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EM SEU RETORNO
AO ACRE MINISTRA
DO MEIO AMBIENTE CONCEDE ENTREVISTA
Panorama Ambiental
São Miguel Arcanjo (SP) – Brasil
Abril de 2003
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“Fui batizada com
fogo”
Depois de uma ausência
do Acre que durou três meses, a ministra do
Meio Ambiente, Marina Silva, foi recebida pelo povo
como se fosse uma lenda viva da Amazônia.
O anfitrião dela, o governador Jorge Viana,
viveu um dos poucos dias de sua vida sem o tradicional
assédio popular.
A ministra participou ontem, em Rio Branco, de quatro
solenidades demoradas durante as quais foi o centro
de toda a atenção. Foram centenas
de abraços, cumprimentos e autógrafos
que geralmente são reservados ao governador
nessas ocasiões.
De sua parte, como bom anfitrião, Jorge Viana
transitou entre os populares com discrição
incomum. Mas já havia feito uma declaração
pública, típica dos fãs com
os quais está acostumado a lidar. “Os parques
e jardins do país são de Marina Silva”,
afirmou.
Nas quatro ocasiões nas quais teve oportunidade
de se manifestar, a ministra Marina Silva conseguiu
emocionar os presentes pela sinceridade e clareza
das idéias que defendeu.
Quando fez uma pausa para almoçar com empresários
e o governador, no Palácio Rio Branco, a
ministra não se conteve ao saber que o evento
era bastante concorrido.
“Sou do tempo em que, quando a gente convidava os
empresários para uma reunião, os únicos
que apareciam eram o Abrahim Farhat e o Badate”,
disse a ministra.
O fato mais relevante decorrente da primeira visita
de Marina Silva como ministra foi o anúncio
de que o Banco Mundial está disposto a ajudar
a gestão dela com o financiamento de um programa
para o desenvolvimento da Amazônia.
O prestígio de Marina Silva é tanto,
dentro e fora do país, que os presidentes
do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento
deverão vir ao Acre, em junho, para participar
da reunião com a presença de todos
os governadores da Região Norte.
Na correria para cumprir uma extensa agenda de compromissos,
dentro de um carro, no percurso da Casa dos Povos
da Floresta ao Palácio Rio Branco, a ministra
atendeu a reportagem do Página 20. A íntegra
da entrevista a seguir.
Página 20
- Há quantos dias a senhora está ausente
do seringal Bagaço, o local onde nasceu?
Marina Silva - Quem costuma fazer essas contas é
o senhor Pedro Silva, meu pai. Outro dia ele me
apresentou a conta de quantos anos, meses, semanas,
dias, minutos e até segundos que fiquei no
Senado no primeiro mandato.
Página 20
- É mesmo?
Marina Silva – Sim, é verdade. Ele, por exemplo,
já fez essa conta parcial em relação
à minha presença no Ministério
do Meio Ambiente.
Página 20
- Durante a solenidade, a senhora fez uma pausa
para lembrar que falava sob o olhar rigoroso do
seu pai.
Marina Silva - Ele é uma boa antena. Acompanha
tudo pela televisão e quando tem dúvida
telefona para mim para obter explicações,
para saber se estou decidindo corretamente.
Página 20
- A senhora sempre deixa bem evidente que seu pai
é uma pessoa marcante na sua personalidade.
Marina Silva - Ele é forte, marcante e fraterno.
Devo meus valores morais a Deus e, em segundo lugar,
ao meu pai. Tudo o que sou em termos de ética,
moral e compromisso devo ao meu pai.
Página 20
- Está evidente que apenas o seu Pedro deve
saber há quanto tempo a senhora está
ausente do seringal Bagaço. Mas há
três meses a senhora está ausente do
Acre. O que mudou nesse período?
Marina Silva - Só fiquei tanto tempo assim
ausente do Acre quando estive doente. Agora estou
diante de uma responsabilidade muito grande. É
claro que o mandato já era um mandato que
se relacionava com o país inteiro, mas dentro
do Congresso. No Executivo é bem diferente,
porque é necessário dar respostas
muito concretas. Assumi o ministério e fui
batizada literalmente com fogo: a discussão
sobre transgênicos, o incêndio de Roraima
e o desmoronamento em Cataguases. Graças
a Deus, somos nós que estamos tomando a iniciativa
de resolver o problema do mogno apreendido. No ministério,
a gente trabalha com uma agenda negativa para a
qual é preciso respostas, mas também
estamos trabalhando uma agenda positiva, que ninguém
vê muito. Eu não gosto de fazer pirotecnia.
Gosto de trabalhar coisas consistentes, para anunciá-las
depois.
Página 20
- O que a senhora destaca como inovador dessa agenda
positiva?
Marina Silva - De inovador, a criação
de um sistema nacional integrado de segurança
ambiental, que será comandado pelo meu companheiro
Marcus Barros, presidente do Ibama, numa parceria
com a Polícia Federal. Nós sabemos
que não basta ficar combatendo o crime ambiental.
A gente correria o risco de ficar correndo sempre
atrás do prejuízo se não trabalhasse
com a inteligência. Esse programa está
com o desenho praticamente pronto. Estamos trabalhando
a criação de um sistema integrado
de prevenção e combate a riscos ambientais,
fazendo o levantamento de todas as situações,
como essa de Cataguases. O sistema poderá
ser acionado no momento em que houver uma emergência.
