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GOVERNO DO
AMAZONAS
PLANEJA POLÍTICA INDIGENISTA
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Novembro de 2003
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A I Conferência
dos Povos Indígenas do Amazonas – Terra e Sustentabilidade,
que ocorreu entre 30/10 e 01/11, em Manaus, fechou
o ciclo de oficinas regionais realizadas ao longo
do ano para a construção do Amazonas
Indígena, programa governamental voltado aos
mais de 60 grupos e sub-grupos indígenas do
Estado. Entretanto ainda não há recursos
disponíveis para a implementação
da maior parte das ações previstas.
Questões indígenas, tradicionalmente
assunto da esfera federal no Brasil, começam
a ganhar maior atenção de governos estaduais.
São os casos do Acre e Roraima, que já
contam com Secretarias estaduais específicas;
de São Paulo, que recentemente criou o Núcleo
de Assuntos Indígenas dos Municípios
(NAI) vinculado à estrutura de sua Secretaria
de Economia e Planejamento; e também do Amazonas.
A atual gestão do governo amazonense acaba
de anunciar uma política pública diretamente
dirigida aos povos indígenas que vivem em seu
território: o Programa Amazonas Indígena,
apresentado e discutido com cerca de 150 representantes
indígenas durante a I Conferência dos
Povos Indígenas do Amazonas – Terra e Sustentabilidade,
realizada entre 30/10 e 01/11, em Manaus.
O Programa
Amazonas Indígena
De acordo com apresentações
e materiais distribuídos durante a conferência,
o Amazonas Indígena começou a ser desenhado
por meio de uma série de 15 oficinas de planejamento
conduzidas, ao longo de 2003, em 11 regiões
do estado - veja figura ao lado. As oficinas, a conferência
e o Amazonas Indígena estão ligados
à atuação da Fundação
Estadual de Política Indigenista (FEPI), instituída
na gestão anterior, mas estruturalmente modificada
pelo atual governador, Eduardo Braga (PPS), que vinculou
o órgão à recém-criada
Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (SDS) e conduziu Bonifácio
José, indígena da etnia Baniwa, do Alto
Rio Negro, ao seu comando.
Com base nos trabalhos das oficinas, as atuais equipes
da FEPI e da SDS levantaram as demandas dos índios,
sistematizaram-nas em três eixos estratégicos
de ação — “apoio ao etnodesenvolvimento
dos povos indígenas”, que aglutina as áreas
de produção e sustentabilidade; educação,
saúde e infra-estrutura; “valorização
e divulgação da cultura e direitos indígenas”;
e “fortalecimento das organizações indígenas”
— e quantificaram os recursos necessários para
atendê-las. O resultado foi o seguinte quadro,
distribuído aos participantes da conferência:
CONSOLIDAÇÃO
QUANTITATIVA DAS DEMANDASDOS POVOS INDÍGENAS |
SAÚDE |
R$
8.168.720,00 |
EDUCAÇÃO |
R$ 54.958.793,00 |
INFRA-ESTRUTURA |
R$ 198.364.400,00 |
PRODUÇÃO E
SUSTENTABILIDADE |
R$ 34.276.259,00 |
VALORIZAÇÃO
E DIVULGAÇÃO DA CULTURA E DIREITOS
INDÍGENAS |
R$ 13.624.027,00 |
FORTALECIMENTO DAS ORGANIZAÇÕES
INDÍGENAS |
R$ 3.719.554,00 |
TOTAL |
R$
313.111.753,00 |
Fonte: Apostila
“Amazonas Indígena” – governo do Estado
do Amazonas. |
Uma das principais
indefinições do Programa Amazonas Indígenas,
porém, é justamente quanto ao seu financiamento.
Ao ser incluído na proposta de Plano Plurianual
(PPA) 2004-2007 que o poder executivo estadual encaminhou
à Assembléia Legislativa, retraiu-se
enormemente: dos mais de R$ 313 milhões apontados
acima, seu volume total caiu para cerca de R$ 59 milhões,
de acordo com tabela projetada em telão durante
a conferência.
