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MARINA SILVA
E CIRO GOMES
ENCERRAM O ENCONTRO BR-163 SUSTENTÁVEL
Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Novembro de 2003
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A ministra do Meio
Ambiente e o ministro da Integração
Nacional, assim como o governador do Mato Grosso,
Blairo Maggi, receberam em primeira mão as
propostas elaboradas durante o evento realizado
em Sinop (MT) entre 18 e 20/11, para garantir a
sustentabilidade ambiental e socioeconômica
da área de influência da BR-163, que
deverá ser pavimentada durante o governo
Lula. Para discutir e consolidar as reivindicações,
Marina propôs a criação de um
Grupo de Trabalho, ou melhor, de um “consórcio
social”.
Vinte de novembro é feriado estadual no Mato
Grosso, em comemoração ao Dia da Consciência
Negra. Nem por isso sobraram lugares vazios no auditório
do campus Sinop da Universidade Estadual do Mato
Grosso (Unemat), onde, além dos 250 participantes
do encontro, aproximadamente 200 interessados, entre
os quais prefeitos, deputados estaduais, vereadores
da região, acompanharam o encerramento do
Encontro BR-163 Sustentável – Desafios e
Sustentabilidade ao longo do Eixo Cuiabá-Santarém
, organizado pelo Instituto Socioambiental (ISA)
em parceria com diversas instituições.
A cidade, de cerca de 125 mil habitantes, a 500
quilômetros ao norte de Cuiabá, estava
agitada. Não só pela presença
da ministra do Meio Ambiente, Marina, Silva, do
ministro da Integração Nacional, Ciro
Gomes, do governador do Mato Grosso, Blairo Maggi,
e de outros representantes do poder público,
mas também pelo assunto em discussão,
a pavimentação da BR-163 (Rodovia
Cuiabá-Santarém), considerada sinônimo
de desenvolvimento por boa parte da população
local e aguardada há décadas.
Os organizadores do evento estavam ansiosos para
apresentar o resumo das propostas elaboradas pelos
250 participantes do encontro, 100 deles índios
do Parque Indígena do Xingu, da Terra Indígena
(TI) Panará, da TI Capoto/Jarina e da TI
Baú, e desconstruir possíveis mal-entendidos,
como a impressão de que as ONGs estavam lá
para fazer, exclusivamente, oposição
à obra.
Logo no início do documento final do encontro,
lido por Adriana Ramos, coordenadora do Programa
de Políticas Públicas do ISA, é
destacado que a “perspectiva da pavimentação
da BR-163 nos parece uma providência racional
e desejável, longamente reclamada pelas populações
que hoje vivem em sua área de influência,
que dela necessitam para o escoamento dos seus produtos
e para a atenção às suas demandas
de assistência básica”.
“Com o objetivo de contribuir para que o processo
de implementação da obra não
implique, com tem ocorrido em outras similares,
aumento dos já impressionantes índices
de desmatamento observados nos Estados que integram
o chamado Arco do Desmatamento, assim como não
precipite a intensificação da grilagem
de terras públicas, assassinato de líderes
sindicais e deterioriação das condições
de vida das regiões afetadas, diversas organizações
da sociedade estão mobilizadas na discussão
e definição de um modelo de gestão
territorial para a região de influência
da rodovia através da proposição
de ações e estratégias, visando
a sustentabilidade social, econômica e ambiental
da região, de forma a garantir que os benefícios
da pavimentação da estrada beneficiem
aos diferentes segmentos da sociedade e garantam
a perenidade da cobertura florestal e da riqueza
da biodiversidade”, esclarece.
Propostas
do encontro
Entre as diversas
propostas do Encontro BR-163 Sustentável
estão a promoção da recuperação
das matas ciliares, em especial nas cabeceiras dos
rios formadores da Bacia do Rio Xingu, localizadas
fora dos limites do Parque Indígena do Xingu;
a criação de Unidades de Conservação
(UCs) como compensação de passivos
ambientais de assentamentos que não possuem
Reservas Legais (RLs), como previsto no Códeigo
Florestal; assim como a implementação
de UCs já existentes, entre as quais a Reserva
Ecológica Culuene, a Estação
Ecológica do Rio Ronuro e o Parque do Cristalino.
Ainda sobre esse tema, o documento detalha: “Tendo
em vista que o eixo da BR-163 atravessa uma região
de rica biosiversidade é fundamental a manutenção
de corredores ecológicos entre as diferentes
áreas. Neste sentido, é preciso desenvolver
estratégias para que a localização
das áreas de RLs nas propriedades garantam
essa conectividade. Além disso, é
importante incluir a região da Serra do Cachimbo
- região localizada ao norte do Mato Grosso
e ao sul do Pará, numa zona de transição
entre as Amazônia e o Cerrado, com grande
heterogeneidade ambiental, rica biodiversidade e
um nível significativo de endemismo - entre
as prioridades do Programa Áreas Protegidas
da Amazônia (ARPA)".
A criação de uma faixa de proteção
de 10 quilômetros no entorno das Terras Indígenas,
a proteção e a fiscalização
dessas áreas e o investimento em processos
educacionais e de capacitação para
viabilizar as atividades produtivas são algumas
das demandas relacionadas especificamente às
populações indígenas, o último
ponto envolvendo também os agricultores familiares.
Para a agricultura familiar, os participantes solicitam
ainda, entre outros, a garantia de infra-estrutura
básica; a reformulação do modelo
de reforma agrária, com adoção
de assentamentos sustentáveis; o estabelecimento
de linhas de microcrédito; a adoção
de políticas de incentivo à produção,
como, por exemplo, a organização do
comércio intermunicipal, tanto para a venda
de produtos como a compra de insumos; e a criação
de pólos do Proambiente na região.
Garantia
de futuro e de respeito à diferença
“Eu pediria para
a ministra, para o governador do Estado e para as
demais autoridades que prestem atenção
nesta proposta, que não são coisas
pequenas. O que estamos pedindo é necessário
para a nossa sobrevivência, para o nosso futuro,
para os nossos rios, para os nossos peixes”, afirmou
Mairawe, presidente da Associação
Terra Indígena Xingu (Atix) e uma das mais
importantes lideranças do Parque Indígena
do Xingu. Ele também aproveitou para contar
que, além dos Panará, outros povos
indígenas foram afetados por programas de
governo implementados na região. “Existem
outros que sofreram antes, talvez um pouco mais
pior do que eles. E que ninguém revela, ninguém
sabe. São os Kayabi, que moraram no Rio Teles
Pires. Uma das aldeias era aqui onde nós
estamos pisando.”
Piracumã Yawalapiti, do Alto Xingu, confessou
não estar muito contente com o encontro,
porque eventos como esse normalmente não
têm resultados. Ele detalhou as propostas
construídos pelos 100 índios presentes
ao evento. Já Megaron Txucarramãe
expôs um outro ponto de vista: “Eu estou aqui
contente com o prefeito, com o ministro, com a ministra,
com o governador, todo o pessoal que está
aqui. Eu, pelo menos, estou contente, porque estou
discutindo, falando, sobre um problema que atinge
todos nós”.
A última participação de uma
liderança indígena, talvez a mais
emocionante, foi a de Kreton Panará, que
falou sobre o processo de dizimação
dos Panará durante a construção
da estrada, no início da década de
70. “Eu vou contar primeiro sobre nós, nós
que mora primeiro aqui, aonde você está
fazendo cidades: Peixoto de Azevedo, Matupá,
Guarantã. Nós morreu muito aqui onde
está a estrada. Muito triste, quando lembrando.
Chorando. Deixaram nós sozinhos.” Diversas
vezes, Kreton pediu aos brancos que respeitem os
índios.
“É
a primeira vez que isso acontece”
Após os discursos
de Sérgio Guimarães, do Instituto
Centro de Vida (ICV), e Nilfo Wandscheer, do Grupo
de Trabalho Amazônico (GTA) do Mato Grosso,
foi a vez do ponunciamento do prefeito de Sinop,
Nilson Leitão. “Eu sou um defensor da BR-163,
como a maioria. E o que faltava era fazer com que
ambas as partes, ou melhor, com que todas as partes
interessadas, ou todas as partes que estariam sendo
atendidas ou 'atentadas' pela obra, tivessem sentadas
na mesma mesa. Isso nunca aconteceu. É a
primeira vez que isto acontece.”
Leitão está certo de que o atual governo
vai ficar na História, cumprindo uma promessa
da época dos militares. “Eu tenho certeza
absoluta que essa carta [documento final], a presença
dos senhores ministros, a sensibilidade do governador
Blairo Maggi, vai fazer com que essa obra aconteça
ainda mais rápido do que nós esperávamos,
só que desta vez chancelada por todos – pela
comunidade indígena, pelo pequeno produtor,
por quem mora no Pará, por quem mora no Mato
Grosso.”
Já o ministro de Integração
Nacional, Ciro Gomes, explicou que a intenção
do governo é realizar a obra [pavimentação
da BR-163] de uma maneira inédita. “Interage
aqui a possibilidade da gente estabelecer uma iniciativa
exemplar de ordenamento terrritorial, de um Zoneamento
Econômico-Ecológico (ZEE) verdadeiro,
que não seja uma coisa tecnocrática,
mas seja, já no seu nascedouro, uma coisa
legitimada nessas diversas opiniões, que
essa reunião simbolicamente, de forma muito
forte, representa.”
Gomes também saiu em defesa das Terras Indígenas
e da ampliação das UCs: “No meio deste
faroeste violento, predador, em que se transforma
o Arco do Desmatamento, as áreas indígenas
estão exemplarmente postas como execução,
não sem ter problemas aqui e ali. O Cachimbo
está exemplarmente preservado, por que não
expandir?” Entretanto, a proteção
do entorno da Serra do Cachimbo, que abriga diversas
nascentes, está comprometida.
Recentemente, o prefeito de Guarantã do Norte,
Lutero Siqueira (PMDB), que esteve presente ao Encontro
BR-163 Sustentável, teve de desistir da criação
de duas Unidades de Conservação municipais
- uma Área de Proteção Ambiental
(APA) e um parque de 34 mil hectares ao sul da Serra
do Cachimbo - , rechaçadas por produtores
rurais. Em visita a Guarantã para falar sobre
produção agrícola sustentável,
Raimunda Nonata, diretora do Fundo Nacional do Meio
Ambiente (FNMA), foi mantida em cárcere privado
e só liberada após o prefeito assinar
um documento desistindo da implementação
das novas áreas protegidas.
"Uma
nova história na Amazônia"
“Não é
errado ter interesses, não é errado
defender interesses, o erro é quando um interesse
acha que pode se sobrepor aos demais. É quando
um interesse acha que pode se sobrepor aos interesses
dos índios ou aos interesses dos agricultores
familiares”, afirmou Marina Silva, para quem o encontro
representa “um esforço muito grande dos participantes
em formar um pacto para viabilizar uma estrada que
poderá deixar, em vez de deixar um rastro
de destruição, ser exemplar para uma
nova história do que significa infra-estrutura
na Amazônia”.
Marina afirmou se sentir menos gente cada vez que
ouve histórias de povos indígenas
que foram eliminados. “Eu acho que eu seria bem
melhor se os Panará não tivessem sido
destruídos como foram, se os nossos irmãos
Kaxinawá, se os nossos irmãos Ashaninka,
enfim, tantos outros, não tivessem sido prejudicados
como foram. Porque a cada genocídio que aconteceu
nós diminuimos um pouquinho do humano que
existe em nós. Porque não tivemos
a capacidade de perceber o outro.”
De acordo com o discurso da ministra, a proposta
dos participantes do Encontro BR-163, de que seja
formado um Grupo de Trabalho Interinstitucional,
com participação paritária
da sociedade civil, governo federal, estaduais e
municipais, para definir as medidas que garantam
a sustentabilidade socioambiental da obra, deverá
ser contemplada. “Não tem um consórcio
para viabilizar a Rodovia Cuiabá-Santarém
sob o ponto de vista econômico? Por que não
também um consórcio para viabilizá-la
sob o ponto de vista ambiental, social e cultural?”,
questionou.
Mais importante do que o conjunto de propostas para
a sustentabilidade da BR-163, todos deixaram Sinop
com a impressão de que testemunharam a possibilidade
de ser construída na Amazônia uma nova
maneira de elaborar políticas públicas
- por todos e para todos. Principalmente por quem
tradicionalmente ocupa esta região e, infelizmente,
estava sendo esquecido.
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Cristiane Fontes