O Brasil
é reconhecido como o país que detém
a maior biodiversidade do planeta, estimando-se
que abriga entre 15 e 20% do número total
de espécies. No entanto, é muito provável
que todo esse patrimônio jamais venha a ser
melhor conhecido pela ciência, se forem consideradas
as dimensões do país, a extensão
de sua plataforma marinha, a complexidade dos ecossistemas,
a exploração dos recursos naturais,
a contaminação do solo, das águas
e da atmosfera.
A observação foi feita pela diretora
do Instituto de Botânica, Lilian Zaidan, ao
abordar o tema "A Pesquisa em Biodiversidade
e suas Aplicações", na 5ª
Reunião Anual de Pesquisa, realizada pela
Secretaria de Estado do Meio Ambiente nos dias 4
e 5 de dezembro último. Em dois dias da realização
do encontro, pesquisadores e representantes da área
acadêmica discutiram os rumos da produção
técnico-científica desenvolvida pelos
Institutos de Botânica, Florestal e Geológico,
pertencentes ao sistema ambiental do Estado, e de
como essas pesquisas
estão sendo ou poderão ser úteis
na solução dos problemas sócio-ambientais
que afetam a sociedade.
Segundo a diretora do IBT, o estudo da biodiversidade
requer uma abrangência horizontal, no sentido
de se coletar, descrever, classificar e registrar
o maior número possível de membros
dos diferentes grupos. "No entanto, requer
também um enfoque vertical, pois a pesquisa
em biodiversidade é obrigatoriamente multidisciplinar",
afirmou, ressaltando que o Instituto de Botânica
é a única instituição
do país que possui em seus quadros especialistas
dos vários grupos de vegetais e de fungos
e líquens.
Auxílio para as políticas
públicas
Esse conhecimento acumulado e
abrangente, aponta Lilian Zaidan, auxilia diretamente
no estabelecimento de políticas públicas
para a revegetação e recuperação
de solos em áreas degradadas, na elaboração
de diagnósticos relativos à vegetação
nativa ou sobre a qualidades de corpos d'água,
o licenciamento ambiental no que se refere à
preservação de ecossistemas e de seu
equilíbrio, e de espécies endêmicas
ou de interesse.
De acordo com a pesquisadora, são inúmeras
as aplicações dos estudos sobre a
biodiversidade que auxiliam em ações
diretas de preservação e conservação.
Iniciativas como o Projeto BIOTA/FAPESP, que agrega
pesquisadores e estudantes de vários níveis
do Estado, representa um passo importante para assegurar
que todo o conhecimento adquirido virá trazer
benefícios para a sociedade. A revisão
e a atualização da listagem das espécies
da flora paulista ameaçada de extinção
está sendo processada pela comunidade de
cientistas, encabeçada por técnicos
do Instituto de Botânica e irá constituir
ferramenta de trabalho da maior importância
para os processos de licenciamento ambiental",
argumenta Lilian Zaidan.
Os projetos atualmente em andamento no Instituto
de Botânica estão concentrados na região
de Mata Atlântica, especialmente em Paranapiacaba,
Ilha do Cardoso, Juréia, Parque Estadual
das Fontes do Ipiranga; regiões de cerrado,
como Mogi Guaçu e Itirapina, assim como matas
ciliares de regiões do Estado e o Litoral.
Demandas diversas
Respondendo pela gerência
de 871.281,09 hectares de florestas, um pouco mais
de 3% da área total do Estado (26 parques,
22 estações ecológicas, 2 reservas,
20 estações experimentais, 13 florestas,
5 hortos e mais 2 viveiros), o Instituto Florestal
(IF), pertencente à Secretaria do Meio Ambiente,
desenvolve importantes pesquisas em conservação
da biodiversidade e na gestão de unidades
de conservação (UCs).
Na palestra que abordou sobre o tema, Valdir de
Cicco, diretor geral do IF, colocou que a instituição
desenvolve hoje 115 projetos de pesquisa, 49 integrados
e 66, por universidades e outros órgãos,
estudos relacionados a políticas de conservação
e gestão de recursos florestais e hídricos,
política fundiária e de educação
ambiental.
As pesquisas nas unidades de conservação
administradas pelo IF também atendem outras
demandas, de instituições federais,
estaduais e municipais; das universidades; pequenos
e médios proprietários rurais; indústrias
ligadas ao setor florestal; exploradores de goma-resina;
compradores de sementes e mudas e freqüentadores
e usuários das UCs.
