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BIOPROCESSAMENTO
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) - Brasil
Junho de 2004
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Duas
notícias recentes chamaram-me a atenção.
Uma referia-se à produção de
bioplásticos, a partir de óleos vegetais,
com a dupla vantagem de serem biodegradáveis
e com menor custo industrial. A segunda remetia
à entrada em operação de uma
planta industrial de ácido polilático
de dextrose de milho fermentada, com posterior polimerização
catalítica. O novo produto substitui derivados
de petróleo em embalagens, garrafas plásticas,
PET, celofane, derivados de polietileno, entre outros.
Examinadas do ângulo dos negócios atuais,
as duas notícias perdem-se entre outras mais
importantes. Porém, do ponto de vista estratégico,
como opúsculo de um iceberg futuro, ambas
merecem muita reflexão, pelo impacto que
terão na agropecuária deste século.
Vetores
Dez entre dez estrategistas
internacionais apontam a biotecnologia como o paradigma
científico do século XXI, tal qual
a química e a física alavancaram o
progresso do século XX. Como em toda a revolução
de usos e costumes, a saída de cena de um
modelo dominante e a ocupação do espaço
por um novo arquétipo, é acompanhada
de turbulências, contestações
e inseguranças.
Este é um comportamento típico de
seres humanos (e de outros animais também),
que preferem transitar em um terreno que conhecem
e dominam a enfrentar o desconhecido, o que implica
em novos desafios. E quem está com seu negócio
estabelecido vai lutar com unhas e dentes para evitar
mudanças de paradigmas, que nivelem os competidores.
Analisando a História da Humanidade, entendo
que evoluímos movidos por três grandes
forças: necessidade, comodidade e ambição.
A necessidade de proteger-se do frio levou o homem
pré-histórico a esfolar animais para
vestir-se com sua pele. A ambição
por ternos de grife tornou Giorgio Armani um milionário.
A necessidade de comunicação criou
os hieróglifos. A comodidade induz os cientistas
a introduzirem, quotidianamente, novas ferramentas
na Internet.
Progresso
e risco
O progresso é
lastreado em inovações científicas.
Porém, em toda a inovação,
existe o risco de efeitos colaterais não
desejados. Assim, alimentos são nutritivos
e essenciais à sobrevivência. Porém
podem conter princípios tóxicos, como
as aflotoxinas, provocar o acúmulo de LDL
-colesterol no organismo, favorecendo acidentes
cardio-vasculares ou conter alergênicos. Por
este motivo, a sociedade exige dos cientistas a
caracterização dos riscos de saúde
associados aos alimentos, mesmo os tradicionais.
Fruto desta pressão social, os novos avanços
científicos, embora mais revolucionários,
complexos e excitantes no imaginário popular,
tendem a ser mais seguros. Quando a sociedade conscientizou-se
ex-post do perigo associado ao lixo atômico
ou aos agrotóxicos, forçou a implementação
da análise de risco. Trata-se de uma ferramenta
que avalia ex-ante os riscos imanentes ao uso de
qualquer inovação, suportada por embasamento
científico inquestionável à
luz do conhecimento atual e das dúvidas consideradas
razoáveis.
Dessa forma, torna-se transparente para a sociedade
o custo/benefício de novos produtos ou tecnologias,
com delimitação precisa dos riscos
associados ao seu uso. Há um evidente contraste
com tecnologias desenvolvidas há 50 anos,
quando as técnicas de avaliação
eram mais rudimentares e a pressão social
pela caracterização dos perigos e
a transparência na sua comunicação
eram incipientes. Isso posto, há um consenso
entre os cientistas de que produtos derivados da
biotecnologia têm menor probabilidade de embutirem
riscos de efeitos adversos não detectáveis.
Qualidade
de vida
A química
e a indústria farmacêutica sempre andaram
de mãos dadas, como a física e a tecnologia
da informação são indissociáveis.
As aplicações da biotecnologia apontam
para uma estreita associação entre
inovação e qualidade de vida, no futuro
próximo. A biotecnologia estará fortemente
associada com outras ciências, sobretudo a
química e a física. Como exemplo desta
convergência pode-se citar o uso energético
do etanol, novas variedades de plantas ou raças
de animais, biomateriais e biofármacos como
realidades presentes. Já os bio-sensores,
os bio-computadores e aplicações nanotecnológicas
estão na bancada dos cientistas e vão
revolucionar a sociedade da próxima década.
