Subsídio preparado pelo antropólogo
Gunter Kromer que trabalha há muitos anos com
índios da região afetada pelo gasoduto
Urucu-Porto Velho
Os povos indígenas Deni e Paumari,
ambos habitantes do médio e alto Cuniuá,
respectivamente, ainda hoje têm uma compreensão
diferenciada em relação à terra
e ao meio ambiente. O processo de sedentarização
deixou aberta a perspectiva de uma vida semi-nómade.
Depois de esgotada uma área habitada durante
alguns anos, provocando escassez de peixes, de caça,
de frutos silvestres e de matéria prima, as comunidades
indígenas podem deslocar-se para outras áreas,
ainda ricas em recursos para sua subsistência
e seu modo cultural de produção indígena,
como cestaria, tecelagem, cerâmica, confecção
de armas, de artesanato e de outros artigos de sua cultura.
Prevalece a lógica de deixar descansar áreas
já exploradas ao redor de suas aldeias e procurar
outras ainda virgens, garantindo, assim, por essa classificação
de recursos naturais, uma abundância satisfatória
para sua vida que se resume numa economia do Bem-Viver,
de festa, onde o excedente, os recursos, a abundância
é celebrada por uma ideologia de produção
que visa não acumular os recursos, mas sim distribuí-los
em grandes festas, convidando, para isso, comunidades
vizinhas. É um jeito de intercomunicação,
de interrelacionamento entre várias comunidades
onde novas relações sociais são
criadas, casamentos arranjadas e caçadas e pescarias
organizadas. É uma troca de bens num sistema
recíproco de economia de partilha.
As comunidades paumari, no verão, se deslocam
para áreas de praias fluviais, onde procuram
recursos de quelônios para sua dieta diária.
Este jeito semi-nómade é vulnerável
em vista à implantação de grandes
projetos, como a construção do gasoduto
em área de influência. Os contatos são
iminentes e reais, provocando mudanças de hábitos
e costumes, afastando os homens de suas comunidades
para servirem de mão-de-obra como pescadores,
caçadores, coletores de matérias primas
ao serviço da empresa. Por seu modo econômico
individual e de lucro, o projeto interfere no seu sistema
sócio-econômico de obrigações
e responsabilidades para com seus parentes.
O mundo dos homens é a floresta, o das mulheres
é a aldeia. A empresa do gasoduto confere aos
homens um novo papel e função que é
a relação com a empresa, e não
com a aldeia. A desorganização da vida
na aldeia é inevitável.
Ameaçadas também são as comunidades
indígenas de pouco contato em área de
influência, como o Rimarimã, Catawixi e
Juma. Os primeiros fazem suas excursões entre
o rio Piranhas, o rio Riozinho e o rio Cuniuá,
numa área de recursos ainda abundantes de caça,
peixe e quelônios, cobiçada, portanto,
pelos ribeirinhos, e mais ainda por uma empresa deste
volume, que necessita de recursos para o fornecimento
de alimentos para um grande contingente de homens. Invasão,
contatos indiscriminados, penetração de
doenças, exploração dos recursos
e empobrecimento da área são alguns dos
impactos que podemos citar.
Os Catawixi vivem na área de influência
do rio Mucuim, no igarapé Jacareúba, no
município de Canutama. Estes índios vivem
encurralados pelo avanço da soja, vindo de Porto
Velho. As cabeceiras do Jacareúba se encontram
nas extremas da construção do gasoduto.
Por isso, a empresa representa um perigo iminente de
contatos indiscriminados com este povo, ainda mais,
porque não existe nenhuma garantia de prevenção,
proteção e defesa deste povo.
Os Juma, habitantes da área diretamente afetada,
entre o rio Mucuim e o Joari, foram transferidos para
a área dos índios Uru-eu-wau-wau, com
o intuito de garantir-lhes a sobrevivência física
através de casamentos com este povo do mesmo
tronco lingüístico Kawahib. Por esta manobra
da Funai de Porto Velho, a área Juma ficou livre
para a implantação do projeto do gasoduto.
O próprio PPTAL retirou a proposta de demarcação
desta área - prevista para 2001 - do calendário,
sem definir, daqui para frente, o seu destino como área
indígena.
Os Uru-eu-wau-wau e os Juma, acompanhados pelo Cimi
e a Funai de Lábrea, em 2002, fizeram uma visita
a esta área, declarando-a área indígena
Juma, exigindo que sua demarcação volte
a entrar no programa do PPTAL o mais rápido possível.