Atendem, também, demandas da própria
Secretaria do Meio Ambiente, dando respostas aos
questionamentos de rotina como empreendimentos de
significativos impactos ambientais, tais como rodovias,
oleodutos, gasodutos, linhas de transmissão
e hidroelétricas.
Interação entre
pesquisa, programas e planejamento participativo
Com a recente regulamentação
do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC), o Instituto Florestal, segundo informou
Valdir de Cicco, vem reavaliando categorias de manejo,
como por exemplo o Horto Florestal de Rio Claro,
transformado em Floresta Estadual Navarro de Andrade;
e as Estações Experimentais de Assis
e Pederneiras, em Florestas Estaduais.
Segundo o diretor do IF, a pesquisa subsidia a elaboração
dos programas de manejo, que, por sua vez, norteiam
todas as atividades das unidades de conservação.
"O programa de manejo ´pesquisa científica`
reordena e aprofunda as abordagens científicas
dentro de cada programa de pesquisa da instituição",
afirma Valdir de Cicco, que cita o plano de manejo
do Parque Estadual Campina do Encantado, no Vale
do Ribeira, como um exemplo da interação
desejável entre pesquisa, elaboração
dos programas de manejo e planejamento participativo.
Em síntese, 47.224,45 hectares de unidades
de conservação no Estado possuem planos
de manejo, 260.076,42 ha contam com planos de gestão
ambiental com programas de manejo, 73.093,74 ha
estão em fase de elaboração
e revisão, 682.633,97 ha encontram-se em
tratativas para sua elaboração e 25.382,35
ha não possuem previsão.
Importância da caracterização
do meio físico
A pesquisa científica no
Instituo Geológico gera conhecimentos para
a gestão ambiental do território paulista,
buscando o bem-estar social e o desenvolvimento
sustentado, além de oferecer subsídios
para a definição de políticas
públicas da Secretaria do Meio Ambiente.
A afirmação é de Cláudio
José Ferreira, diretor do IG, ao falar sobre
a "Caracterização do Meio Físico
para a Gestão Ambiental".
Segundo ele a caracterização do solo,
da dinâmica dos processos geomorfológicos
e climáticos, a avaliação de
impactos ambientais, os estudos geotécnicos
e geoambientais relacionados aos recursos minerais
e hídricos subterrâneos são
alguns exemplos. Os programas de pesquisa do IG
priorizam temas como desastres naturais, poluição
ambiental, ordenamento territorial e gestão
das unidades de conservação.
Entre os projetos destacados, estão o plano
diretor de exploração minerária
no Vale do Ribeira e Litoral Sul do Estado, e da
bacia do Rio Mogi Guaçu"; a seleção
de áreas para tratamento e disposição
final de resíduos industriais e domésticos
na Região Metropolitana de Campinas e o sistema
de informação para o gerenciamento
ambiental dos recursos hídricos do aqüifero
Guarani.
Programas comuns
Estudos para a conservação
da biodiversidade reúnem pesquisadores do
Instituto de Botânica, Instituto Geológico,
Instituto Florestal e a própria Coordenadoria
de Informações da Pesquisa Ambiental
(CINP) - à qual os três institutos
são subordinados - , como é o caso
de Renata Mendonça, Maria Cândida Henrique
Mamede, Fernando Fittipaldi e Luiz Camargo Numa
de Oliveira. O grupo procura instrumentos para a
implementação das ações
previstas na Convenção da Diversidade
Biológica, que garantam a conservação
e a utilização da biodiversidade brasileira.
No trabalho de caracterização da área
temática que realizaram destacam o intenso
processo de supressão da cobertura vegetal
original do Estado, como resultado do modelo econômico
adotado para o seu desenvolvimento. Dos 81% do território
coberto por Mata Atlântica restam somente
7%, e da área original de 12% coberta pelo
cerrado hoje existe apenas 1%. O Estado perdeu 89%
de sua cobertura florestal em pouco mais de um século,
com a difusão da cultura do café e,
atualmente, o pouco que resta se encontra espalhado
em pequenos fragmentos nas propriedades particulares
ou protegidos pelas unidades de conservação.
Outro dado preocupante foi apresentado pela equipe
que vem atuando em pesquisas sobre recursos hídricos.
Na exposição que realizou, a pesquisadora
Denise Campos Bicudo destacou que o Brasil detém
o maior índice de água doce do planeta,
com 12% do total. Esta distribuição,
no entanto, não é homogênea
e os mananciais têm seu grau de comprometimento
proporcional à ocupação da
região onde estão localizados. Na
Região Metropolitana de São Paulo,
por exemplo, a bacia do Tietê tem capacidade
para fornecer apenas 171 m3/ano por habitante, o
que já se traduz como escassez do recurso.