À guisa de exemplo, refira-se que, no momento
menos de 2% dos veículos são movidos
a etanol e menos de 10% das matérias primas
da indústria química provêem
da biomassa. Uma estimativa conservadora do Conselho
Nacional de Pesquisas dos EUA informa que, em 2020,
10% dos combustíveis líquidos e 25%
dos produtos de química orgânica serão
provenientes de biomassa.
Cada vez mais será encurtado o tempo entre
a descoberta científica básica e a
incorporação de uma nova utilidade
pela sociedade. No século XIX, uma inovação
tecnológica que envolvesse quebra de paradigmas,
demorava 50-60 anos para ser aceita pela sociedade.
Em meados do século XX, esse interstício
reduziu-se para 30 anos. No século XXI o
interregno reduzir-se-á, progressivamente,
dos 10 anos atuais para o limite em que as linhas
de montagem estarão conectadas aos laboratórios
para disponibilizar inovações no mesmo
ano de sua descoberta.
Mudança
inevitável
Assim como faltará
petróleo para mover os carros, sua escassez
obrigará a busca de um sucedâneo para
a indústria química. Esta é
uma revolução silenciosa, que já
começou na micro-escala. Seu fulcro é
o uso da biomassa para fornecer os átomos
de carbono, oxigênio, hidrogênio, enxofre
ou nitrogênio quando o petróleo tornar-se
caro e, paulatinamente, suas reservas se extinguirem.
O rearranjo atômico para, a partir de moléculas
naturais, produzir matérias primas para gerar
uma utilidade social, pode ser efetuado pela via
da química industrial ou do bioprocessamento.
Esta última técnica ainda está
em seu alvorecer, porém as perspectivas são
otimistas, prevendo tanto a especialização
de animais e plantas para produção
de fármacos e outras moléculas essenciais,
bioplásticos ou similares, como a transformação
posterior de qualquer molécula orgânica
(ácidos graxos, carboidratos, proteínas
etc.) por meio de microrganismos especializados,
usando técnicas de biocatálise, fermentação
ou processamento enzimático.
Biomassa
e biotecnologia
Esta mudança
na base industrial é possível por
meio da fermentação, que produz enzimas,
aminoácidos, antibióticos, vitaminas,
álcoois etc. O que conferirá maior
eficiência aos processos fermentativos (que
é uma aplicação biotecnológica)
será a melhoria dos microrganismos intervenientes,
via de regra por processos de transgênese.
Hoje, o valor da produção mundial
de fermentados é de US$ 5 bilhões,
crescendo 8% ao ano. Estudos indicam que esta taxa
deve saltar para 15% ao ano ao longo da década,
superando 25% na segunda década deste século.
Os produtos industriais baseados em óleos
transformaram-se em um mercado vigoroso, amparados
em catalisadores e outros processos de engenharia
química. Com a paulatina incorporação
de processos biotecnológicos, os limites
deste mercado serão largamente expandidos.
É possível aprimorar as oleaginosas,
alterando sua fração lipídica,
concentrando na produção de óleos
de maior interesse, saturando ou dessaturando ligações
ou modificando a proporção de isômeros.
É possível interferir nos processos
metabólicos das plantas, ativando ou desativando
genes, introduzindo novos genes que codificam para
enzimas ou outras substâncias que tornem o
processo mais eficiente. No processamento existe
outro campo inesgotável de aplicação
da biotecnologia, que permite ganhos de escala e
de eficiência, substituindo as plantas industriais,
com enormes ganhos econômicos, sociais e ambientais.
Traçando
o futuro
O investimento em
C&T na engenharia de bioprocessamento será
um dos maiores diferenciais competitivos do mundo
de nossos filhos e netos. Uma vez tornadas obsoletas,
as atuais plantas petroquímicas contribuirão
marginalmente para a formação de riqueza
do porvir. As Nações que dominarem
as técnicas de aproveitamento da biomassa
para a produção de utilidades requeridas
no dia a dia da sociedade, serão as potências
econômicas do século. Obviamente, tanto
os governos dos países que lideram a economia
mundial, como as corporações, isoladamente,
dispõem desta visão de futuro e já
migram seus investimentos para posicionar-se, adequadamente,
no novo perfil de negócios.
Essa visão de futuro incorpora três
componentes comuns: o reconhecimento de que a biotecnologia
será uma fonte quase inesgotável de
inovações; o entendimento de que o
custo de produtos derivados da biotecnologia cairá
dramaticamente com a melhoria dos processos e o
ganho de escala; e a necessidade de desenvolver
processos seguros ao Homem e ao ambiente.
Fonte: Radiobras (www.radiobras.gov.br)
Décio Luiz Gazzoni é eng. Agrônomo
e pesquisador da Embrapa Soja