A
importância de contar aves
Espécies
comuns são importantes para avaliar a qualidade ambiental
26/02/2019 – Por que
é importante contar aves? É com essa indagação
que João E. Rabaça, Investigador do Instituto
de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas
da Universidade de Évora, coordenador do LabOr-Laboratório
de Ornitologia, delegado nacional do European Bird Census
Council e um dos organizadores da conferência Bird
Numbers 2019, descreve a importância de sabermos mais
sobre as comunidades de avifauna.
Entre 1980 e 2009, a Europa
perdeu cerca de 421 milhões de aves, um curto período
de 30 anos. Em 2018 foi celebrado o centenário do
Tratado sobre Aves Migratórias (MBTA), na sigla em
inglês. Trata-se de uma lei federal dos Estados Unidos,
com intuito de proteger as aves migratórias na América
do Norte. Implementado em 1918, depois da extinção
declarada do pombo-passageiro, que nas primeiras décadas
do século XIX, havia sido a ave mais abundante em
todo mundo, com uma população estimada em
3000 a 5000 milhões de indivíduos. Entretanto,
em 1900, já não havia mais a espécie
vivendo em vida selvagem. Em 1º de setembro de 1914,
Martha, o último exemplar do pombo-passageiro em
cativeiro, no Jardim Zoológico de Cincinnati, foi
encontrado morto em seu recinto.
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Em 1º de setembro de 1914,
Martha, o último exemplar do pombo-passageiro
em cativeiro, no Jardim Zoológico de Cincinnati,
foi encontrado morto em seu recinto.
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O episódio do pombo-passageiro
foi marco na história das extinções
por ação do homem e apresenta de forma trágica
o lapso de tempo equivalente a uma vida humana e que uma
espécie tão comum pode desaparecer do planeta.
A relevância do MBTA acabou não se limitando
a América do Norte. Mais tarde novos acordos entre
os Estados Unidos e México, em 1936; Japão,
em 1972; e a então União Soviética,
em 1976. Mas o mais importante foi estabelecer a necessidade
de considerar a conservação da natureza, para
além das fronteiras dos países.
Aproveitando o centenário
do tratado, grandes organizações internacionais
voltadas à conservação das aves selvagens
(National Audubon Society, National Geographic, BirdLife
International e Cornell Lab of Ornithology), definiram 2018
como o Ano Internacional das Aves, como objetivo de manter
nas agendas globais a importância para a conservação
das comunidades de avifauna. A Agência Ambiental Pick-upau,
através do Projeto Aves, patrocinado pela Petrobras,
por meio do Programa Petrobras Socioambiental, aderiu às
ações durante todo o ano.
Agora em 2019, Portugal
receberá, em abril, na Universidade de Évora,
a 21ª Conferência do European Bird Census Council
(EBCC), uma das mais antigas e prestigiadas reuniões
científicas sobre um grupo específico de animais.
A conferência traz como tema “contar aves conta”
e tem o objetivo de justificar a importância e o valor
das aves no passado, presente e futuro.
Para Rabaça, nosso
conhecimento sobre as aves é impar e notoriamente
superior ao que conhecemos de outros grupos animais. “Em
parte, porque a nossa relação com as aves
é milenar, transpõe contextos civilizacionais
e elas ocorrem em todos os ambientes, incluindo meios urbanos.
Ademais, veem-se e ouvem-se com relativa facilidade e, sobretudo,
voam! E estes três atributos sempre cativaram os humanos,
que viram nas aves símbolos de poder (a majestade
das águias), de religiosidade (no Antigo Egito, Bennu,
retratado como uma garça, representava a ressurreição)
e de abundante inspiração artística
na pintura, literatura e na música. Na verdade, vivemos
com as aves mesmo que não pensemos muito nisso…”,
descreve em seu artigo, divulgado no Publico, de Portugal.
Pick-upau/Viviane
Rodrigues Reis/Reprodução
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Avoante (Zenaida auriculata).
