RIO +10: DEZ ANOS DE ESPERANÇA,
DEZ DIAS DE FRUSTRAÇÃO
Panorama Ambiental
São Paulo - Brasil
Outubro de 2002
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A Rio +10 foi, em geral, um fracasso com algumas migalhas
de sucesso. No entanto, os resultados da Cúpula teriam
sido ainda mais desastrosos não fosse pela participação
da sociedade civil. A maior conferência internacional
realizada na história da Organização
das Nações Unidas (ONU), a Cúpula Mundial
sobre desenvolvimento Sustentável, aconteceu em Johannesburgo,
na África do Sul, entre os dias 26 de agosto e 04
de setembro e contou com a presença de representantes
de mais de 190 países.
Apesar dessa grandiosidade, a maioria das organizações
não-governamentais (ONGs) que participou da conferência
frustou-se com os resultados, considerados muito inferiores
ao que era necessário para salvar o meio ambiente
e erradicar a pobreza.
Dentre os poucos pontos positivos, o melhor deles foi a
questão da responsabilidade corporativa. A necessidade
de termos medidas internacionais para essa questão
é evidente: hoje em dia, poucas são as empresas
que atuam unicamente em seu país de origem. O fenômeno
da globalização multiplicou o número
de empresas multinacionais e transnacionais, o que amplia
o foco de atuação e de problemas causados
por essas empresas.
O consenso dos países reunidos em Johannesburgo a
respeito da criação de um instrumento internacional
que assegure que as empresas tenham que fornecer informações
sobre seus produtos e processos, respeitar o meio ambiente
e os direitos humanos, descontaminar áreas poluídas
e compensar vítimas - ou seja, punir empresas responsáveis
por crimes ambientais - foi uma grande vitória. Em
reunião com o Greenpeace no dia 04 de setembro, o
secretário-geral da ONU, Kofi Annan, disse que considerava
o acordo sobre responsabilidade corporativa um dos resultados
mais positivos da Cúpula, e recebeu positivamente
a sugestão de que a ONU organize uma reunião
de alto nível para discutir o desenvolvimento deste
instrumento de responsabilidade corporativa com governos,
empresas e organizações não-governamentais
(ONGs).
No entanto, muito tempo da Cúpula foi gasto para
defender e reafirmar coisas que já tinham sido acordadas
durante a Rio-92. Foi o que aconteceu com o 'Princípio
da Precaução', a polêmica foi gerada
pelo fato dele poder ser utilizado como barreira comercial.
Então, o 'Princípio, que já havia sido
discutido e acordado há dez anos no Rio, foi contestado,
e depois reafirmado e mantido. Ou seja, perdeu-se tempo
e não houve avanço. E ainda tivemos que comemorar
o fato de não termos tido um retrocesso.
E a impressão geral que a Rio +10 deixou para seus
participantes é de que, daqui pra frente, será
muito difícil discutir as questões sociais
e ambientais sem que fatores comerciais e financeiros tomem
precedência. No caso de Johannesburgo, a agenda ambiental
deveria ter sido uma prioridade para os representantes presentes,
mas não foi isso que aconteceu: a agenda comercial
foi o destaque. "É por isso que nossa participação
nas discussões da Organização Mundial
do Comércio (OMC) será cada vez mais importante:
só assim poderemos prevenir riscos e minimizar impactos
no meio ambiente", disse Marcelo Furtado, representante
do Greenpeace em Johannesburgo.
A participação das ONGs
As ONGs foram fundamentais
na Cúpula de Johannesburgo. O Greenpeace participou
das três áreas da conferência: dentro
da reunião oficial, para influenciar governos a tomar
decisões em favor do meio ambiente. Fora da reunião,
no fórum da sociedade civil, para dialogar com representantes
da sociedade sobre como resolver o desafio ambiental que
vivemos atualmente. E também participamos na feira
que apresentava soluções, onde tínhamos
um container movido à energia solar que contava com
uma barbearia, loja de sucos e posto telefônico.
Em especial, o trabalho do Greenpeace foi imprescindível
para destacar a questão das fontes renováveis
de energia como o grande ícone desta reunião.
"Sem energia, não há desenvolvimento.
E sem energia renovável, não há desenvolvimento
sustentável", disse Furtado.
Uma outra grande conquista para as ONGs foi a integração
conseguida durante a Rio +10. A Cúpula permitiu que
organizações globais, como o Greenpeace, e
ONGs nacionais e regionais trocassem experiências
e coordenassem articulações.
A importância dos acordos de Johannesburgo
As Cúpulas da Terra,
dentre elas a Rio +10, são reuniões onde são
definidas as grandes diretrizes globais, e por isso são
tão importantes; servem para fazer uma reavaliação
do que deu certo e para traçar planos para o futuro,
incluindo os três fatores necessários para
um bom plano: datas, metas e recursos para implementação.
