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RECRUDESCE
O CONFLITO ENTRE
ÍNDIOS CINTA-LARGA E GARIMPEIROS
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Outubro de 2003
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Mas desta vez, os
índios estão determinados. Guerreiros,
eles estão dispostos a lutar para que suas
terras não sejam reinvadidas por mineradores
em busca de diamantes.
Os Cinta-Larga estão
cansados. Durante a visita que a Comissão
Parlamentar de Direitos Humanos fez à aldeia
Roosevelt, em Rondônia, em 9 de outubro último,
eles se queixaram aos deputados do assédio
que sofrem há mais de 20 anos e da violência
a que estão expostos todos os dias. Por isso,
estão dispostos a lutar até o fim
para não deixar que garimpeiros invadam,
mais uma vez, suas terras para extrair diamantes.
Reduzidos a cerca de 1.300 pessoas, dispersas em
34 aldeias de quatro TIs (Roosevelt, Parque Aripuanã,
Aripuanã e Serra Morena), os índios
Cinta-Larga, que em 1968 eram aproximadamente 5
mil, estão lutando para garantir sua segurança
e a de suas terras, localizadas no oeste de Mato
Grosso e nordeste de Rondônia. Os garimpeiros,
por sua vez, começaram uma campanha de intimidação
na qual contam com a ajuda da imprensa de Rondônia,
que divulga informações inverídicas,
sempre com a intenção de acuar os
índios. Por exemplo: na semana passada (de
13 a 17/10), noticiaram com alarde que havia mais
de mil garimpeiros acampados nas imediações
das terras, prontos para invadi-las.
Entretanto, Walter Blós, assessor da presidência
da Fundação Nacional do Índio
(Funai) e coordenador do Grupo Tarefa criado no
final do ano passado para implementar um plano emergencial
junto aos Cinta-Larga (veja quadro abaixo), informou
à reportagem do ISA que depois de sobrevoar
a região com alguns caciques Cinta-Larga,
no dia 17/10, verificou que os garimpeiros acampados
próximos das áreas indígenas
não passavam de 100. Até ali, alguns
poucos funcionários da Funai e os próprios
índios, tomavam conta das barreiras para
impedir a invasão. No sábado, 18/10,
finalmente, a polícia ambiental, que havia
sido retirada em setembro a mando do governador
de Rondônia, Ivo Cassol, voltou por ordem
do mesmo Cassol, para reforçar as barreiras.
Sindicato dos garimpeiros
vai averiguar
Ao percorrer as barreiras
no domingo, 19/10, Walter Blós encontrou
uma comitiva de delegados do sindicato dos garimpeiros
de Rondônia. Eles queriam saber quem havia
autorizado a volta da polícia ambiental.
“Ao saber que a ordem partira do governador, passaram,
então, a determinar o que a polícia
deveria ou não fazer”, conta Walter. “Que
eles não deveriam deixar entrar veículos
de índios, que não deveriam permitir
a entrada de mantimentos etc”. O comandante lhes
explicou que não poderia fazer isso porque
as terras eram dos índios e eles tinham o
direito de ir e vir.
De acordo com Blós, os sindicalistas filmaram,
fizeram gravações e foram embora.
Em seguida, ele acionou o delegado da Polícia
Federal, em Pimenta Bueno, e pediu ajuda para um
policiamento ostensivo nas estradas vicinais do
entorno. A PF deverá entrar com os veículos
e a Funai com o combustível. Walter acredita
que o trabalho conjunto entre Funai, PF, polícia
ambiental e índios vai acabar afugentando
os garimpeiros.
No início deste ano, os índios, depois
das muitas idas e vindas de 2002, conseguiram expulsar
os garimpeiros. De janeiro a agosto, as terras e
o garimpo ficaram sob o controle dos índios.
Mas ao aproximar-se a época das chuvas, os
garimpeiros ameaçam retornar.
Degradação
ambiental, violência, prostituição
“Hoje, os garimpeiros
são 100, mas se houver uma brecha, em 24
horas podem se tornar mil, dez mil, porque há
muita gente nas cidades sem nada para fazer, meio
errante”, alerta o antropólogo João
Dal Poz, da Universidade Federal de Mato Grosso,
que trabalha com os Cinta-Larga. João explica
que essa é a época do ano propícia
ao garimpo, quando começam as chuvas. “Então,
é um assalto programado. Eles entram no garimpo,
ficam ali dois meses, retiram R$ 2 milhões
e vão embora”.
Deixam atrás de si um rastro de destruição
e degradação ambiental. Sem contar
que a extração de diamantes atrai
para a região traficantes, contrabandistas,
prostituição, gerando uma situação
de tensão e violência às quais
os índios não querem mais se submeter.
“É um crime de genocídio que está
em curso por conta da violência da exploração
econômica em cima do garimpo de diamante”,
analisa a indigenista Maria Inês Hargreaves
que acompanha o caso Cinta-Larga de perto e há
muitos anos.
Todo ano é
o mesmo filme
A grave situação
que ronda os Cinta-Larga não é nova.
