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REDE DE
VOLUNTÁRIOS ELABORA
PROJETO DE ESCOLA SUSTENTÁVEL NO
RS
Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Maio de 2003
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Uma nova concepção
de escola, cuja arquitetura e projeto educacional
atendem aos princípios da sustentabilidade
e do aperfeiçoamento técnico será
implantada no município de Feliz (RS). Fruto
do trabalho voluntário e cooperativo de 26
especialistas, o projeto arquitetônico valoriza
a ventilação, a iluminação
natural, a escolha de materiais produzidos na região
e o conforto ambiental dos alunos e professores.
Já o projeto educacional é voltado
para a inserção social, a fixação
de jovens no campo, além de atender às
demandas tecnológicas locais.
A escola é um anseio da comunidade dos 20
municípios que se estendem ao longo do Vale
do Caí, o que engloba a população
de 170 mil habitantes, e atenderá a dois
mil alunos de ensino médio técnico.
Em parceria, as prefeituras criaram uma entidade
gestora independente, a Fundação de
Educação Profissional do Vale do Caí.
Colaboram no projeto 33 empresas e três universidades,
a Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Vale
dos Sinos (Unisinos) e a de Caxias do Sul (UCS).
Algumas das empresas já fizeram contratos
para patrocínio de bolsas de estudos para
alunos carentes, antes mesmo da construção
da escola.
Feliz está a 90 quilômetros da capital
e a 60 quilômetros do Pólo Industrial
de Caxias, região onde se concentra o maior
número de olarias do estado e onde há
grande número de pequenos proprietários.
As culturas que predominam da agricultura local
são morangos, tangerinas, amoras e flores.
"A coloração e o sabor dos citros
da nossa região são conhecidos nacionalmente",
orgulha-se a secretária de Educação
de Feliz, Glória Gauer, uma das voluntárias
do projeto.
A área onde será construída
a escola tem 62 mil metros quadrados e é
rodeada da vegetação que acompanha
o rio. Chamada de Centro de Educação
Profissional do Vale do Caí, oferecerá
cinco cursos técnicos, nas áreas de
biotecnologia, agroindústria, indústria
cerâmica, gestão de bens e serviços,
e informática. Haverá ainda 40 cursos
básicos, de curta duração,
que atendem à vocação econômica
da região, segundo explica a secretária.
O projeto original foi aprovado, em agosto, no âmbito
do Programa de Expansão da Educação
Profissional (PROEP), do Ministério da Educação,
que visa à reforma da educação
profissional e conta com recursos do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) e do Fundo de Amparo ao
Trabalho (FAT). No entanto, um encontro com a criadora
da farinha multimistura à alimentação
de crianças carentes, Clara Brandão,
integrante da Pastoral da Criança, deu início
à mudança de concepção
da escola, segundo conta Glória Gauer. "No
nível educacional, ela tem projetos ligados
à escola profissional e foi trocando idéias
que percebemos que o projeto educacional da nossa
escola podia ser aperfeiçoado", relata.
Foi então que Glória Gauer apresentou
o projeto às universidades hoje engajadas,
durante o Encontro Amigos e Parceiros da Escola,
em janeiro. A sugestão de Clara Brandão
era aproveitar o projeto para por em prática
a escola sustentável, ou seja, um centro
de formação que atendesse à
vocação da região, estimulando
o associativismo e cooperativismo, além de
promover o resgate moral e ético dos povos
pioneiros, como os colonizadores.
O projeto ganhou a adesão, assim, da Rede
Ecologia Sustentável (Ecosust), que reúne
cerca de 300 profissionais de vários estados
e trabalha voluntariamente em suas comunidades nas
questões de sustentabilidade. Outro parceiro
que se engajou no projeto foi o Núcleo Orientado
de Inovação à Edificação
(Norie), da UFRGS. "O professor Miguel colocou
seu grupo de pós-graduação
à disposição para que chegássemos
a um novo projeto arquitetônico", explica
Glória.