Além disso, existe a articulação
com o Banco Mundial, que manifestou a disposição
de ajudar a minha gestão, criando um programa
regional para a Amazônia.
Página 20
- Ainda em relação à segurança
ambiental, a inteligência popular será
usada pelo sistema?
Marina Silva - Com certeza. A primeira coisa que
pedi é que esse sistema não se limitasse
à alta tecnologia aplicada, para que seja
utilizado o conhecimento associado das comunidades
nas situações de risco. É preciso
respostas rápidas quando o sistema for acionado.
No caso de Cataguases, por exemplo, a gente sabe
que a responsabilidade do licenciamento e da fiscalização
é do governo de Minas Gerais. Mas geralmente,
quando ocorre um acidente ambiental, fica aquela
briga sobre de quem é a responsabilidade.
Página 20
- Como a senhora avalia a presença de uma
acreana no Ministério do Meio Ambiente e
de um amazonense na presidência Ibama?
Marina Silva - Isso é o reconhecimento à
contribuição da Amazônia. Mas
precisamos lidar com todas as agendas do país:
a agenda marrom, que é dos grandes assentamentos
urbanos; a agenda verde, que é muito mais
identificada com a Amazônia, mas tem uma agenda
marrom porque tem metrópoles como Belém
e Manaus. Vamos atuar fortemente na agenda azul
porque somos uma potência hídrica,
apesar de existirem problemas de abastecimento de
água em várias regiões do país.
Vai ser um Ministério do Meio Ambiente do
Brasil operado por quadros da Amazônia e do
Rio Grande do Sul. Engraçado que o meu secretário-executivo
seja do Rio Grande do Sul. O Acre não consegue
se separar do Rio Grande do Sul em lugar nenhum.
Página 20
- Agora vamos retomar aquele aspecto ao qual a senhora
se referia sobre o desenvolvimento da Amazônia
com o apoio do Banco Mundial e do Banco Interamericano
de Desenvolvimento. Qual o horizonte que se abre
para a região com a disposição
dessas instituições multilaterais
em apoiar a sua gestão?
Marina Silva - O horizonte se amplia. Existe uma
decisão nossa de que não vamos ficar
trabalhando o pontual. Ao longo de mais de 10 anos
temos experiências-piloto pulverizadas. Agora,
nós queremos transformar essas boas experiências
em políticas públicas para a Amazônia
em todos os sentidos: infra-estrutura, manejo florestal,
agricultura familiar, pecuária, comunidades
tradicionais, ações dos governos estaduais
e governos locais. Estamos pedindo ao Banco Mundial
para que haja uma grande política para a
Amazônia, para que os nossos recursos florestais
sejam preservados, mas, ao mesmo tempo, a gente
possa dar respostas para os 20 milhões de
pessoas que vivem aqui.
Página 20
- Existe estimativa de quanto possa custar esse
projeto?
Marina Silva - O projeto está agora em fase
de levantamento. Como se trata de um macroprojeto,
que envolve oito governadores, teremos uma primeira
reunião de levantamento dessas idéias.
Depois disso, os técnicos vão trabalhar
especificamente para isso.
Página 20
- A partir do cenário otimista de que a negociação
com o Banco Mundial dê certo, em quanto tempo
o projeto de desenvolvimento da Amazônia poderá
começar a ser executado?
Marina Silva - Espero que até o final ano
estejamos com o programa pronto, para que possamos
trabalhar a sua aprovação, tanto dentro
do Banco Mundial quanto dentro do próprio
governo brasileiro. O que vai adiantar o nosso serviço
é o fato de que já estou trabalhando
integrada com os vários ministérios.
Não seguimos mais aquela velha lógica
segundo a qual um ministro concebe uma idéia
e depois vai convencendo os demais. Estamos fazendo
o dever de casa juntos: Fazenda, Meio Ambiente,
Integração Nacional, Reforma Agrária,
Cultura e os governos estaduais. É um projeto
de grande monta. Estará de bom tamanho se
a gente conseguir formatar o projeto nesse primeiro
ano, aprová-lo no segundo ano e começar
a trabalhar no terceiro ano.
Página 20
- Então esse programa de desenvolvimento
será o tema principal da agenda para o encontro
de governadores da Amazônia que acontecerá
no Acre possivelmente em junho?
Marina Silva - Sim, com certeza. Essa reunião
está sendo preparada justamente para isso.
Estamos trabalhando duro para que os presidentes
dos dois bancos venham aqui e que, dessa maneira,
a gente possa iniciar as bases para esse grande
projeto, que contempla as ações das
agências locais, como Suframa, Agência
de Desenvolvimento da Amazônia e do Basa,
que agora tem um companheirão lá,
o Mâncio Cordeiro. É um projeto arrojado.
Espero que tudo dê certo para que as pessoas
comecem a entender que, se antigamente havia receio
ou medo de apostar na proposta do desenvolvimento
sustentável, hoje não precisam mais
ter receio ou medo em relação a isso.
Aliás, essa é a condição
para que a gente possa obter recursos para o desenvolvimento
da região.
Fonte: Governo do Acre
Altino Machado