"O nível considerado aceitável
deve ser superior a 1.000 m3/ano por habitante.
Abaixo desse índice e até 500 m3 a
situação já se configura como
de estresse hídrico, limite do qual estamos
muito além", explica a pesquisadora.
Falta de seriedade na criação
de unidades de conservação
A criação de uma
entidade própria para executar os planos
de manejo das Unidades de Conservação
foi defendida pela assessora da Secretaria de Estado
do Meio Ambiente e diretora executiva da Rede Nacional
Pró-Unidades de Conservação,
Maria Teresa Jorge Pádua, Ao discorrer sobre
o tema "Unidades de Conservação:
muito mais do que atos de criação
e planos de manejo", a pesquisadora, que já
respondeu pela presidência do IBAMA e ocupou
outros cargos importantes no Brasil e no exterior
ligados ao setor florestal e de conservação,
afirmou que uma porcentagem considerável
das unidades de conservação (parques,
reservas, estações ecológicas,
APAs e outras), criadas especialmente na última
década, não respondem às necessidades
ambientais cientificamente estabelecidas e que,
sua criação, pode se converter em
sério obstáculo para a implantação
das áreas realmente necessárias. "Falta
seriedade na criação de unidades de
conservação", enfatizou a assessora
da SMA.
A especialista observa que algumas
unidades de conservação são
inauguradas sem planejamento, sem consulta prévia,
sem recursos para estudos e, menos ainda, para implantação
ou manejo. O Estado de São Paulo, por exemplo,
possui nada menos que 19 APAs ( Áreas de
Proteção Ambiental) decretadas desde
1984, que somam 2.341.442,80 hectares, e que representa
mais que o dobro de todas as outras categorias que
o estado possui, que, no seu total somam 900.000
hectares. " O próprio pessoal, que trabalha
no assunto, quer propor a extinção
de sete delas, por considerar que não cumprem
seus objetivos de manejo e se tornaram inúteis",
disse.
Recursos para o manejo efetivo das UCs também
é outra prioridade apontada pela pesquisadora.
Os recursos de projetos do BID com o Brasil para
as unidades de conservação, nos anos
11000, foram de U$ 69,4 milhões para 83 unidades
de conservação. O aporte do Brasil,
através do Governo Federal e dos estaduais
foi de 41,6%, mas se considerar que a maioria dos
recursos é de empréstimo, ou seja,
dinheiro que vai ter que ser pago pelo governo,
o país aportou 86% dos recursos. A maior
parte dos recursos (64,9%) foram para unidades de
conservação de uso indireto, embora
as APAs tenham recebido U$ 10 milhões.
Visitação nos parques:
muito limitada
Considerando outros investimentos,
tanto no nível federal, como no estadual,
como, por exemplo, o PPMA - Projeto de Preservação
da Mata Atlântica, no Estado de São
Paulo com recursos totais da ordem de R$ 72,6 milhões,
bem como todos os recursos de compensações
ambientais, o que leva a pesquisadora a concluir
que o país foi privilegiado com recursos
para as UCs.
Maria Teresa observa que as pesquisas científicas
vêm crescendo nas UCs, não obstante
toda a dificuldade de se conseguir as necessárias
autorizações. No entanto, não
passam de poucas dezenas. "Desafortunadamente,
as universidades têm usado pouco as unidades
de conservação".
O uso público para o lazer e a educação
ambiental também não alcançam
resultados expressivos. Segundo Maria Tereza, a
visitação nos parques nacionais e
estaduais é muito limitada, não atingindo
mais de 5 milhões de visitantes nos melhores
anos. Em São Paulo, com 23 parques e mais
de 800.000 hectares, se recebe apenas 1.200.000
visitantes, mas somente 280.000 são pagantes.
"É impressionante o baixo uso de nosso
sistema de unidades de conservação,
ainda mais quando comparamos com o Jardim Zoológico
de São Paulo, por exemplo, que recebe cerca
de 1,5 milhão de visitantes a cada ano".
No entanto, considerou que houve, no passado, falta
de decisão política e falta de autonomia
administrativa e pessoal competente para bem manejar
as unidades de conservação. Os recursos,
gastos com infra-estrutura, acabaram ficando abandonados
pela falta de uso e manutenção.