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“As aves são
multidimensionais na expressão do seu valor. Constituem
um patrimônio natural com um registro firme em diversas
culturas e são um trampolim para o saber científico
em vários domínios”, diz Rebaça.
Boa parte do conhecimento
que se tem sobre o estado do meio ambiente vem do trabalho
voluntário de cidadãos, em várias partes
do planeta. Programas de monitoramento de aves têm
se tornado cada vez mais comuns. Na Europa, por exemplo,
o Programa Pan-Europeu de Monitoração de Aves
Comuns (PECBMS, na sigla em inglês), há décadas,
durante a primavera, reúne cerca de 12 mil voluntários
em várias regiões de 28 países. Nesse
período registram todas as aves comuns que são
avistadas ou ouvidas. Esse imenso volume de informação
é validado por coordenadores nacionais, permitindo
estabelecer parâmetros e tendências populacionais
de várias espécies.
Rabaça explica como
as espécies comuns são importantes para avaliar
a qualidade ambiental.
“As espécies comuns podem permitir avaliar
a saúde ambiental dos campos da Europa? Vamos por
partes: o atributo “comum” dado a uma espécie
significa (1) que tem uma vasta distribuição
geográfica, (2) que normalmente é numerosa
e (3) que tem um papel de relevo no funcionamento dos ecossistemas.
A conjugação destas características
nos diz que ligeiros declínios nas suas abundâncias
podem ser suficientes para representarem grandes perdas
de biomassa que irão afetar o funcionamento dos ecossistemas
e ter impactos no bem-estar humano. E quando os decréscimos
são acentuados, os problemas podem ser graves”,
conclui.
“Os declínios
populacionais das aves na Europa são uma realidade
muito vinculada nas espécies comuns associadas aos
meios agrícolas. A base de dados do programa PECBMS
(1980-2015) mostra que, das 39 espécies incluídas
neste grupo, 61% estão em declínio, 15% exibem
um aumento, 15% permanecem estáveis e 9% apresentam
uma tendência incerta, segundo o EBCC. Em 2015, num
estudo publicado na revista Ecology Letters, Richard Inger
(Universidade de Exeter) e colegas analisaram a base de
dados do PECBMS num período de 30 anos e mostraram
que a Europa perdeu 421 milhões de aves entre 1980
e 2009”, afirma Rabaça.
“Esta perda de biodiversidade
propõe uma calamidade, que traz à memória
o incontornável Silent Spring, publicado em 1962,
pela zoóloga Rachel Carson e que alertou para os
efeitos negativos do uso de DDT nos campos agrícolas.
Sabemos que os tempos são outros e as dificuldades
serão agora porventura maiores. Mas o conhecimento
atualmente existente pode ajudar-nos a evitar o pior”,
conclui.
Criado em 2015, dentro do
setor de pesquisa da Agência Ambiental Pick-upau,
a Plataforma Darwin, o Projeto Aves realiza atividades voltadas
ao estudo e conservação desses animais. Pesquisas
científicas como levantamentos quantitativos e qualitativos,
pesquisas sobre frugivoria e dispersão de sementes,
polinização de flores, são publicadas
na Darwin Society Magazine; produção e plantio
de espécies vegetais, além de atividades socioambientais
com crianças, jovens e adultos, sobre a importância
em atuar na conservação das aves. Parcerias
estratégicas como patrocínios da Petrobras
e da Mitsubishi Motors incentivam essa iniciativa.
*João E. Rabaça
é Investigador do Instituto de Ciências Agrárias
e Ambientais Mediterrânicas da Universidade de Évora,
coordenador do LabOr-Laboratório de Ornitologia,
delegado nacional do European Bird Census Council e um dos
organizadores da conferência Bird Numbers 2019.
Da Redação,
com informações da coluna Opinião,
do Publico
Artigo escrito originalmente por João E. Rabaça*
Fotos: Reprodução/Pick-upau/Viviane Rodrigues
Reis/Wikipedia