|
ROMARIA
DOS MÁRTIRES MARCA HOMENAGENS
A CHICO MENDES EM XAPURI
Panorama
Ambiental
Xapuri (AC) - Brasil
Dezembro de 2003
|
|
Quinze anos após
o assassinato do sindicalista Chico Mendes, as idéias
pelas quais ele lutou em vida estão cada
vez mais fortes no Acre. Ontem em Xapuri milhares
de pessoas participaram das homenagens ao líder
sindical, confirmando que a luta em que ele foi
um dos principais representantes não foi
esquecida. Chico Mendes hoje tem reconhecida sua
luta em todo o mundo.
Seringueiros, militantes políticos, agricultores,
jornalistas, religiosos e representantes de organizações
não governamentais ligadas a causa dos povos
da floresta estiveram em Xapuri, desde domingo (21)
até ontem, para participar de uma série
de eventos em homenagem ao líder seringueiro
Chico Mendes, assassinado há exatos 15 anos,
no dia 22 de dezembro.
Os dois dias de homenagens foram celebrados com
romaria, missa campal, inaugurações,
concurso de redação, entrega de comendas
aos pioneiros do sindicalismo, distribuição
de mudas e lançamento de livro. Foram inaugurados,
o Painel dos Mártires e nova sede do Sindicado
dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. As homenagens
foram para 36 personalidades fundadores e colaboradores
da luta dos seringueiros na aliança com os
povos da floresta. Houve ainda entrega de prêmios
aos vencedores do concurso de desenho e redação
sobre Chico Mendes e assembléia dos seringueiros
com o presidente do Basa, Mâncio Lima Cordeiro,
sobre financiamento de novos investimentos. Foram
alguns dos eventos da programação
em homenagem a Chico Mendes, encerrada ontem à
noite com a inauguração em Rio Branco
da praça dos Povos da Floresta, onde foi
entregue uma estátua do líder sindical,
tamanho natural em bronze pelo governador Jorge
Viana.
“As idéias do Chico venceram e estão
cada vez mais presentes no nosso meio. Sua luta
representa os interesses do coletivo. Tenho certeza
que ele ficaria muito contente de ver o quanto as
pessoas estão envolvidas hoje pela causa.
Ele não representa o interesse individual
de quem quer que seja. Seus ideais estão
ligadas a uma luta de toda a sociedade onde muitos
se entregaram totalmente”, disse o governador.
As homenagens a Chico Mendes em Xapuri iniciaram
no dia 15, dia do seu aniversário de nascimento.
Mas as maiores caravanas começaram a chegar
no sábado e no domingo. Pessoas de todo o
Estado e também de outros lugares se somaram
a multidão que de acordo com estimativa da
Polícia Militar no Município foi de
aproximadamente cinco mil. A Igreja católica
confirmou a presença de 2 mil membros de
todos os municípios que chegaram de ônibus
em caravanas das comunidades eclesiais de base.
A missa no altar diante painel dos mártires
foi celebrada por 4 bispos e 16 padres. Dom Baldoino,
o bispo mais ligado a questão da terra no
país, foi a Xapuri especialmente para as
homenagens. Ele foi um dos que defendeu enfaticamente
no evento que é precisa continuar a luta
por justiça e pelo direito a terra.
Igreja lembra
os 320 mártides da causa amazônica
A saída da
Romaria dos Mártires, com cerca de cinco
mil pessoas, ocorreu na escola modelo de Xapuri.
Mesmo com o sol forte, fiéis e antigos militantes,
percorreram os seis quilômetros da caminhada
com euforismo e emoção. Entoavam cantos
da igreja progressista e rezavam com fervor pedindo
uma nova humanidade. Nos cartazes, imagens de Chico
Mendes, Wilson Pinheiro, Dom Oscar Romero e uma
lista de 320 mártires que segundo pesquisa
da Igreja Católica foram mortos na defesa
da causa amazônica, pessoas que entregaram
suas vidas na busca de justiça e pela preservação
da floresta. Alguns seringueiros traziam a tradicional
poronga acessa em suas cabeças representando
que o movimento está cada vez mais vivo entre
os trabalhadores.
No cemitério, a primeira parada diante do
túmulo de Chico Mendes. Dom Moacir, arcebispo
de Porto Velho(RO) veio prestigiar a romaria e o
movimento social que ajudou a construir na década
de 1970. Disse diante do túmulo de Chico
Mendes: “não devemos nunca desistir da nossa
caminhada na construção de uma humanidade
justa, a construção do reino de Deus.
