. Este disco facial é coberto por plumas dispostas
de maneira a direcionar os sons do ambiente para os ouvidos.
O volume do som é ampliado devido ao movimento do
disco facial, que desempenha um papel importante de refletor
sonoro, a informação então é
transmitida ao ouvido, facilitando a localização
da presa.
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Corujinha-do-mato (Megascops
choliba).
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O ouvido interno ou labirinto
é bem desenvolvido. Conseguem discernir sons que
lhes interessam, como um roedor andando no solo de uma floresta,
entre um conjunto de ruídos. Algumas espécies
como a coruja-listrada (Strix hylophila), coruja-orelhuda
(Asio clamator) e mocho-diabo (Asio stygius)
são tidas como as representantes que possuem o ouvido
melhor desenvolvido. A audição é mais
sensível a frequências baixas do que a maioria
das aves. A sensibilidade em relação aos sons
é parecida com a do ser humano, embora possuam uma
audição mais apurada, sendo capazes de perceber
uma grande amplitude de frequências sonoras.
Os olhos são grandes
e possuem visão binocular. Enxergam bem tanto durante
o dia quanto a noite, e a visão noturna é
mais sensível e acurada que a humana, mas não
enxergam na ausência total de luz. Seus globos oculares
são fixos e para aumentar o campo de visão
podem girar a cabeça até 180°. Outras
aves também possuem esta habilidade, mas as corujas
causam mais impressão, devido à plumagem em
seu pescoço que o faz parecer grosso, porém
por baixo das penas, ele é mais fino e flexível.
A habilidade também se deve a mobilidade de suas
vértebras, que é maior em relação
à dos mamíferos. Aliás, as aves costumam
ter 13 vértebras no pescoço, ao contrário
dos humanos que possuem sete.
Assim como bacuraus e urutaus,
as corujas possuem plumagem mimética, facilitando
sua camuflagem durante o dia. Ambos, macho e fêmea
são semelhantes, mas geralmente as fêmeas são
maiores.
Os representantes brasileiros
consomem predominantemente, insetos como gafanhotos, besouros,
baratas e mariposas. Espécies maiores podem consumir
roedores, gambás morcegos, lagartos, rãs e
até aves como faz a caburé (Glaucidium
brasilianum).
Em relação
aos hábitos reprodutivos, há espécies
que depositam seus ovos diretamente no solo, como a coruja-buraqueira
(Athene cunicularia), cavidades em árvores
ocas, cupinzeiros e cavidades artificiais como a corujinha-do-mato
(Megascops choliba) e a caburé (Glaucidium
brasilianum). Os ovos são brancos e varia no
formato, podendo ser redondos ou ovais.
Ameaças
O que mais ameaça
as corujas são os desmatamentos, mas as colisões
com linhas de alta tensão e caça também
constituem fatores de impacto. Das 223 espécies da
família Strigidae, 6 já foram extintas, 3
estão criticamente ameaçadas, 14 em perigo,
22 vulneráveis, 25 quase ameaçadas, 3 necessitam
de mais dados para avaliação e 153 espécies
estão inseridas na categoria pouco preocupante.
O Brasil possui 22 espécies,
a caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum),
nativa do Estado, foi descrita em 2002, por meio de dois
exemplares taxidermizados, da Universidade Federal de Pernambuco,
no entanto, foi recentemente declarada extinta pelo ICMBIO,
devido a intensos desmatamentos causados por incêndios
e extração ilegal de madeira. A coruja-listrada
(Strix hylophila), que ocorre do sudeste ao sul do
Brasil, além do Paraguai e Argentina, está
quase ameaçada, devido à perda de habitat.
A subespécie de murucututu (Pulsatrix perspicillata
pulsatrix) e da coruja-preta (Strix huhula albomarginata)
estão classificadas na categoria Vulnerável
pelo ICMBIO, e as demais não estão ameaçadas.
Recentemente no Brasil,
um fato relacionado à saga de Harry Potter, chamou
a atenção do público e de autoridades
ambientais. Durante uma exposição sobre os
filmes, quatro corujas foram expostas em um Shopping na
cidade de São Paulo. A inclusão dos animais
na exposição, que recriava cenários
da história do feiticeiro, foi realizada, segundo
o treinador dos animais, para conscientizar as pessoas a
não comprá-los, informou também que
as corujas eram certificadas pelo IBAMA, mas parece que
a justificativa não foi bem aceita, pelas autoridades
e pela maioria do público que inundou as redes sociais
com criticas.
Embora, seja permitido pelo
IBAMA comprar e ter animais silvestres de forma legal, através
de empreendimentos e lojistas autorizados pelo órgão,
é necessário e empático indagar sobre
as consequências que estas ações podem
causar aos animais. De qualquer maneira, a empresa não
tinha as licenças ambientais dos órgãos
competentes, pois os responsáveis foram autuados
pela Polícia Ambiental de São Paulo, o shopping
também resolveu não bancar o evento, que foi
cancelado horas após a denúncia. O episódio,
de fato, serviu para mostrar a diferença, já
conhecida nas histórias de Potter, entre os feiticeiros
e os ‘trouxas’, que na vida real, parece ter
menos fantasia e quase nada de bom senso. Segundo Rowling,
o mundo trouxa e bruxo nunca se reunirão.
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Por ser uma ave noturna, a coruja
representa o símbolo da sabedoria para os
gregos, pois eles consideravam a noite como o momento
do pensamento filosófico e da revelação
intelectual, tanto que a mascote de Atena, deusa
da guerra e da sabedoria, era uma coruja.
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Em comemoração
ao centenário da aprovação da Lei do
Tratado das Aves Migratórias (MBTA, na sigla em inglês),
importantes instituições estrangeiras como
National Audubon Society, National Geographic, BirdLife
International e The Cornell Lab of Ornithology, oficializaram
2018 como o Ano da Ave. Aqui no Brasil, a Agência
Ambiental Pick-upau também realizará uma série
de ações para a promoção do
Projeto Aves, patrocinado pela Petrobras, incluindo matérias
especiais sobre as aves nas mais diversas áreas,
como na cultura.
O Projeto Aves realiza diversas
atividades voltadas ao estudo e conservação
desses animais. Pesquisas científicas como levantamentos
quantitativos e qualitativos, pesquisas sobre frugivoria
e dispersão de sementes, polinização
de flores, são publicadas na Darwin Society Magazine;
produção e plantio de espécies vegetais,
além de atividades socioambientais com crianças,
jovens e adultos, sobre a importância da conservação
das comunidades de avifauna.
O Projeto Aves é
patrocinado pela Petrobras, por meio do Programa Petrobras
Socioambiental, desde 2015.
Por Viviane Rodrigues Reis
Fotos: Pick-upau/Reprodução
Com informações G1/IUCN/ICMBIO/USP/Helmut
Sick/Revista Galileu/Mirror
Atualização 16/10/2018 às 16:00.