Não bastasse essa redução, o
secretário da SDS, Virgílio Viana, afirmou
publicamente que, face ao reduzido orçamento
estadual, os recursos necessários para o Amazonas
Indígena não podem ser considerados
assegurados. Posteriormente, mencionou contatos com
possíveis financiadores finlandeses, incluindo
a empresa de telecomunicações Nokia.
Já Bonifácio José, da FEPI, anunciou
que o passo seguinte à Conferência seriam
negociações e busca de apoio junto ao
governo federal e à Funai (Fundação
Nacional do Índio).
A Conferência
A I Conferência
dos Povos Indígenas do Amazonas –Terra e Sustentabilidade,
realização da FEPI e da SDS com apoio
de outros órgãos do governo estadual
e da Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab),
ocorreu no auditório da Universidade Estadual
do Amazonas (UEA). Reuniu técnicos de vários
órgãos da administração
pública estadual e federal, membros da comunidade
acadêmica, representantes de organizações
não-governamentais, secretários de estado
e políticos e, sobretudo, índios.
Estiveram presentes representantes indígenas
de diversas etnias, regiões e organizações
do Amazonas, tais como a Associação
Indígena de Barcelos (ASIBA), o Conselho Geral
da Tribo Sateré-Mawé (CGTSM), o Conselho
Geral da Tribo Ticuna (CGTT), o Conselho Indígena
do Vale do Javari (CIVAJA), a Federação
das Organizações e dos Caciques e Comunidades
Indígenas da Tribo Ticuna (FOCCITT), a Federação
das Organizações Indígenas do
Rio Negro (FOIRN), a Organização Geral
dos Professores Ticuna Bilíngues (OGPTB), a
Organização Indígena da Bacia
do Içana (OIBI) e a União das Nações
Indígenas do Médio Solimões/
Tefé (UNI-Tefé). Além desses,
indígenas ocupantes de cargos públicos
eletivos — os vereadores Aldemício Suzano Bastos,
Ticuna de Benjamin Constant; Camico, Baniwa de São
Gabriel da Cachoeira; Cecílio, Mura de Autazes;
Darcy, Marubo de Atalaia do Norte; Obadias, Sateré-Mawé
de Barreirinha; Peres, Baré de Barcelos e o
vice-prefeito Mecias, de Barreirinha— e não-eletivos,
integrantes da FEPI; o presidente do Conselho Estadual
de Educação Indígena do Amazonas,
José Mário Mura; o assessor da Diretoria
de Assistência da Funai, Álvaro Tukano;
o secretário de Estado do Índio de Roraima,
Orlando Oliveira Justino; e o secretário extraordinário
dos Povos Indígenas do Acre, Francisco da Silva
Pianko.
A forte capacidade de mobilização do
encontro também se deixou verificar pelo número
de personalidades políticas não-indígenas
do Amazonas presentes: Luiz Castro, secretário
da Produção Agropecuária, Pesca
e Desenvolvimento Rural Integrado; Marilene Correa,
secretária da Ciência e Tecnologia, Rosane
M. C. Costa, secretária da Educação;
Lenny Passos, secretária da Saúde; Lúcia
Antony, coordenadora da Fundação Nacional
de Saúde (Funasa) no Amazonas; e o senador
Jéferson Perez (PDT/AM).
Foram organizados painéis temáticos
de discussão — nas áreas da formulação
de políticas públicas, recursos naturais
das terras indígenas, educação,
saúde e participação indígena
na gestão pública—, grupos de trabalho
por regiões e exposições por
parte de representantes governamentais e convidados.
