Durante expedição
rotineira de fiscalização das fronteiras
do parque realizada pelas comunidades Kaiabi, madeireiros
que trabalhavam ilegalmente foram detidos pelos
agentes de fiscalização indígena.
Preocupada com o agravamento da tensão entre
invasores e índios, a Associação
Terra Indígena do Xingu (Atix) divulga um
relato de alerta, que reproduzimos a seguir.
Informe da Associação
Terra Indígena Xingu (Atix)
A Atix vem a público informar
sobre os recentes acontecimentos no Parque Indígena
do Xingu relacionados ao conflito dos índios
com a atividade de exploração madeireira
no entorno do limite oeste do Parque.
Neste último fim de semana, durante uma expedição
rotineira de verificação das fronteiras
do Parque, realizada pelas comunidades Kaiabi, o
chefe de posto de fiscalização do
rio Arraias, Tsiravé Kaibi, que também
é fiscal colaborador do Ibama, identificou
a ação agressiva de madeireiros que
atuam na região situada entre os rios Steine
e Arraias, ao longo do paralelo 54, no limite do
Parque com a propriedade denominada Fazenda Uirapuru,
de propriedade do Sr. João Vicentini.
Os integrantes da expedição retiveram
os trabalhadores da madeireira e seus equipamentos,
até que o problema seja verificado in loco
pela Funai e pelo Ibama, que já foram notificados
formalmente e que estão se deslocando para
o local. O Coordenador de fiscalização
do Parque, Sr. Mairawê Kaiabi, já se
dirigiu para a área e informou que estão
todos bem e aguardam a chegada das autoridades,
prevista para hoje (22/08).
Histórico
Desde 1998 os índios do
Xingu alertam o poder público sobre situações
que comprometem a sustentabilidade socioambiental
do Parque e que estão gerando forte potencial
de conflito, decorrentes do processo de ocupação
desordenado e agressivo da área do entorno
e que não se limitam somente à questão
madeireira. As lideranças indígenas
e a própria Atix vêm buscando o apoio
da Funai, do Ibama e da Fema na adoção
de medidas mitigadoras dos impactos sobre o Parque,
conforme prevê o protocolo de cooperação
assinado pelos órgãos governamentais
ainda em 1998. O acordo ocorreu após um grave
conflito com pescadores oriundos do município
de União do Sul, mas apenas algumas das medidas
previstas foram efetivamente implementadas.
O avanço do processo de ocupação
sobre o Parque cresceu e inúmeros novos problemas
e conflitos ocorreram nesses últimos anos,
relacionados sobretudo à caça e à
pesca predatória, ao estabelecimento de pousadas
no entorno, à exploração madeireira
no limite oeste, ao desmatamento, a queimadas e
aos assentamentos do Incra próximos aos limites
do Parque.
Em setembro de 2001, a ocorrência de um novo
e grave conflito com a madeireira Snoop, no município
de Feliz Natal, fez com que novamente se realizasse
uma discussão mais ampla sobre a natureza
dos problemas e se retomasse a idéia de atualizar
um protocolo que propusesse um conjunto de ações
e articulasse diferentes instituições
em torno de uma estratégia comum para solucioná-los.
Sua elaboração contou com a participação
das lideranças indígenas - que foram
a Brasília - do Ibama, da Atix, do ISA e
da Funai. No entanto, o mesmo sequer chegou a ser
assinado, por total desinteresse dos órgãos.
Quase um ano depois, fatos graves se repetem, e
conflitos menores se multiplicam, tensionando a
relação dos índios com a sociedade
do entorno. Inúmeras ameaças já
foram feitas aos agentes indígenas de fiscalização,
aumentando a possibilidade da ocorrência de
um conflito com vítimas.
Alerta
A Atix está preocupada
com o rumo dos acontecimentos e com a incapacidade
dos órgão públicos de agirem
de forma articulada. Estamos convencidos de que
em função da natureza, da extensão
e da complexidade dos problemas que estão
ocorrendo no entorno e nos limites do Parque, os
mesmos não serão solucionados de forma
pontual ou unilateral pelos órgãos
afins. Somente um conjunto articulado de ações
de governo pode equacionar a curto e médio
prazo as situações que estão
gerando conflito, assegurar a convivência
pacífica de sociedades que têm interesses
diferentes e garantir a sustentabilidade futura
do Parque. Neste sentido, estamos sugerindo às
autoridades do governo federal e do estado do Mato
Grosso retomar as negociações e sugestões
propostas no protocolo de cooperação
que foi abandonado no ano passado e que segue em
anexo.
Associação Terra
Indígena Xingu
Canarana, 21 de agosto de 2002.
Anexo
PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO
Pelo presente Instrumento de cooperação,
a Fundação Nacional do Índio
- FUNAI, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA,
a Fundação Estadual de Meio Ambiente
do Mato Grosso - FEMA, a Associação
Terra Indígena Xingu - ATIX , associação
civil sem fins lucrativos, inscrito no CNPJ/MF sob
n° 00.081.906.0001-88, com sede na Av. Mato,
688, em Canarana, MT e o Instituto Socioambiental
- ISA; associação civil sem fins lucrativos,
qualificada como Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP) inscrito
no CNPJ/MF sob n° 00.81.906-0001-88, com sede
na Av. Higienópolis, 901, em São Paulo,
SP;
CONSIDERANDO que a bacia do rio Xingu é a
segunda maior sub-bacia do rio Amazonas, que abriga
uma diversidade de ecossistemas típicos do
bioma Amazônico e do Cerrado e rios de grande
importância ambiental regional e nacional,
dentre os quais o Xingu, o principal rio da região,
reconhecido pelos seus recursos pesqueiros e por
sua importância crucial à sobrevivência
das populações indígenas que
vivem ao longo de seu curso;
CONSIDERANDO que as cabeceiras e nascentes dos principais
afluentes do rio Xingu estão situadas no
norte do estado do Mato Grosso, na denominada região
dos formadores do rio Xingu, caracterizada como
uma das áreas prioritárias para a
conservação da biodiversidade em âmbito
nacional por diversos documentos oficiais, por abrigar
vasta área de transição entre
a Floresta Amazônica e o Cerrado do planalto
brasileiro;
CONSIDERANDO que as nascentes dos rios formadores
do Xingu estão, em sua maioria, localizadas
fora dos limites de terras indígenas ou unidades
de conservação, o que as torna vulneráveis
ao uso inadequado dos recursos naturais nas propriedades;
CONSIDERANDO a extrema vulnerabilidade em que se
encontra a região dos formadores do rio Xingu
que, em função do seu histórico
de ocupação, já apresenta sinais
de degradação de suas nascentes, poluição
dos solos e dos recursos hídricos, queimadas
descontroladas, taxas crescentes de desmatamento,
exploração ilegal madeireira, pesca
predatória, quadro esse que tende a piorar
se não houver a implementação
de políticas específicas para proteção
das unidades de conservação, das terras
indígenas e de seu entorno;
CONSIDERANDO que o Parque Indígena do Xingu
está inserido nessa região e se constitui
com seus 2.8 milhões de hectares na maior
terra indígena do estado do Mato Grosso,
desempenhando papel fundamental na conservação
dos recursos florestais do estado e da Amazônia
Legal, e que as 14 etnias que lá residem
vêm lutando pela sua preservação
e sustentabilidade ambiental;
CONSIDERANDO que o processo de ocupação
da região do entorno do Parque Indígena
do Xingu vem trazendo prejuízos ecológicos
e ameaçando a sustentabilidade atual e futura
das etnias que lá residem e dos recursos
naturais imprescindíveis para sua reprodução
física e cultural;
CONSIDERANDO a ocorrência de inúmeros
conflitos nos últimos anos envolvendo as
populações indígenas do Parque
do Xingu e atores regionais vinculados a situações
que estão relacionadas ao modelo desordenado
de ocupação e ao quadro de degradação
ambiental da região acima descrito;
CONSIDERANDO que o Decreto n º 1.141, de 19
de maio de 1994 estabelece o dever da União
de coordenar e implementar ações integradas
visando a proteção ambiental das terras
indígenas e de seu entorno, aplicando diversos
instrumentos de prevenção e controle
das atividades potencialmente degradadoras do meio
ambiente sobre as Terras Indígenas;
CONSIDERANDO que o Conselho Estadual de Meio Ambiente
do Mato Grosso, através da Resolução
Consema n º 017/91, de 05 de agosto de 1991,
estabeleceu a obrigatoriedade do órgão
ambiental estadual colaborar com a União
na fiscalização ambiental e preservação
das terras indígenas, além de exigir
elaboração de Estudo Prévio
e Relatório de Impacto Ambiental para os
projetos públicos e privados que incidam
sobre terras indígenas e num raio de 10 km
(dez quilômetros) de seu entorno;
RESOLVEM compor um Grupo de Trabalho para implementar
um conjunto de ações que visam ampliar
a proteção do Parque Indígena
do Xingu e de seu entorno, face ao processo de ocupação
regional, estabelecendo para tanto as seguintes
linhas de ação:
Ações de curto prazo: (outubro de
2001 a abril de 2002)
.Levantar e avaliar os planos de manejo autorizados
pelo IBAMA na área do entorno correspondente
a uma faixa de 20 Km do PIX.(IBAMA)
.Avaliar a possibilidade de proibição
da exploração madeireira numa faixa
de 5Km no entorno dos limites do Parque.
.Levantar e avaliar as licenças de desmatamento
autorizadas pelo IBAMA e FEMA na região do
entorno do PIX.(IBAMA,FEMA)
.Avaliar a situação das pousadas situadas
na região do entorno do PIX no tocante ao
impacto das mesmas sobre a manutenção
do estoque pesqueiro nos rios da região,
respeito ao território e as sociedades indígenas,
obediência a legislação de pesca,
cuidados com o processamento do lixo. (FEMA,IBAMA
e ATIX).
.Avaliar a possibilidade de proibição
da pesca no trecho do rio Arraias que faz limite
com o Parque. ( FEMA,IBAMA)
Efetuar a notificação das propriedades
e empreendimentos limítrofes ao PIX, inicialmente
na faixa de 10 Km do seu entorno, visando avaliação
ambiental das mesmas para licenciamento e providências
administrativas (ajustamento de conduta, suspensão,
embargo e apreensão) quando couber. (IFEMA,MMA/IBAMA)
.Apoiar o funcionamento dos postos de fiscalização
do PIX, através da renovação
do convênio da FUNAI com ATIX. (FUNAI)
.Realizar, ainda em 2001, uma segunda expedição
para verificação da situação
ambiental das propriedades e empreendimentos e legalidade
da ação de empresas madeireira que
atuam na região situada entre a BR 80 e Rio
Arraias, no lado oeste do PIX. ( ATIX, IBAMA e FUNAI).
.Definir programa de capacitação para
2002 dos chefes dos PIVs e seus assistentes. (ISA,IBAMA
e FUNAI)
.Definir programação e orçamento
para 2002 de expedições de reaviventação
de trechos das picadas demarcatórias do PIX.
(ATIX, ISA e FUNAI)
Ações de médio prazo: (abril
de 2002 a abril de 2003)
.Realizar neste período dois cursos de capacitação,
destinado aos chefes de postos do PIX e seus auxiliares.
(ISA, IBAMA e FUNAI)
.Realizar neste período, juntamente com a
ATIX e lideranças, dois sobrevôos por
semestre na região do entorno imediato do
PIX. (FUNAI)
.Realizar anualmente expedições de
reaviventação de três ou quatro
trechos de picada demarcatória de 15Km cada.
(ATIX,ISA e FUNAI)
.Realizar duas expedições anuais para
verificar situação ambiental de propriedades,
empreendimentos e a legalidade da ação
de madeireiras na região do entorno do PIX
(IBAMA, ATIX, FUNAI e FEMA).
.Estudar a possibilidade de vincular a concessão
de plano de manejo florestal na região do
Xingu à certificação dos mesmos
nos padrões FSC.
.Efetuar o cadastramento e licenciamento das propriedades
e empreendimentos situados na região da bacia
do rio Xingu no Mato Grosso, de forma verificar
a situação de conservação
das cabeceiras dos córregos e rios, das reservas
legais e áreas de preservação
permanente das propriedades.
.Promover uma maior conectividade entre as reservas
legais e áreas de preservação
permanente das propriedades da região, e
destas com as terras indígenas e unidades
de conservação, de forma ampliar as
áreas contíguas de floresta dentro
da bacia do rio Xngu.. ( FEMA,MMA/IBAMA)
.Iniciar articulação política
regional visando a criação do comitê
de gestão da bacia do rio Xingu no Mato Grosso.
(FEMA, ANA e ISA).
.Avaliar a situação dos assentamentos
do INCRA na região do entorno do PIX e seus
impactos sobre o Parque. (INCRA,IBAMA, FUNAI, ATIX
e ISA)
.Promover articulação e discussão
com os Municípios da região sobre
os quais há incidência do PIX, sobre
um plano de aplicação do ICMS ecológico
(a vigorar a partir de 2002) que contemple ações
mitigadoras do impacto regional e de proteção
do Parque.
.Definir e introduzir novos parâmetros para
restrição da pesca nos afluentes do
rio Xingu fora do PIX, considerando a conflituosa
concorrência do uso desse recurso entre as
sociedades indígenas, que o utilizam para
sua subsistência ( principal fonte de proteína
de todas as etnias que residem no PIX), e a crescente
atividade de pesca esportiva da região. (FEMA
e IBAMA)
.Desenvolver estudos de viabilidade para criação
de área de proteção ambiental
ao longo do entorno imediato do PIX e outras unidades
de conservação na região da
bacia do rio Xingu no Mato Grosso. (FEMA, ISA e
IBAMA)
.Reforçar a presença do IBAMA e da
FEMA na região do Xingu através da
criação de unidades regionais. (IBAMA,
FEMA)
.Desenvolver um plano de médio e longo prazo
de gestão ambiental do Parque Indígena
do Xingu. (ATIX,ISA e FUNAI)
.Renovação do apoio para manutenção
e funcionamento dos Postos Indígenas de Vigilância
do PIX, através de convênio com ATIX.
(FUNAI)
.Retificar o traçado sinuosos do limite sudoeste
do PIX por uma sequencia de linha/s reta/s, de forma
tornar possível uma fiscalização
permanente por parte dos índios sobre o mesmo.
(FUNAI)
.Elaborar em 2002 um plano de proteção
integral do Parque indígena do Xingu para
os próximos 05 anos. ( FUNAI, ATIX, IBAMA
e ISA)
.Estudar as possibilidades de regularização
administrativa dos PIVs que não estão
reconhecidos pela FUNAI. (FUNAI)
Levantamento de áreas de ocorrência
de tracajá no PIX. (IBAMA)
Elaborar proposta de manejo do tracajá em
áreas piloto. (IBAMA)
.Identificação de duas comunidades
indígenas com interesse em abrigar um projeto
piloto de manejo de tracajá. (ATIX e AER-Xingu)
.Realizar estudo preliminar sobre manejo de lagos
dentro do PIX. (IBAMA)
.Viabilizar uma rotina de soltura de animais silvestres
apreendidos na região, dentro do Parque Indígena
do Xingu, desde que os mesmos sejam condizentes
com a fauna local. (IBAMA e FEMA)
.Desenvolver um programa de educação
ambiental voltado as comunidades indígenas
do Xingu que contemple a questão do lixo
inorgânico nas aldeias e o uso e controle
do fogo pelas comunidades do Xingu. (ATIX,FUNAI,
FEMA e IBAMA)
Ações de longo prazo: ( outubro de
2001 a abril de 2004)
.Criação do comitê de gestão
da bacia do rio Xingu. ( ANA, FEMA e IBAMA)
.Criação de área de proteção
ambiental ao longo do entorno imediato do PIX e
outras unidades de conservação de
uso indireto. (MMA/IBAMA e FEMA)
.Ordenar o processo de ocupação da
região do entorno a partir do zoneamento
ecológico-econômico do Estado, do plano
de gestão de bacia e do licenciamento ambiental,
visando ampliar a proteção das terras
indígenas, da biodiversidade da região
e a proteção dos seus recursos hídricos.
(FEMA, IBAMA e INCRA)
.Acompanhar o processo de ocupação,
com base no plano de ordenamento territorial, através
de permanente monitoramento. (FEMA, IBAMA e ISA).
.Implementar um Plano de Gestão Ambiental
do Parque Indígena do Xingu. (ATIX,ISA, FUNAI
e IBAMA)