Esse é um caso emblemático, que sempre
é denunciado por lideranças indígenas
em foros nacionais e internacionais. Quando o Relatório
Brasileiro sobre Direitos Humanos Econômicos
Sociais e Culturais (DhESC) foi lançado em
junho de 2003, um dos casos denunciados, foi o do
Povo Cinta-Larga. O relator titular para a área
de meio ambiente, Jean-Pierre LeRoy, preocupado
com as recentes ameaças, enviou ao ministro
da Justiça Márcio Thomaz Bastos, carta
datada de 29 de setembro, em que solicitava providências
daquele órgão governamental, por temer
um conflito armado iminente.
No dia seguinte (30/09), o governador de Rondônia,
Ivo Cassol, também enviava ao ministro da
Justiça um ofício, solicitando providências
para evitar “um novo conflito com derramento de
sangue”. Além disso, colocava o Estado à
disposição para fazer uma parceria,
encaminhando proposta “para o aproveitamento econômico
do diamante no Rio Roosevelt, a ser explorado, através
da Companhia de Mineração de Rondônia,
CMR”. No dia 3 de outubro, foi recebido por Bastos.
De acordo com o assessor para assuntos indígenas
do ministério, Claudio Beirão, o ofício
não foi levado em consideração.
“É uma tentativa de legalizar uma situação
que é ilegal”, afirmou ele.
Nunca é demais lembrar que a mineração
é proibida em terras indígenas, diferentemente
da garimpagem, permitida só para os índios
e que não é a mesma levada a cabo
pelos garimpeiros. Seja como for, a extração
ilegal de diamantes colabora com a corrupção,
a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas
e armas na região.
No dia 9 de outubro, foi promulgada a Lei nº
10.743, pela qual o Brasil tornou-se legalmente
credenciado para obter a Certificação
do Processo de Kimberley, mecanismo internacional
de certificação de origem de diamantes
brutos destinados à exportação
e importação. Entretanto, o artigo
2º da lei determina que o Processo de Kimberley,
na exportação, visa impedir a remessa
de diamantes brutos extraídos de áreas
de conflito ou de qualquer área não
legalizada perante o Departamento Nacional de Produção
Mineral - DNPM. Situação que se encaixa
perfeitamente na questão dos Cinta-Larga.
Versões que
não batem
Como se tudo isso
não bastasse, na tarde de ontem (20/10),
um pequeno avião desceu no garimpo Roosevelt.
Dele, desceu o senhor José Roberto Gonzalez,
que se apresentou como funcionário da Companhia
de Mineração de Rondônia (CMR)
e membro de uma ONG de Minas Gerais chamada Centro
Mineiro para Conservação da Natureza
(CMCN). Avisada pelos índios, a Funai de
Cacoal foi até a área e Gonzalez foi
encaminhando pela polícia ambiental à
Polícia Federal em Pimenta Bueno.
Ali, de acordo com informações do
delegado Fabiano Bordignon, Gonzalez foi ouvido
e declarou estar no garimpo para entregar aos índios
uma proposta em nome da Companhia de Mineração
de Rondônia. Em seguida, foi liberado. Hoje
pela manhã, o delegado estava ouvindo o piloto
do avião que transportou Gonzalez até
o garimpo. Já a presidente da Companhia de
Mineração de Rondônia (CMR),
Leandra Vivian, que também é chefe
de gabinete do governador Ivo Cassol, ouvida pela
reportagem do ISA, confirmou que Gonzalez era assessor
para assuntos comercias da companhia, mas que desconhecia
o fato de ele haver estado com os Cinta-Larga e
que teria sido levado para Pimenta Bueno. “Falei
com ele ontem e hoje e não fiquei sabendo
disso”, afirma.
Se de um lado, esse episódio exemplifica
que o caso Cinta-Larga ainda está distante
de uma solução que leve em conta a
lei e os direitos dos índios, de outro, mostrou
também que os índios estão
atentos e que a Funai está presente, acompanhando
cada capítulo dessa história, com
apoio da polícia ambiental de Rondônia
e da Polícia Federal.
Uma força-tarefa
para os Cinta-Larga
No ano passado, depois
que várias tentativas de desintrusão
dos garimpos Cinta-Larga falharam, um Plano Emergencial
foi criado pela Fundação Nacional
do Índio (Funai) para criar programas de
saúde, educação, comunicação
e para fazer um diagnóstico da área.
“O objetivo era um só: resgatar a dignidade
dos Cinta-Larga”, relata Walter Blós, administrador
da Funai em Cacoal (RO). Os recursos foram liberados
em novembro. A Polícia Federal que estava
na área, acabou se retirando a pedido dos
índios, e em 25 de janeiro, não havia
mais nenhum garimpeiro na área. De 30 de
janeiro até 2 de agosto o garimpo ficou fechado.
Barreiras foram formadas por funcionários
da Funai e índios para que nenhum branco
entrasse. Nesse período, a Funai promoveu
um fórum Cinta-Larga com a presença
da Coordenação Indígena da
Amazônia Brasileira (Coiab), do Conselho Indígena
de Roraima (CIR) e várias lideranças
indígenas de outros estados da Amazônia.
De sua parte, os Cinta-Larga foram a Roraima ver
como funcionavam as associações indígenas.
Na opinião de Walter Blós, todo esse
processo ajudou as verdadeiras lideranças
a se fortaleceram, se sentiram seguros e a auto-estima
aumentou muito.
Clique www.socioambiental.org/website/pib/epi/cintalarga/cintalarga.shtm
para saber mais sobre os Cinta-Larga.
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Inês Zanchetta