Ao final, chegou-se a um documento a ser entregue
ao governador Eduardo Braga - documento na íntegra
abaixo . Em meio às sessões, houve tempo
para que o reitor da UEA, Lourenço Braga, se
comprometesse com a “abertura” da Universidade “para
o ensino superior indígena, da forma e quando
as lideranças indígenas quiserem”.
Lourenço Braga deixou claro não possuir
exatamente um projeto, mas uma disposição
política de discutir propostas existentes,
como as de um Instituto Universitário Indígena,
um curso de gestão em etnodesenvolvimento para
jovens indignas ou, ainda, Centros Universitários
Indígenas espalhados pelo Amazonas. Em termos
de perspectiva de implementação de ações
governamentais pontuais, a fala do reitor da UEA foi
o que de mais concreto saiu da conferência.
Manaus, 01 de novembro
de 2003.
Ao Excelentíssimo
Senhor Governador do Estado do Amazonas
Dr. Carlos Eduardo de Souza Braga.
Nós lideranças
indígenas representando as várias etnias
do Estado do Amazonas, participantes da I Conferência
dos Povos Indígenas do Amazonas intitulada
Terra e Sustentabilidade realizada nos dias 30 e 31
de outubro e 01 de novembro de 2003, em Manaus, no
auditório da Universidade Estadual do Amazonas
- UEA organizada pela Fundação Estadual
de Política Indigenista – FEPI e Secretaria
de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
– SDS, com apoio do Governo do Estado do Amazonas.
O evento teve como proposta dar continuidade ao processo
de consulta em cumprimento à Convenção
169 da Organização Internacional do
Trabalho – OIT, aos povos indígenas e Secretarias
de Governo do Estado com a finalidade de avaliar,
definir e consolidar o programa de política
do Estado, denominado Amazonas Indígena.
O Programa Amazonas Indígena é uma política
de etnodesenvolvimento com o objetivo de garantir
condições de segurança alimentar,
geração de renda, direitos a cidadania,
conservação e uso sustentável
dos recursos naturais em terras indígenas,
preservação, reconhecimento e valorização
das culturas dos povos indígenas do Estado
do Amazonas contempla as reivindicações
dos povos indígenas do Estado.
Assim encaminhamos nossas propostas e prioridades
ao Governo Estadual, descritos abaixo:
1.Implementação na prática do
Programa Amazonas Indígena.
2.Sustentabilidade: implementar políticas de
geração de renda para as comunidades
indígenas, viabilizando atividades produtivas
sustentáveis de acordo com a vocação
de cada povo e potencialidade de cada região,
incentivando alternativas econômicas que possibilitem
a geração de renda para as terras indígenas.
Prioridades:
- Apoiar e dar continuidade aos projetos de geração
de renda em desenvolvimento pelas organizações
e comunidades indígenas, criar uma legislação
e instrumentos que viabilizem e permita aos povos
indígenas terem acesso diferenciado a créditos
e financiamentos dos diversos setores;
- Construir centros de produção;
- Dotar as comunidades de energia elétrica;
- Beneficiamento e distribuição de produtos
indígenas,;
- Criar uma certificadora de produtos indígenas;
- Promover oficinas de artesanato;
- Constituir pólos de produção
de artesanato;
- Fornecer instrumentos para a preservação,
proteção e manejo de lagos em terras
indígenas;
- Beneficiamento de madeira e reflorestamento de terras
indígenas;
- Construir centros de artesanato;
- Fornecer instrumentos necessários para o
manejo de espécies madeireiras e não
madeireiras;
- Garantir e apoiar novas técnicas para as
práticas extrativistas;
- Beneficiamento e comercialização de
produtos das comunidades indígenas;
- Viabilizar mercados justos e compatíveis
regionalmente, nacionalmente e internacionalmente
para os produtos indígenas;
- Promover a formação de agentes indígenas
ambientais;
- Assessorar as organizações e comunidades
indígenas a elaborar, monitorar e implementar
projetos de geração de renda;
3.Educação:
Implementar políticas de ensino nos três
níveis: fundamental, médio e superior,
baseados em programas específicos considerando
as peculiaridades étnicas, as necessidades
das comunidades e povos, as práticas educacionais
indígenas em conformidade aos instrumentos
legais de respeito à diversidade cultural.
