ÍNDIOS
NO BRASIL FORAM VÍTIMAS DE GUERRA BACTERIOLÓGICA
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) Brasil
Outubro de 2001
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São
muitos os casos registrados na literatura científica,
em crônicas e em relatos orais de índios,
dando conta da contaminação deliberada,
criminosa, que dizimou um número incontável
de povos indígenas no Brasil, pelo menos até
os anos 1960.
Depois dos ataques de 11
de setembro, que derrubaram as torres gêmeas do
World Trade Center, em Nova York, e danificaram o Pentágono,
em Washington, aumentam os temores, em todo o mundo, do
terrorismo bacteriológico.
Para os índios no Brasil, esse tipo de estratégia
de extermínio não é novidade. Ao
longo da história do "contato" com os
brancos, além dos relatos de doenças transmitidas
por eles, contra as quais os índios não
tinham defesas imunológicas e por isso acabavam
morrendo, juntam-se histórias que apontam para
a contaminação criminosa, embora não
tenham sido cientificamente comprovadas.
Um relatório produzido em 1967 pelo então
Procurador Geral da República Jader Figueiredo,
foi divulgado em março de 1968, pelo ministro do
Interior, Albuquerque Lima. Durante entrevista coletiva,
o general Lima tornou público não só
casos de corrupção no extinto Serviço
de Proteção ao Índio (SPI), como
também massacres de tribos inteiras a dinamite,
metralhadoras e envenenamento por açúcar
misturado com arsênico.
Na época, foi um escândalo que ultrapassou
as fronteiras brasileiras e ganhou espaço nas páginas
de jornais como o francês Le Monde, o britânico
The Sunday Times e o americano The New York Times. Este
último, em 21 de março de 1968, dava chamada
de capa e reproduzia trechos do Relatório Figueiredo
na matéria assinada por Paul L. Montgomery, "Killing
of Indians Charged in Brazil".
Shelton Davis, antropólogo americano, no livro
Vítimas do Milagre - O desenvolvimento e os índios
no Brasil, (Zahar Editores, 1978), também cita
informações do relatório: "(...)
continham provas que confirmavam as denúncias de
que agentes do SPI e latifundiários haviam usado
armas biológicas e convencionais para exterminar
tribos indígenas. Indicavam a introdução
deliberada de varíola, gripe, tuberculose e sarampo
entre tribos da região do Mato Grosso, entre 1957
e 1963. Além disso, os arquivos do Ministério
do Interior sugeriam ter havido a introdução
consciente de tuberculose entre as tribos do Norte da
Bacia Amazônica entre 1964 e 1965".
Sem escrúpulos
Dez anos depois, o antropólogo
Mércio Pereira Gomes, em seu livro Os índios
e o Brasil, (Editora Vozes, 1988) escrevia: "Quando
foi descoberta a etiologia das epidemias e sua contaminação,
os portugueses e brasileiros não sentiram nenhum
escrúpulo em utilizar-se desse conhecimento para
promover o extermínio de povos indígenas
que estavam no seu caminho. Essa mistura mais cruel de
guerra e epidemia é que se chama hoje de guerra
bacteriológica".
O antropólogo prossegue contando que a primeira
utilização conhecida no Brasil aconteceu
em Caxias, no Maranhão, em 1815. Estava ocorrendo
uma epidemia de varíola quando índios Canelas
Finas estiveram por lá em visita. "As autoridades
lhes distribuíram brindes e roupas previamente
contaminadas por doentes. Os índios pegaram a doença,
e, dando-se conta do caráter do contágio,
fugiram para os matos. Os sobreviventes contaminaram outros
mais, e meses depois essa epidemia alcançava os
índios já em Goiás".
Mércio relata ainda que no fim do século
XIX, os "bugreiros de Santa Catarina e Paraná,
financiados por companhias de imigração,
deixavam em pontos determinados de troca de presentes
com índios (Xokleng e Kaingang), cobertores infectados
com sarampo e varíola".
Lançar mão da guerra bacteriológica
parece ter sido prática comum na América
do Sul, por parte de autoridades. No livro Viagens pelos
rios Amazonas e Negro (Edusp/Editora Itatiaia, 1979) -
publicado pela primeira vez em 1853 - Alfred Russel Wallace,
naturalista inglês, conta que certa vez, quando
se dirigia ao povoado de Pedreira, no Rio Negro, encontrou
um padre que ele já conhecia e que percorria a
região em viagens pastorais e de negócios.
"(...) passamos a falar da epidemia de varíola
que então assolava o Pará. Aproveitando
o ensejo, ele relatou-me um caso ocorrido consigo próprio
e relacionado com o assunto, parecendo bastante orgulhoso
de ter sabido utilizar-e "diplomaticamente"
dessa terrível doença. E prosseguiu dizendo
que aconselhara o presidente da Bolívia a combater
algumas tribos de índios belicosas, instaladas
no caminho de Santa Cruz, utilizando-se de uma epidemia
de varíola que assolava a cidade. Em vez de queimar
as roupas dos doentes que morriam para evitar a disseminação
da moléstia, o frei José (era esse seu nome)
sugeriu colocá-las em locais que os índios
pudessem pegá-las. E prosseguiu: "... o presidente
seguiu meu conselho e foi dito e feito. Em poucos meses,
ninguém mais ouviu falar das atrocidades dos índios.
Quatro ou cino tribos foram inteiramente dizimadas! A
bexiga faz o diabo entre os índios!"
Wallace escreve: "Foi com dificuldade que contive
um estremecimento ao ouvir a narrativa daquele massacre
a sangue-frio, contada de maneira tão tranqüila
e indiferente".
Há muito a se pesquisar
Os exemplos mais recentes
desse extermínio deliberado no Brasil estão
contidos no Relatório Figueiredo, que com mais
de cinco mil páginas e 20 volumes, foi dado como
desaparecido tempos depois de sua divulgação.
A repercussão do relatório na imprensa internacional
resultou, entre outras coisas, na criação
da organização britânica Survival
International, em 1969. No ano passado, a ONG publicou
o livro Deserdados - Índios do Brasil, que faz
referência ao relatório. "Havia relatos
de que grupos de Pataxó foram propositadamente
infectados com varíola; que os Tapayúna
(Beiços de Pau) foram envenenados com arsênico
e veneno de formiga; que os fazendeiros embriagaram os
Maxacali, e foram baleados por seus jagunços que
os mataram a tiros, aproveitando-se do fato de estarem
bêbados."
Outras atrocidades, cometidas contra os índios
Xavante à época do contato, foram mencionadas
por artigo publicado na Folha de São Paulo, em
20 de abril de 1980. Nele, Jaime Klintowitz informava
que os índios Xavante foram massacrados de 1951
a 1956. E que nesse ano, a tribo estava praticamente dizimada
"por uma epidemia de sarampo provocada por roupas
lançadas de aviões sobre as aldeias (...)",
conforme relatos orais dos Xavante.
"Esse é um assunto que merece ser melhor pesquisado,
tanto nas fontes históricas, como na memória
oral de índios ainda vivos", avalia Carlos
Alberto Ricardo, antropólogo do ISA.
Fonte: ISA (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa