Panorama
 
 
 

EXPRESSÕES GRÁFICAS E ORAIS WAJÃPI
SÃO DECLARADAS PATRIMÔNIO IMATERIAL DA HUMANIDADE

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Novembro de 2003

Resultado de uma indicação do Museu do Índio/Funai, apoiada pelo Ministério da Cultura, o reconhecimento pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) da obra do povo Wajãpi, que vive na Terra Indígena homônima, no Amapá, abre espaço para maior proteção e valorização de seu saber tradicional e seus elementos culturais. Cerimônia realizada em Paris, no dia 07/11, anunciou outras 27 obras selecionadas.
Uma característica singular dos grafismos kusiwar, usados nas pinturas corporais e de objetos dos Wajãpi, e das narrativas transmitidas oralmente entre esse povo, é que são elaborados de forma sempre renovada, agregando referências do presente e revelando a contemporaneidade dessa cultura indígena. Assim, novos padrões gráficos – como a forma de um objeto ou o símbolo de um produto - podem ser adotados em um desenho, mas o esquema de composição continua sendo o tradicional. Igualmente, se os Wajãpi precisarem discutir questõs sobre o recém criado Parque do Tumucumaque, contíguo a toda a região norte da Terra Indígena Wajãpi (AP), isto será feito por meio de um diálogo cerimonial que pode durar dias. A explicação é da antropóloga Dominique Gallois, da Universidade de São Paulo, que trabalha com os Wajãpi há 25 anos.
Dominique afirma que a importância da iniciativa da Unesco para esse povo se deve, em primeiro lugar, ao fato de que seus grafismos e saberes orais associados vêm sendo alvo de uso abusivo por parte de vários segmentos da sociedade não-indígena, para fins comerciais e publicitários, e o status de patrimônio imaterial da humanidade deve ajudar a protegê-los. O próprio diretor geral da Unesco, Koichiro Matsuura, afirmou durante o anúncio dos escolhidos, no dia 07/11, em Paris, que espera efetivo compromisso do Estado brasileiro para a promoção e proteção das expressões culturais dos Wajãpi e de outros povos indígenas do país.
Ao mesmo tempo, as lideranças Wajãpi, conforme relato de Dominique Gallois, vêem no reconhecimento da Unesco uma forma de reafirmar a beleza e a importância das pinturas corporais para os mais jovens, que muitas vezes preferem não usá-las para evitar comentários preconcei-tuosos. ”O sistema de grafismos kuziwar revela a capacidade criativa dos modos tradicionais de transmissão de conhecimentos, em que desenho e narrativa se complementam”, define Dominique.
Além das expressões gráficas e orais dos índios Wajãpi, a Unesco selecionou como patrimônio imaterial da humanidade cinco obras primas de populações indígenas e afro-descendentes da América Latina e Caribe, seis manifestações culturais européias, onze da Ásia e do Pacífico, três árabes e três africanas. O júri internacional responsável pelas indicações - composto de 18 membros e presidido pelo escritor espanhol Juan Goytisolo - avaliou 56 candidaturas nacionais e plurinacionais. Esta foi a segunda Proclamação das Obras Primas do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade, que ocorre a cada dois anos e tem por objetivo estimular os países membros a identificar, reconhecer e proteger a diversidade e a continuidade dessas manifestações culturais.
“O grande desafio que esse prêmio coloca aos mais diversos setores culturais, indigenistas e políticos do país é que ele não parabeniza os povos por guardar intocados ou “eternizar” elementos de sua cultura, mas, sim, pela sua capacidade de continuar percebendo o mundo à sua maneira, integrando objetos e reflexões novas, que são transmitidas de acordo com sua tradição”, avalia Dominique.

Plano Integrado

Uma exigência do processo de avaliação da Unesco para as candidaturas de patrimônio imaterial da humanidade é que apresentassem um plano de valorização e formação cultural, relacionando os povos tradicionais e a sociedade envolvente. No caso dos Wajãpi foi proposto o Plano Integrado de Valorização dos Conhecimentos Tradicionais para o Desenvolvimento Socioambiental Sustentável da Comunidade Waiãpi do Amapá. A proposta é implementar campanhas de sensibilização e formação dirigidas a não-índios, além de promover formas de relacionamento e de intervenção adequadas à valorização de patrimônios culturais diferenciados e orientadas segundo o pensamento dos índios. Um segundo conjunto de medidas prevê ações nas aldeias Wajãpi, visando a mobilização para o fortalecimento interno das formas de transmissão oral.
A discussão nas aldeias de um plano de ações a ser proposto à Unesco, a exemplo do que foi feito para a elaboração do dossiê, foi orientada por pesquisadores do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da Universidade de São Paulo/NHII-USP, incluindo a antropóloga Dominique Gallois, e com a colaboração dos assessores do Programa Wajãpi desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena (Iepé). O plano deverá ser colocado em prática através de um conselho de instituições assessoras e com o apoio do Museu do Índio.
A parceria recente entre os Wajãpi e o Museu do Índio teve início em 2001, quando começou a ser organizada a exposição Tempo e Espaço na Amazônia: os Wajãpi, realizada no ano passado, na sede da instituição, no Rio de Janeiro. Segundo Dominique, a experiência mostrou aos Wajãpi o enorme interesse da sociedade não-indígena por sua cultura. Isso motivou as lideranças a retomar uma discussão sobre o desinteresse dos jovens pelos conhecimentos orais e pelas formas variadas de transmissão desses saberes - entre elas, a arte gráfica e composição de padrões kusiwar. Também desencadeou um processo de aprendizado dos professores indígenas junto aos mais velhos e a busca de alternativas para a valorização desses conhecimentos nas escolas das aldeias, que vão da tecnologia audiovisual à construção de uma proposta curricular que leva em conta as categorias próprias de conhecimento dos Wajãpi.
Portanto, a proposta do Plano Integrado está ligada a um processo fundamental de valorização da cultura Waiãpi. A implementação desse projeto depende, no entanto, da vontade política de órgãos governamentais indigenistas, com destaque para as instituições do Estado do Amapá. Para revelar a importância do reconhecimento dado pela Unesco e para reivindicar apoio político, os Wajãpi escreveram uma carta, entregue em 10/11 ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, e encaminhada à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Governador do Estado do Amapá, Waldez Goes.

Fonte: ISA – Instituto Sócio Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Cristina Velasquez e Cíntia Nigro

 
 
 
 

 

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