Prioridades:
- Formação de Agentes Indígenas
de Saúde – AIS para as comunidades indígenas;
- Apoiar a construção de escolas indígenas,
pelas próprias comunidades;
- Promover cursos para a formação de
professores indígenas nos diversos níveis
de ensino;
- Criar cursos de ensino superior na Universidade
Estadual do Amazonas -UEA voltados ao etnodesenvolvimento;
- criação de cotas para alunos indígenas
de nível superior na UEA, no interior e na
capital do Amazonas;
- Promover a formação indígena
em nível superior contemplando as áreas
da Saúde, Ciências Humanas e Sociais,
Ciências Humanas Aplicadas, Ciências Biológicas
e Exatas e Empreendedorismo;
- Criar cursos técnicos e profissionalizantes
nas áreas de interesses das comunidades indígenas;
4.Saúde:
- Implementar políticas de saúde voltadas
a ações e programas preventivos, de
fortalecimento, reconhecimento e valorização
do uso da medicina tradicional, assim como programas
de formação de recursos humanos indígenas.
Prioridades:
- Capacitação e qualificação
dos Agentes Indígenas de Saúde – AIS
para as comunidades indígenas;
- Reconhecer e valorizar o uso da medicina tradicional;
fortalecer os Conselhos locais de saúde indígena,
reconhecer na prática os espaços de
participação indígena nos conselhos
municipais de saúde;
- Apoiar e promover o fortalecimento da autogestão
indígena nos Distritos Sanitários Especiais
Indígenas;
possibilitar intercâmbios de conhecimentos sobre
medicina tradicional entre os povos indígenas;
5.Cultura:
- Implementar políticas de valorização,
divulgação, fortalecimento e reconhecimento
da diversidade cultural e dos direitos dos povos indígenas
do Estado do Amazonas.
Prioridades:
- Criação do Memorial Indígena
do Estado do Amazonas Apoio a política etnocultural
dos povos indígenas Valorizar o conhecimento
tradicional e as manifestações culturais
dos povos indígenas;
- Criar a certificação de produtos que
identifiquem sua origem étnica;
- Realizar conferências de intercâmbio
entre os povos indígenas no âmbito do
conhecimento tradicional e da cultura material;
- Criar e construir os centros de culturas regionais;
- Apoiar a criação e realização
de jogos indígenas
6.Organizações indígenas:
- Implementar políticas de apoio, fortalecimento
das organizações indígenas existentes
e a criação de novas organizações.
Prioridades:
- Promover intercâmbios de experiências
entre as organizações indígenas;
- Apoiar capacitação de lideranças
das organizações indígenas em
gerenciamento e empreendedorismo;
7.Gerências regionais:
- Implantação das gerências regionais
com os seguintes critérios:
Gerente deverá ser indígena;
Deverá ser membro de organizações
indígenas;
As organizações devem possuir a liberdade
política para escolher os gerentes das regiões;
A discussão sobre a implantação
de número de gerências seja feita de
forma consultiva e participativa;
8. Apoiar a realização de seminários
para discussão e estudos para a criação
de uma Secretaria de Estado para assuntos indígenas
até 2005;
9. Criar em 2004, Secretarias Executivas de Estado
para assuntos indígenas (saúde, produção,
educação e de sustentabilidade);
10. Mobilizar parlamentares do Estado do Amazonas
para que agilizem a aprovação do Estatuto
do Índio;
11. Criar cotas para os indígenas, nos concursos
públicos do Estado do Amazonas;
12. Criar leis de isenção fiscal para
empresas indígenas e de benefício fiscal
para empresas que apóiam projetos indígenas.
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Cristina Velasquez e Cíntia Nigro |