E esse é um dos motivos pelos quais a Rio +10 provocou
tanta frustração: nenhum item discutido em
Johannesburgo conseguiu reunir esses três fatores.
A declaração dos governos presentes, que é
o produto concreto dessa reunião, nada mais é
do que uma demonstração de vontade política,
a qual pode - e deve - ser transformada em acordos específicos
e legalmente vinculantes. Essa declaração
funciona como a que foi produzida após a Rio 92:
a questão das mudanças climáticas e
do comércio de lixo tóxico, por exemplo, foi
discutida durante a Cúpula do Rio e lá foram
traçadas diretrizes. Depois, houve o Protocolo de
Kyoto e a Convenção da Basiléia, que
tratam desses assuntos de maneira mais profunda e específica.
Nosso futuro
Uma das prioridades pós-Johannesburgo
será cobrar implementações de boas
propostas em âmbito nacional e regional. Em primeiro
lugar, devemos recorrer ao próprio governo brasileiro.
O Brasil esteve presente como líder, fez discursos
bonitos, apresentou propostas muito boas, e agora precisa
implementar tudo isso internamente, ratificando os acordos
internacionais já negociados e que, até hoje,
não foram ratificados. Em segundo lugar, devemos
cobrar dos governos da América Latina, que apoiaram
muitas propostas brasileiras e uniram-se com base na iniciativa
latino-americana.
No caso da proposta brasileira de energia, por exemplo,
iremos cobrar que o governo implemente, o que pregou durante
a Cúpula e, mais do que isso, exclua as grandes hidroelétricas
daquilo que considera como fontes renováveis de energia.
Trabalharemos também para que o Brasil mantenha uma
postura coerente: o governo não pode investir em
Angra III e, ao mesmo tempo, patrocinar a proposta de energia
renovável.
Também temos que lembrar a questão da responsabilidade
corporativa, que iremos cobrar vigorosamente. Agora que
a semente - a criação de um instrumento internacional
legal de responsabilidade corporativa - já foi plantada,
é preciso que governos, organizações
internacionais, ONGs e empresas trabalhem para colher os
frutos dessa semente.
Nos países que foram contra as boas propostas de
Johannesburgo, como os Estados Unidos, Canadá, Austrália,
os países árabes, e, muitas vezes, o Japão,
o trabalho será justamente de fazer com que estes
governos adotem essas propostas. Mais do que isso, o Greenpeace
trabalhará para avançar a agenda ambiental
mesmo que esta tenha sido ignorada pela Cúpula de
2002.
Princípio da precaução
O 'Princípio da Precaução'
diz que, quando uma atividade apresenta a possibilidade
de prejudicar a saúde humana e/ou o meio ambiente,
uma postura cautelosa deve ser adotada antecipadamente -
mesmo que a extensão total do possível dano
ainda não tenha sido determinada cientificamente.
O Princípio da Precaução também
reconhece que pode ser impossível apresentar a prova
científica desse dano até que seja tarde demais
para evitá-lo ou revertê-lo.
Veja mais em: http://www.greenpeace.org.br/rio+10/principioprecaucao.asp
Princípio da responsabilidade comum
mas diferenciada
O 'Princípio da responsabilidade
comum mas diferenciada' diz que a responsabilidade pelos
danos ambientais causados até hoje é de todos,
afinal, os danos atingem a todos. No entanto, a responsabilidade
deve ser diferenciada, uma vez que alguns países
- especialmente os industrializados há mais tempo
- causaram maiores danos ao planeta. Por esse motivo, todos
devem trabalhar pela recuperação do meio ambiente,
mas alguns países devem trabalhar mais e mais rápido.
O futuro do planeta em suas mãos
O planeta está pedindo
socorro: a Amazônia continua sendo desmatada, as mudanças
climáticas são uma realidade em todos os cantos
do globo, as taxas de extinção têm atingido
níveis altíssimos, a água e o solo
das regiões populosas estão contaminados com
substâncias tóxicas, os alimentos transgênicos
estão invadindo nossas mesas. Depois do fracasso
da Rio +10 em definir um modelo claro e sustentável
de desenvolvimento, o qual poderia guiar as ações
de governos e empresas de todos os países, só
você pode fazer estas mudanças acontecerem.
Convide seus amigos para protegerem o meio ambiente ao lado
do Greenpeace. Trabalhamos há mais de 10 anos no
Brasil para acabar com a destruição de nosso
meio ambiente e todas as nossas conquistas só foram
possíveis com a união dos esforços
de todos. Quanto mais formos, mais vitórias teremos!