As negociações entre os voluntários
chegaram a um projeto final entre fevereiro e março,
no qual tudo foi reformulado, menos o projeto pedagógico,
nem a estrutura laboratorial, uma exigência
do Ministério da Educação para
não colocar em risco a aprovação
no PROEP. "Na análise de agosto, tínhamos
conseguido R$ 3.866.317 e isso incluía a
construção e a compra de equipamentos.
Quando apresentamos a possibilidade de um novo projeto,
nos pediram que não alterássemos esse
valor", conta a secretária de Educação.
Assim, traçou-se um plano estratégico
para que a escola se adequasse aos princípios
de sustentabilidade. O grupo estabeleceu uma atuação
em quatro eixos: a sustentabilidade física
(novo projeto arquitetônico), a sustentabilidade
econômica (a própria escola gerando
uma vida saudável do ponto de vista financeiro),
a sustentabilidade social (proporcionar a participação
da comunidade na vida da escola) e a sustentabilidade
cultural (resgate da história dos colonizadores".
A partir daí, vieram as mudanças.
Do projeto arquitetônico original, ficou só
o tamanho da área a ser construída,
que será de 3.200 metros quadrados, além
do número de salas, laboratórios e
a parte administrativa. O coordenador do Norie,
Miguel Sattler, criou uma disciplina no curso de
pós-graduação de Engenharia
Civil, voltada ao estudo da mudança do projeto
original, para estimular a participação
dos alunos. Especialistas do Ecosust também
colaboraram com sugestões, uma delas da arquiteta
especializada nas questões de sustentabilidade
das edificações, Haiderose Gauer.
Ela trabalhou coordenando o trabalho de dois alunos
de mestrado. O autor do primeiro projeto, Luiz Alberto
Britz, também se engajou na nova proposta.
O material, a cor e o formato do telhado mudaram.
De telha metálica passou para telha cerâmica,
que será pintada de verde. Ao invés
de reto, o telhado será arqueado. Nas paredes,
no lugar de estruturas de concreto, planejadas para
cada três metros, que funcionariam como vigas
de sustentação, entraram paredes em
pedra da região (arenito ou granito) e tijolo
cerâmico maciço, que dispensa revestimento.
Dois corredores internos dividiam os blocos de salas
de aula. Agora, eles serão externos e abertos.
Do bloco, sairá um prolongamento de 1,5 metro,
para evitar que as pessoas se molhem no período
de chuvas. Pérgolas, estruturas de madeira,
serão fixadas nas lajes para o plantio de
trepadeiras, para tornar o ambiente arejado e bonito.
"A idéia, com isso, é criar espaços
aprazíveis para os alunos", explica
Sattler.
Prevê-se também o mínimo desbaste
de árvores para construção
da escola. A madeira das que tiverem que ser retiradas
será aproveitada na obra. Haverá sistemas
de tratamento da água servida, que poderá
ser aproveitada na irrigação de plantas
e viveiros. "A água passará por
filtros de areia e brita e, no topo da camada será
colocado um leito para evapotranspiração.
Nesse topo, será recomendado o plantio de
bananeiras, que comporá o paisagismo e também
vai colaborar na purificação da água",
conta o professor. O projeto de construção
levará em conta também o ciclo de
vida dos materiais utilizados, sua origem, quantidade
e volume (preferência para o que é
produzido na região) e também as condições
de trabalho de quem os produziu, a energia usada
para a produção e os resíduos
que geram.
Sattler revela ainda que o processo de filtragem
da água usado no esgoto pode ser acompanhado
pelos alunos. Outra idéia é fazer
pequenos lagos para aproveitamento da água,
que seria tratada com espécies aquáticas.
Depois do tratamento, o líquido poderia ser
bombeado para uso no sistema de descarga dos sanitários
ou para lavagem do piso. As três estufas do
projeto original que seriam retangulares, feitas
de madeira e material metálico, serão
armadas com bambu, que ocorre abundantemente na
região. "Além de ser esteticamente
mais bonito", comenta a arquiteta Haiderose
Gauer.