A morte daqueles que, como o Chico, dedicaram a
vida por essa causa deve nos fortalecer para que
nos inspiremos no que eles fizeram em vida, no sentimento
de transformação da sociedade e principalmente
pelo amor ao próximo e pelos mais pobres”.
A romaria ocorre no Acre desde 1986 e ficou conhecida
como Romaria da Terra. É a sexta romaria
realizada no estado. O evento sempre ocorreu em
lugares diferentes reunindo trabalhadores das mais
distantes comunidades. Este ano, Dom Moser, bispo
de Cruzeiro do Sul, representou também o
Vale do Juruá. A caminhada em 2003 foi programada
para ocorrer em Xapuri dentro das homenagens pela
semana Chico Mendes, com novo nome: foi denominada
de Romaria do Mártires e envolveu o nome
de todos aqueles que foram assassinados nesses anos
de luta pela terra.
Uma segunda parada ocorreu em frente a casa de Chico
Mendes, onde outro momento de reflexão e
silêncio foi realizado. O ato também
chamou a atenção dos turistas que
a cada ano aumentam mais em Xapuri. Os hotéis
e restaurantes estavam todos muito concorridos e
muita gente teve que procurar a cidade de Brasiléia
para se hospedar.
Os trabalhadores e fiéis deram continuidade
a caminhada pelas margens do rio Acre diante das
fachadas históricas recuperadas no município.
Na praça de São Sebastião mais
uma parada e outro ato, antes da parada final no
palco do Painel dos Mártires ao lado da igreja
matriz. Lá foi realizada a celebração
eucarística campal.
“Essa é a melhor forma da gente poder reafirmar
que o Chico está vivo na luta do nosso povo”,
disse o vereador Raimundo Barros, o Raimundão,
primo de Chico Mendes. Para o ex-seringuiero da
comunidade São João Batista, no Bujari,
Cícero Vidal da Cunha, a romaria representa
a força dos povos da floresta. “Só
se ganha as coisas, lutando, e a luta também
faz parte das coisas de Cristo”.
Nova sede
do Sindicato dos Trabalhadores de Xapuri marca a
consolidação de uma luta de 26 anos
As homenagens a Chico
Mendes ontem, no dia que se completa uma década
e meia da sua morte, ocorreram num ambiente de muito
otimismo e disposição para a continuidade
dos embates. Após a inauguração
da nova sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
ao lado do Painel dos Mártires, os seringueiros
foram imediatamente para uma série de reuniões
com membros do Banco da Amazônia e parlamentares
para tratar de financiamento de novos projetos nas
comunidades.
O próprio presidente do Basa, Mâncio
Lima Cordeiro, participou pessoalmente dos encontros.
“Ainda há muito o que fazer e nós
do Basa estamos aqui para ajudar no desenvolvimento
econômico dessas famílias”, disse ele.
A nova sede do sindicato é um espaço
amplo com auditório e salas de reunião.
De acordo com os membros da direção,
tudo foi realizado para criar as melhores condições
de se fortalecer o sindicato. “Muito diferente da
nossa primeira sede que mau dava para a gente fazer
as reuniões com um número grande de
pessoas”, lembra Francisco Ramalho de Souza, um
dos fundadores.
Para marcar a inauguração da nova
sede financiada pelo Basa e com apoio do Governo,
teve benção com água benta,
orações e depoimentos dos fundadores.
A organização também preparou
homenagens para 36 personalidades que estiveram
diretamente envolvidas na história do sindicado
desde sua criação em 1977. Luiz Targino,
Julia Feitosa, José Alves Mendes (o Zuza,
irmão de Chico Mendes), Raimundão,
João Maia, Elson Martins, o ex-governador
Geraldo Mesquita, o governador Jorge Viana e a ministra
Marina Silva foram alguns dos homenageados com a
entrega de Comenda de Honra ao Mérito. Homenagens
em memória também a Wilson Pinheiro,
do movimento sindical de Brasiléia.
Após as homenagens, o Presidente do Sindicado
de Xapuri, Pedro Celestino, lembrou que ainda há
muito trabalho pela frente e que apesar de todos
estarem muito contentes com o que está acontecendo
hoje no município, é preciso continuar
atento para promover a qualidade de vida dos seringueiros.
Citou o exemplo de dois planos de manejo que já
estão sendo elaborado com os trabalhadores
na reserva Chico Mendes. “Lutamos por um padrão
de vida melhor para os seringueiros. Temos que lutar
para que nossas comunidades tenham melhores condições
e conforto. E dessa forma contribuir também
para o desenvolvimento econômico do estado”,
destacou.