DIÁRIO DA RIO +10
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23 de
agosto - Ganhador do Nobel da Paz visita o barco Esperanza
O arcebispo Desmond
Tutu visitou o barco do Greenpeace, Esperanza, para
dar sua benção à embarcação
e à sua tripulação. "Obrigada
pelo trabalho que vocês fazem pela paz e por
um mundo livre de perigos nucleares; é maravilhoso
e nós agradecemos a todos vocês",
disse Tutu. |
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24 de
agosto - Ativistas escalam único reator nuclear
da África
Ativistas do Greenpeace
realizaram um protesto em Koeberg, a única
usina nuclear da África. Eles escalaram os
prédios até alcançarem uma faixa
na qual liasse "Perigo Nuclear Fora da África".
Doze participantes do protesto foram presos e dois
infláveis do Greenpeace foram confiscados.
Os ativistas foram julgados por invasão de
propriedade privada e de área de segurança
nacional e foram repatriados. |
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29 de agosto - A
criminosa Dow: depois de Bhopal, é a vez da
África
40 ativistas isolaram
um duto que despejava efluente tóxico a partir
de uma unidade da Dow Química na África
do Sul. A intenção era lembrar aos delegados
e chefes de Estado reunidos em Johannesburgo que criminosos
corporativos devem ser punidos. O protesto foi realizado
conjuntamente com representantes locais dos grupos
GroundWork, Corpwatch e com a Campanha Nacional pela
Justiça em Bhopal. Ativistas também
realizaram uma manifestação pacífica
no portão da empresa Dow-Chloorkop, em Midrand,
a 15 km de Johannesburgo, na qual estenderam uma faixa
com os dizeres "Dow: não repita Bhopal.
Limpe a África agora!". |
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4 de
setembro - Ativistas escalam dutos de refinaria de
petróleo
No último dia
da Rio +10, em Johannesburgo, ativistas do Greenpeace
agiram para pedir "Energia Limpa Já!"
em uma refinaria de petróleo de Durban. Cinco
ativistas participaram do protesto e três deles
escalaram a ponte de 30 metros e estenderam faixas
com os dizeres "Energia Limpa Já!". |
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5 de setembro - No
Cristo Redentor, Greenpeace protesta contra fracasso
da Rio+10
Ativistas expuseram
faixa com os dizeres: "RIO +10 = 2ª CHANCE?",
nos braços da estátua no Corcovado para
questionar os governos presentes na Rio +10 sobre
o rumo desastroso que deram para a conferência. |
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5 de setembro - Joanesburguer:
prato cheio para Bush
Ativistas do Greenpeace
realizaram protesto em frente à embaixada americana
no México, para enfatizar a culpa do governo
Bush no fracasso da Rio +10. No enorme cartaz verde,
duas setas: uma dizia "Criminosos climáticos"
e apontava para o prédio da embaixada; a outra
dizia "Protocolo de Kyoto" e apontava para
o sentido oposto. Próximo ao cartaz, um ativista
vestido de George W. Bush devorava um sanduíche,
apelidado de Joanesburguer, que simbolizava a Cúpula
da Terra. |
PLACAR DA RIO +10
O
que o planeta precisava? |
|
O
que ficou resolvido? |
ENERGIA
E CLIMA |
-
Ratificação do Protocolo de Kyoto sobre
mudanças climáticas |
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-
Países que já ratificaram o Protocolo
de Kyoto pediram que os demais países ratifiquem
o acordo o quanto antes |
- Compromissos
com novos financiamentos públicos para as fontes
renováveis de energia, a fim de garantir energia
para os dois bilhões de pessoas que atualmente
vivem sem eletricidade. |
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- A proposta brasileira, que traçava
uma meta de 10% de energia vinda de fontes renováveis
até 2010, não foi aprovada |
- Compromisso com a diminuição
gradativa dos subsídios aos combustíveis
fósseis e à indústria - atualmente
estimados em US$ 250 bilhões anuais - dentro
de 10 anos, com um plano de transição
efetivo para auxiliar as economias dos países
em desenvolvimento.- Compromisso dos países industrializados
com uma meta imediata de 20% dos empréstimos
de seu setor de energia para fontes renováveis. |
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- O acordo não
trouxe qualquer benefício ou esperança
aos dois bilhões de pessoas que não tem
acesso aos serviços de energia moderna, não
delimita datas ou metas para a utilização
de fontes renováveis de energia |
- Compromisso dos países industrializados
com uma meta doméstica de 20% de energia vinda
de fontes renováveis dentro de 10 anos. |
(-) |
- O acordo não trata da redução
dos subsídios maciços à indústria
de combustíveis fósseis e apenas reitera
acordos feitos nos últimos anos |
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BIODIVERSIDADE
E FLORESTAS |
- Compromisso com a alocação
dos recursos necessários para a conservação
das florestas antigas e seu uso sustentável,