Os três blocos foram conservados, sendo o
primeiro destinado à administração,
biblioteca e auditório; o segundo e terceiro
às salas e laboratórios. Mas como
a ventilação e a iluminação
seriam prejudicadas devido aos amplos corredores
fechados projetados anteriormente, o pessoal coordenado
por Sattler e Haiderose trabalhou no deslocamento
dos dois edifícios destinados às salas,
levando em conta a orientação solar.
Houve ganho também no aquecimento interno,
pois o inverno é caracterizado por temperaturas
baixas, mas com forte presença solar. No
lugar onde está projetado o estacionamento,
a retirada de árvores será feita de
maneira que espécies de muita sombra sejam
conservadas.
O grupo incluiu o espírito do eixo resgate
cultural já no projeto arquitetônico
ao mudar o projeto urbanístico de forma que
a área construída da escola imite
o caminho sinuoso do rio Caí. Haverá
20 pontos de convívio, representando cada
município que integra a Fundação
de Educação Profissional do Vale do
Caí, a entidade gestora da escola. O piso
de tijolo cerâmico produzido na região,
o paisagismo que privilegia as culturas locais e
a representação dos quatro elementos
da natureza são outras idéias incorporadas
ao novo projeto. O paisagismo, aliás, será
simbólico e também produtivo. "Os
alunos poderão comer as amoras, porque haverá
cercas vivas de amoreiras", cita Glória
Gauer.
O início do caminho é representado
pelo fogo. O anfiteatro, localizado neste ponto,
será um espaço para fazer fogueiras
nas aulas noturnas. Na rótula central, que
dá acesso ao auditório e à
biblioteca haverá a representação
de tudo que é ponto de embarque, movimento,
irradiação do conhecimento. Ali, o
elemento da natureza é o ar. O elemento terra
estará contemplado nas hortas para produção
de alimento e aulas de agricultura e biotecnologia.
A água estará presente nos prédios
das estufas e dos laboratórios, representada
pelo filtragem e o tratamento. O líquido
voltará totalmente limpo ao rio. "Aqui
temos o conceito de usar a arquitetura como ferramenta
pedagógica", diz Glória.
A secretária de Educação idealiza
inclusive ampla interação da escola
com as comunidades locais. Com a geração
de conhecimento e tecnologias, um dos beneficiados
seriam as olarias. Hoje, os donos de indústrias
cerâmica pagam caro para que seu produto passe
por testes de qualidade antes de entrar no mercado.
Segundo Glória, a escola poderia oferecer
esse tipo de serviço, num preço mais
acessível, além da vantagem de ser
próxima da indústria, não implicando
em custo de transporte.
A visão pedagógica também passou
por ampla reforma, depois que o grupo de profissionais,
ao todo 26, se reuniu para fazer do Centro de Formação
do Vale do Caí uma escola que buscasse a
sustentabilidade, em todos os seus níveis.
"Nos inspiramos nas idéias do físico
Fritjof Capra, que prega a alfabetização
ecológica e nos identificamos com esses preceitos",
diz Glória. O impacto ambiental de todas
as atividades desenvolvidas depois que a escola
estiver pronta será constantemente avaliado,
servindo também de elemento pedagógico.
Especializado em edificações e comunidades
sustentáveis, sua linha de pesquisa, o professor
Miguel Sattler ressalta o ineditismo do projeto.
"Não conheço nenhum projeto escolar
com essas características, inclusive pelo
viés participativo da fase de elaboração",
observa. Agora, os voluntários que trabalharam
em sua confecção lutam para manter
o financiamento aprovado, no ano passado, no âmbito
do Programa de Expansão da Educação
Profissional (PROEP).
Segundo Glória, há o risco dos projetos
analisados no segundo semestre de 2002 sofrerem
cortes, por falta de liberação de
recursos. "Estivemos reunidos com os técnicos
e nos disseram que os cortes acontecerão,
mas como a escola tem um caráter inovativo,
em termos ambientais, pedagógico, participativo
e de identificação com os anseios
locais, acreditamos que serão sensíveis
ao nosso pleito", conta a secretária
de Educação.
Fonte: Radiobras (www.radiobras.gov.br)
Assessoria de imprensa (Lana Cristina)