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FUNAI É
PRINCIPAL ALVO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA
SOBRE O CONFLITO NA TERRA INDÍGENA
ROOSEVELT (RO)
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Abril de 2004
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Promovida ontem (28/4)
pelas Comissões da Amazônia e Minas
e Energia da Câmara dos Deputados, foi palco,
por mais de cinco horas, para lobby de garimpeiros
e manifestações preconceituosas em
relação aos Cinta-Larga, com pouca
discussão sobre o que se espera do Congresso
Nacional há 16 anos, uma lei regulamentando
a exploração de minérios em
Terras Indígenas. Nova audiência pública
será realizada, quando lideranças
indígenas serão ouvidas. Também
estão sendo recolhidas assinaturas para a
abertura de uma CPI sobre o caso.
"Só culpo um órgão deste
governo federal: a Funai", afirmou o governador
de Rondônia, Ivo Cassol. O órgão
indigenista foi acusado por diversos participantes
pelo mais recente conflito na TI Roosevelt (RO),
que resultou na morte de 29 garimpeiros por índios
Cinta-Larga no início de abril. Esperado
na audiência, o presidente da instituição,
Mércio Pereira Gomes, não compareceu,
enviando José Apoena de Meireles, Coordenador
de Documentação da Funai, deslocado
para Rondônia há cerca de 15 dias.
Cassol responsabilizou diretamente Walter Blos pela
morte dos garimpeiros, que, "se não
fosse cego", poderia ter evitado o conflito
e também acusado de demorar a liberar a entrada
da polícia na área. Blos é
o coordenador do Grupo Tarefa instituído
pela Funai em novembro do ano passado para a retirada
de garimpeiros da TI Roosevelt e implementação
de um conjunto de medidas que envolve oficinas de
educação, proteção territorial
e fomento a atividades produtivas, como a piscicultura
e recuperação de roças tradicionais.
O superintendente da Polícia Federal em Rondônia,
Marco Aurélio de Moura, disse que foi aberto
um inquérito para investigar o funcionário
da Funai.
Para Cassol, que recebeu informações
de que 30 garimpeiros entraram na TI Roosevelt nesta
semana [em entrevista à Agência Folha,
Pandere Cinta-Larga afirmou que 35 garimpeiros "permanecem"
na TI], a situação pode se agravar.
Cassol sugeriu a instalação de uma
força-tarefa para fazer uma varredura na
Terra Indígena em busca de corpos de outros
garimpeiros, com a participação de
diferentes órgãos, entre os quais
Polícia Federal e Exército, e de garimpeiros
sobreviventes.
O governador de Rondônia é acusado
pela Coordenação da União das
Nações e Povos Indígenas de
Rondônia, Noroeste de Mato Grosso do Sul e
Sul do Amazonas (Cunpir) de incentivar, junto com
políticos, a invasão da TI Roosevelt.
"Os grupos empresariais interessados no diamante,
fruto da garimpagem ilegal, têm utilizado
os indígenas Cinta-Larga e garimpeiros como
testa de ferro de seus interesses. Eles acreditam
que, quanto mais conflito gerarem, melhor será
a pressão para a regularização
da garimpagem", informou a organização
indígena em nota divulgada nesta semana.
"Quero legalizar [exploração
de minérios em TIs], sim, para ter paz no
meu Estado", afirmou, defendendo a participação
de garimpeiros e o pagamento de royalties aos índios,
bastante criticados e, segundo ele, acostumados
a "mordomia, sombra e água fresca".
Índios:
"Sistema próprio de outorga"
O diretor-geral Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM),
Miguel Antônio Cedraz Nery, afirmou que a
solução definitiva do conflito só
virá com a regulamentação do
artigo 231 da Constituição Federal
[condiciona a pesquisa e a lavra de riquezas minerais
em TIs à autorização do Congresso
Nacional e consulta às comunidades afetadas,
para as quais devem ser asseguradas participação
nos resultados da lavra, e prevê uma lei ordinária
para estabelecer as condições específicas
para a exploração de minérios
por não-índios].
Assim como outros participantes, Nery apontou 2000
como ano do início da exploração
de diamantes na TI Roosevelt. Disse que, na ausência
de uma regulamentação sobre a exploração
mineral em TIs, os índios começaram
a fazer seu "próprio sistema de outorga".
Segundo ele, nessa época eram explorados
1.400 hectares de garimpos, e os Cinta-Larga cobravam
R$ 10 mil para a entrada de equipamento, R$ 1 mil
por pessoa e 20% sobre a produção.
Exibiu imagens mostrando o impacto ambiental da
atividade na região, como assoreamento e
desmatamento.
O diretor-geral da DNPM fez questão de esclarecer
que, apesar da jazida na TI estar sendo retratada
pela imprensa como a maior de diamante azul do mundo,
ainda são necessárias pesquisas mais
detalhadas para precisar sua extensão.
ONGs responsabilizadas
pela precariedade da Funai
Para relembrar antigos
interesses econômicos da TI Roosevelt, o representante
da Funai inicialmente remeteu os participantes a
arquivos da extinto Serviço de Proteção
ao Índio (SPI) [órgão antecessor
da Funai], lendo trechos do registro da expedição
realizada na década de 60 para "atrair
e pacificar" índios Cinta-Larga, da
qual seu pai, o sertanista João Meireles,
participou.