O governador Jorge Viana lembrou com emoção,
em seu discurso na inauguração da
nova sede, dos momentos que antecederam o assassinato
do sindicalista Chico Mendes. “Ele gostava muito
de criança e eu lembro que ele havia acabado
de receber um caminhão para o sindicado,
que até hoje está aí, e reuniu
algumas crianças para dar uma volta no caminhão
novo em Xapuri”, recordou. Disse ainda que os povos
da floresta construíram uma história
dura, mas bela, e com identidade, aqui no Acre.
“Essa caminha é um dos mais belos exemplos
da luta cristã”.
Falou para aos presentes que ficou muito emocionado
quando conversando com o presidente Lula, ele lhe
contou como ocorreu o primeiro encontro do presidente
com Chico Mendes. “O Chico e o João Maia
foram até São Paulo procurar o Lula
e desde então se criou uma sólida
amizade e uma relação de carinho do
Lula com o Acre”.
Jorge Viana enfatizou a necessidade de união.
“Essa luta é de todos. Não está
ligada a uma pessoa só. O Chico ficaria contente
de ver a caminhada de forma unida com todos. Jamais
vai dar certo se alguém quiser centralizar
a luta na pessoa de um só”, frisou.
Chico Mendes
Vive
O Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Xapuri foi fundado em 1977 pelos seringueiros
do município que se encontravam em grave
ameaça pelo avanço dos chamados ‘paulistas'
e a expansão da pecuária. Centenas
de seringueiros estavam sendo expulsos de suas terras
para que se pudesse derrubar a floresta e plantar
pasto de gado. Em 1975, em Brasiléia, foi
criado por Wilson Pinheiro o sindicato dos trabalhadores
daquele município e logo em seguida foi realizado
o primeiro empate com sucesso. A partir daí
o movimento cresceu e se espalhou por todo o Acre.
Xapuri foi o segundo a ter os seringueiros organizados.
“Queriam transformar os seringais melhores de borracha
em pasto. Nós tínhamos de empatar
aquilo, mas aí começaram a nos chamar
de invasores”, rememora Francisco Ramalho de Souza,
um dos membros da primeira direção
do sindicato em Xapuri. Após o assassinato
de Wilson Pinheiro, o movimento ganha mais força
tendo como grande representante a pessoa de Chico
Mendes. O empate do Cachoeira, em 1987, com mais
de 100 pessoas, envolvendo crianças, mulheres
e até idosos foi um marco na trajetória
dos sindicatos dos seringueiros. “Todo mundo estava
envolvido naquele empate. Era a necessidade de empatar
que todos sentiam”, explica Francisco Ramalho. “Ali
foi a gota d'água e em conseqüência
do empate do Cachoeira é que mataram o Chico”,
analisa Ramalho. “Mas ninguém fraquejou.
O movimento está forte até hoje e
o Chico está vivo entre nós na nossa
luta. Chico Mendes vive”, enfatiza.
Para o padre Luiz Ceppi, a participação
da Igreja no início da luta dos povos da
floresta foi fundamental, sobretudo com a articulação
das Comunidades Eclesiais de Base, as CEBs. “Naquela
época eram cerca de 50 comunidades só
aqui em Xapuri, conduzidas pelos padres Luciano
Mazetti, Cláudio Avalone e padre Destro,
todos seguidores da Teologia da Libertação”,
contextualiza. Para padre Ceppi, o Painel do Mártires
e da aliança do povos da floresta representa
essa integração do movimento sindical
com a igreja e a comunidade cristã. O painel,
com 1248 azulejos, foi pintado pelo mais renomado
artista de arte sacra, Cláudio Pastro.
Padre Ceppi que iniciou sua atuação
no Acre em 1988, revelou ontem a existência
de um bilhete escrito por Chico Mendes a uma amiga
chamada de Otília, na qual demonstra seu
contentamento em ver que o numero de pessoas jovens
que estavam se envolvendo na defesa da floresta
era cada vez maior. A carta está em tom de
grande otimismo de Chico. Pe. Ceppi leu o texto
na solenidade de inauguração da nova
sede do sindicato.
O governador Jorge Viana ficou surpreso ao ouvir
a carta através de Dom Moacir um dia antes.
“Nós estávamos procurando um texto
para colocar ao lado da estátua de Chico
Mendes (inaugurada ontem) e ainda não tínhamos
encontrado. Ontem essa carta nos aparece como coisa
do divino”. O texto será reproduzido em bronze
na letra original de Chico ao lado da estátua
em que o seringueiro segura pela mão uma
criança.
Fonte: Governo do Acre (www.ac.gov.br)
Assessoria de imprensa