dentro do plano de trabalho da Convenção
de Diversidade Biológica das Florestas Antigas. |
(-)
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- Governos atentaram para a necessidade
imediata de solucionar o problema do comércio
ilegal de produtos florestais e avançaram na
questão da participação das comunidades
locais no recebimento de benefícios. |
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(+) |
- O compromisso de deter e reverter
a perda de recursos naturais até 2015 foi completamente
removido do texto final do acordo, bem como qualquer
referência ao Princípio da Precaução. |
- Compromisso com a implementação
imediata de medidas que acabem com a degradação
e perda das florestas antigas e promovam sua conservação
e utilização sustentável. |
(-) |
- Governos não confirmaram
seu comprometimento com o que acordaram há seis
meses (na Conservação sobre Diversidade
Biológica), sobre instrumentos para deter e reverter
a perda de biodiversidade até 2010. |
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TRANSGÊNICOS
E AGRICULTURA |
- Ratificação do Protocolo
de Cartagena sobre Biossegurança e apoio ao Princípio
da Precaução |
(+) |
- Os países foram "convidados"
a ratificar o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança. |
.- Adoção de um novo
instrumento internacional que previna o "patenteamento
da vida"
- Priorização de práticas agrícolas
que respeitem os conhecimentos tradicionais e o meio
ambiente, como a eco-agricultura, que, comprovadamente,
aumenta os lucros. Grupos ligados ao desenvolvimento,
como é o caso da Oxfam, concordam com o Greenpeace
em dizer que a engenharia genética não
é a solução para o problema da
fome no mundo. |
(-) |
- A questão do "patenteamento
da vida" nem sequer foi discutida. |
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RESPONSABILIDADE
CORPORATIVA E SUSTÂNCIAS TÓXICAS |
- Ratificação da Convenção
de Estocolmo sobre poluentes orgânicos persistentes
(POPs) |
(-) |
- O princípio da Precaução
não foi confirmado, continuou-se no mesmo patamar
de comprometimento que tínhamos na Eco-92. |
- Ratificação e implementação
da Convenção da Basiléia que proíbe
o comércio de lixo tóxico |
(-) |
- Grande avanço no sentido
de criar um instrumento internacional capaz de garantir
e promover a responsabilidade corporativa. |
- Garantia de responsabilidade corporativa
para a produção e uso de substância
tóxicas já existentes, e recuperação
de locais contaminados, como Bhopal, Paulínia
e Vila Carioca |
(+) |
- O texto contém metas insuficientes
e ignora acordos posteriores à Eco-92 de diminuir,
gradativamente, a presença de substâncias
perigosas em acordos regionais. O prazo dado - 2020
- se refere à minimização dos efeitos
dessas substâncias, ao contrário de pedir
sua completa eliminação. |
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COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO |
- Consenso de que as regras comerciais
internacionais devem estar subordinadas às regras
ambientais internacionais, e não o contrário |
(+) |
- Eliminação de texto
que subordinaria a legislação ambiental
internacional às regras e acordos Organização
Mundial do Comércio |
.- Compromisso dos governos com a
doação de um percentual de seu PIB para
ajudas internacionais. Esta doação foi
acordada durante a Cúpula da Terra realizada
em 1992, no Rio de Janeiro |
(-) |
- Os textos aprovados não
reconhecem os desafios colocados pela globalização,
não reafirmam o Princípio da Precaução,
não asseguram que os acordos ambientais multilaterais
não sejam submetidos às regras comerciais
e também não tornam as multinacionais
responsáveis por suas atividades e seus respectivos
resultadosReduzir pela metade o número de pessoas
sem acesso a saneamento até 2015. A meta é
louvável, mas o texto não prevê
como ela será atingida |
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OCEANOS |
- Compromisso da Assembléia
Geral das Nações Unidas com a negociação
de um acordo internacional para proteger a biodiversidade
em alto mar |
(+)
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- Governos concordaram em pedir o
fim dos subsídios que contribuem para a pesca
ilegal e não regulada, ou que excedam a capacidade
de pesca |
|
(+) |
- Pedido de criação
de Áreas Marinhas de Proteção |
- Compromisso com a prevenção
da libertação de organismos geneticamente
modificados nos oceanos, a fim de manter as águas
do planeta livres de transgênicos. |
(-) |
- Os compromissos, antes obrigatórios,
de restauração das áreas de pesca,
de acordo com a Convenção das Nações
Unidas sobre as Leis do Mar (1982) foram reiterados,
mas agora como "voluntários". Serão
implementados até 2015, "nos locais onde
isso for possível". |
Fonte: Greenpeace (www.greenpeace.org.br)
Assessoria de imprensa |