Apenas mais tarde, ao ser diretamente questionado,
abordou o atual conflito. Informou que já
foram realizadas quatro extrusões na TI Roosevelt
e detalhou o trabalho do Grupo Tarefa formado em
novembro de 2003, quando havia sido acordado com
os índios que parariam de garimpar. Após
citar que os Cinta-Larga não querem mais
os garimpeiros na área, pois aprenderam a
garimpar sozinhos, Meireles assumiu a situação
precária da Funai, culpando as ONGS pela
situação, uma vez que recursos que
deveriam ser destinados ao órgão oficial
estão sendo desviados às não-governamentais.
Entre os
presos, um agente da PF
O diretor-geral da
Polícia Federal, Paulo Fernando da Costa
Lacerda, informou que já foram abertos 71
inquéritos relacionados ao contrabando de
diamantes na TI Roosevelt e 121 pessoas, indiciadas,
12 delas índios. Também foram realizadas
algumas prisões, entre as quais a de um agente
da PF pela venda de armas a índios. Disse
ainda que foram confiscadas 4,2 mil [18 mil gramas]
pedras de diamante e diversos equipamentos, como
aeronaves, balsas, compressores, tratores e veículos,
apreendidos. Entre os principais suspeitos de envolvimento
no contrabando de diamantes, há um empresário
que já foi indiciado nos Estados Unidos por
lavagem de dinheiro proveniente de tráfico
de drogas.
Ao contrário da denúncia de Cassol
à Funai, Lacerda esclareceu que a demora
da ação no resgate dos corpos na área
foi decorrente de uma série de fatores, citando
como exemplos a greve da PF, problemas para obter
helicópteros. Ele acrescentou que não
tem conhecimento de sonegação de informações
durante a operação de resgate dos
corpos por parte da Funai, que, após negociação
com os índios, disponibilizou 15 técnicos
do órgão para localizar os corpos.
Atualmente, seis delegados da PF trabalham no caso
em Rondônia e já recolheram mais de
100 depoimentos.
Garimpeiros
praticam ilegalidade
O deputado Nilson
Mourão (PT/AC) questionou ausência
de índios na audiência pública
que ouviria seis garimpeiros sobreviventes do conflito,
parte transferida devido ao esgotamento do tempo,
provavelmente para a próxima semana, quando
devem ser ouvidos também lideranças
Cinta-Larga. Ele foi o primeiro a lembrar que o
garimpo em Terras Indígenas é uma
atividade ilegal e a citar o assassinato de índios
Cinta-Larga por garimpeiros em outras ocasiões.
"Se os garimpeiros estão explorando
TIs, estão cometendo um crime."
O argumento foi reforçado por Eduardo Valverde
(PT/RO) e Perpétua Almeida (PC do B/AC),
que definiu índios e garimpeiros como vítimas
de um esquema muito mais sujo e pesado e defendeu
a regulamentação urgente da atividade
em TIs. Perpétua citou estarrecida a declaração
de garimpeiros a jornais de que haverá derramamento
de sangue caso não possam participar da extração
mineral em TIs. Alguns deles confirmaram: "Vai
mesmo!"
A deputada Ann Pontes (PMDB/PA) afirmou: "Se
é para fazer um mea-culpa, comecemos por
essa casa. Antes de apontar culpados, vamos fazer
a nossa responsabilidade" [referindo-se à
regulamentação do artigo 231].
Foram os únicos contrapontos aos discursos
dos parlamentares que, no geral, exploraram exaustivamente
a morte dos 29 garimpeiros sem contextualizar devidamente
o conflito, ou seja, as conseqüências
aos Cinta-Larga, que chegaram a ser definidos como
sinônimo de obesidade, ócio e preguiça
pelo deputado Alberto Fraga Silva (PTB/DF).
Entre os discursos mais absurdos, o de Asdrúbal
Bentes (PMBD/PA), que integra também a comissão
externa que propôs a retalhação
da TI Raposa Serra do Sol (RR) . Bentes, em diversos
momentos subsidiado por uma representante dos garimpeiros,
que soprava "informações"
em seu ouvido, chegou a sugerir a revisão
dos limites das TIs dos Cinta-Larga, cuja população
de 1,3 mil índios ocupa uma área de
2,7 milhões de hectares, um dos resultados
de uma política indigenista equivocada de
promover muita terra para pouco índio. Os
garimpeiros, não poucos, presentes à
audiência, animados, aplaudiam.
Novas audiências públicas sobre o conflito
serão realizadas pelas Comissões de
Minas e Energia e Amazônia e também
pela Comissão de Direitos Humanos. Índios
Cinta-Largas e garimpeiros serão ouvidos.
A bancada do PPS está recolhendo assinaturas
para a instalação de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar
a exploração de diamantes na TI Roosevelt.
João Pizzolatti (PP/SC) informou que deputados
das comissões de Minas e Energia e da Amazônia
vão pedir ao presidente da Câmara dos
Deputados, João Paulo Cunha, a criação
de uma comissão especial para analisar todos
os projetos que tramitam no Congresso relacionados
à extração de minérios
em TIs.
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Cristiane Fontes)