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POUCOS AVANÇOS
NA DISCUSSÃO SOBRE O REGIME INTERNACIONAL
DE ACESSO A REPARTIÇÃO DOS
RECURSOS GENÉTICOS
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) - Brasil
Dezembro de 2003
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Poucos avanços
na discussão sobre o regime internacional
de acesso e repartição de benefícios
derivado do uso de recursos genéticos. O
tema foi discutido durante a reunião de um
Grupo de Trabalho dos países signatários
da Convenção sobre Diversidade Biológica,
realizada em Montreal, no Canadá, entre 1º
e 5/12. O advogado Fernando Batipsta, do ISA, participou
como observador e relata as principais divergências
entre os países provedores de recursos genéticos
e os detentores de biotecnologia, entre as quais
a restrição à participação
efetiva dos povos indígenas na negociação
deste instrumento internacional.
A repartição
justa e eqüitativa dos benefícios derivados
do uso dos recursos genéticos está
entre os principais objetivos da Convenção
sobre Diversidade Biológica (CDB), aprovada
durante a Rio-92 e ratificada até o momento
por 168 países, entre os quais o Brasil.
O estabelecimento de um regime internacional de
acesso e repartição de benefícios
derivados do uso dos recursos genéticos pelos
países signatários da CDB foi uma
das recomendações mais importantes
da Rio+10 para o tema biodiversidade. O conteúdo
deste instrumento foi discutido na mais recente
reunião do Grupo de Trabalho (GT) sobre Acesso
e Repartição de Benefícios
da CDB, realizada entre 1º e 5/12 em Montreal,
no Canadá.
Repleto de pontos sem consenso, o documento final
da reunião do GT adianta as dificuldades
que serão encontradas para o avanço
da discussão do tema durante a 7a Conferência
das Partes da CDB, que será realizada em
Kuala Lumpur, na Malásia, entre 9 e 20 de
fevereiro de 2004.
A oposição dos representantes do setor
industrial e da delegação norte-americana
à participação efetiva dos
povos indígenas no processo de negociação
do regime foi um dos retrocessos à construção
de um instrumento internacional que atenda aos principais
detentores de conhecimentos tradicionais. Apesar
disso, os povos indígenas garantiram, com
o apoio das delegações oficiais do
Brasil, Colômbia e União Européia,
que as negociações do regime internacional
estejam articuladas com o trabalho do GT que discute
o artigo 8J da CDB, ou seja, as questões
relativas a conhecimento tradicional e a repartição
dos benefícios.
Como ponto de partida, foi estabelecido que as Diretrizes
de Bonn para Acesso e Repartição Justa
e Eqüitativa dos Benefícios Derivados
do Uso de Recursos Genéticos - instrumento
voluntário, aprovado por 180 países
signatários da CDB, com recomendações
de legislação, medidas administrativas
e políticas a serem seguidas para a obtenção
de consentimento prévio e informado de países
provedores de recursos genéticos - deverão
integrar esse instrumento.
Principais pontos
discutidos
Os países
provedores de recursos genéticos, formado
majoritariamente por países em desenvolvimento,
defendem a criação de um instrumento
internacional que seja vinculante, o que significa
que suas disposições poderão
ser cobradas internacionalmente. Já os países
usuários de recursos genéticos, que
detêm biotecnologia de ponta, como Estados
Unidos, Japão e União Européia,
preferem um instrumento voluntário, flexível,
que possibilite o acesso aos recursos genéticos
da forma mais prática e barata possível.
Os indígenas, por sua vez, querem que o acesso
aos conhecimentos tradicionais seja regido de acordo
com a organização social de cada povo.
Em relação ao alcance do regime internacional,
os países provedores de recursos genéticos,
especialmente o Grupo dos Países Megadiversos
e o Grupo Africano, querem incluir não apenas
a repartição de benefícios
sobre os recursos genéticos, mas também
derivados, como princípios ativos. Os países
detentores de biotecnologia se opõem a esse
critério, alegando que a CDB não utiliza
o termo "derivados", o que demonstra a
necessidade de ampliação das definições
dos termos usados pela convenção.
Outra questão importante é a da certificação
da procedência legal do recurso genético
e do conhecimento tradicional acessado como um requisito
formal a ser atendido para pedidos de registro de
patentes.
Essa certificação - que não
prescindiria das condicionantes estabelecidas pelas
legislações internas de cada país
-, uma espécie de "passaporte”, controle
internacional, atestaria que os recursos genéticos
foram acessados após o estabelecimento de
um contrato, com o consentimento prévio e
informado do país de origem. Os países
detentores de biotecnologia alegam que esse sistema
prejudicaria as indústrias do setor devido
aos excessivos custos de transação
e operação.
Em relação aos conhecimentos tradicionais,
os povos indígenas sustentam que deve haver
respeito ao consentimento prévio e informado,
incluindo o direito de negar o acesso. Sustentam
ainda que o sistema de certificação
deve respeitar mecanismos alternativos de proteção
dos conhecimentos tradicionais, diferenciados do
que está estabelecido para o sistema de propriedade
intelectual.
Esse modelo de certificação permitiria
o rastreamento mundial da cadeia de legalidade do
acesso ao recurso genético e ao conhecimento
tradicional, com respeito à autodeterminação
dos povos indígenas no processo de consentimento
prévio e informado e garantia à repartição
de benefícios, assim como poderia ser um
instrumento para balizar a discussão em outras
instâncias, entre as quais a Organização
Mundial de Comércio (OMC), a Organização
Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) e a Organização
das Nações Unidas para a Agricultura
e a Alimentação (FAO).
A oposição entre países provedores
de recursos genéticos e países detentores
de biotecnologia marcará este processo político,
que será lento. No meio das divergências,
estão os povos indígenas, lutando
para garantir que sejam respeitados o consentimento
prévio e informado e a repartição
de benefícios justa e eqüitativa do
acesso aos recursos genéticos associados
a seus conhecimentos tradicionais. É fundamental,
portanto, que sejam participantes ativos do processo
de construção deste regime internacional,
sob pena de serem alijados e atropelados pelos interesses
dos Estados.
Fonte: ISA – Instituto Sócioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Fernando Baptista)