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UM GUARDIÃO
DAS ESPÉCIES AMEAÇADAS
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) Brasil
Abril de 2004
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C&T
- O que é uma lista de espécies em
extinção?
Paglia - Uma lista de espécies em extinção
é a compilação, uma avaliação
das diversas espécies que ocorrem em uma
determinada região com relação
ao status de conservação dessa espécie.
A forma como ela está respondendo as questões
ambientais, muitas dessas, provocadas pela presença
humana. A lista reflete a situação
de perigo e a possibilidade do desaparecimento total
dessa espécie na Terra.
C&T -
A lista de espécies ameaçadas no Brasil
é responsabilidade de quem?
Paglia - A lista atual foi promulgada a partir de
uma portaria pelo Ministério do Meio Ambiente.
É chamada “Lista do Ibama”. Ela foi elaborada
por diversos pesquisadores, que durante um processo
que levou cerca de um ano, compilavam e juntavam
situações biológicas de quase
todas as espécies brasileiras, tentando identificar
quais daquelas espécies estavam ameaçadas.
A compilação dessa informação
toda, foi avaliada num evento que ocorreu em Belo
Horizonte, no final de 2002, por cerca de 200 cientistas
entre brasileiros e estrangeiros. Ao final desse
processo, a lista foi elaborada e encaminhada ao
Ministério do Meio Ambiente que divulgou
o documento indicando, de forma oficial, quais são
as espécies que merecem atenção
legal a partir de agora em relação
à ameaça de extinção.
C&T -
Qual é a espécie mais ameaçada
da fauna brasileira?
Paglia - São várias as espécies
ameaçadas. Isso não foi exatamente
adotado pelo Ministério do Meio Ambiente
na promulgação da lista, mas os pesquisadores
reunidos para a sua elaboração classificaram
as espécies ameaçadas em três
categorias: as vulneráveis, as em perigo
e as criticamente em perigo. A lista atual contém
um total de 395 espécies brasileiras ameaçadas
de extinção. Dessas 81 são
consideradas pelos pesquisadores como criticamente
em perigo. Se algo não for feito de forma
rápida para garantir a persistência
e a sobrevivência delas, elas desaparecerão
no país.
C&T -
Em que grupo estão os mais ameaçados?
Paglia - Acho que, talvez devido a maior quantidade
de informação científica, os
mamíferos e as aves sejam o grupo que apresentem
um maior número de espécies ameaçadas.
C&T -
Em que bioma estariam às espécies
mais ameaçadas?
Paglia - Principalmente na Mata Atlântica.
Das espécies indicadas como ameaçadas
de extinção no Brasil 70% estão
nesse ecossistema. É onde se encontra o centro
da ameaça.
C&T -
Existe o caso de algumas espécies que são
ameaçadas em um determinado bioma, mas estejam
a salvo em uma outra região?
Paglia - Sim, isso é comum. O Brasil é
um país muito grande, tem diversos biomas
e alguns deles estão em situação
de proteção e em melhor conservação
do que os outros. É o caso da Amazônia.
Ela tem uma situação de preservação
muito melhor que a Mata Atlântica. Algumas
espécies ocorrem tanto na Amazônia
como na Mata Atlântica e elas estão
em diferentes situações, pois na Mata
Atlântica a situação de preservação
é ruim, enquanto na Amazônia a situação
é melhor. Isso faz com que, em geral, para
o país, a espécie acabe não
sendo considerada ameaçada de extinção.
C&T -
Quais os fatores que contribuem, dentro da natureza,
para que a fauna entre num processo de ameaçada
de extinção?
Paglia - Atualmente, o que tem contribuído
é a forma não planejada e não
pensada do ser humano utilizar os recursos naturais.
A necessidade de exploração, desses
recursos, pelo homem tem levado a alterações
ambientais que ameaçam a sobrevivência
de muitas dessas espécies. Algumas ações
são a destruição de grandes
extensões de ambientes naturais, a derrubada
de florestas, a fragmentação das florestas,
a caça e alguns outros fatores também
importantes.
C&T -
A expansão agrícola é uma ameaça?
Paglia - Sim. O primeiro passo da expansão
agrícola é a remoção
da cobertura vegetal nativa, seja no bioma que for,
remoção das florestas, do cerrado,
do campo, para o estabelecimento do plantio. Isso
já vem acontecendo há muito tempo
no país e algumas áreas são
muito sensíveis em relação
a perturbação que o desenvolvimento
econômico provoca. Algumas áreas estão
sendo mais pressionadas por mais tempo do que outras,
como é o caso da Mata Atlântica, que
vem sendo destruída desde que os portugueses
aqui chegaram, há 500 anos. A Amazônia
é uma situação mais amena,
mas também preocupa.
C&T -
Quando uma espécie se aproxima da extinção
existe alguma maneira de reverter o quadro?
Paglia - Existe, dependendo da categoria a qual
a espécie se enquadra. Se ela está
na categoria criticamente em perigo, temos que identificar
quais são os principais fatores que estão
ameaçando essa espécie, se é
a caça, a destruição da floresta,
a introdução de uma outra espécie
que está competindo com ela. Temos que identificar
qual é a principal ameaça e aí
atuar no sentido de cessar seus efeitos. Uma outra
estratégia, muito eficiente, é naqueles
locais onde a espécie ocorre, existindo uma
vegetação suficiente, a área
deve ser transformada numa unidade de conservação,
num parque florestal ou nacional, numa reserva biológica,
enfim, algo que permita a sobrevivência dessa
espécie ao longo do tempo.
C&T -
No Brasil, já tivemos alguma espécie
totalmente extinta, ou seja, com impossibilidade
de recuperação?
Paglia - Temos algumas espécies que, há
muito tempo, nenhum pesquisador tem visto aonde
ela normalmente se encontrava. Acontece, em algumas
situações, que ela não é
vista porque o ambiente onde existia desapareceu,
foi totalmente destruído. Essas espécies
vão desde insetos, libélulas e até
algumas aves como a ararinha azul. Pela compilação
da lista de espécies ameaçadas são
contadas sete espécies que existiam no Brasil
e que desapareceram por completo.
C&T -
Poderia ocorrer o fato de uma dessas espécies
ter sido extintas no Brasil, mas existir em algum
outro país da América?
Paglia - Sim, isto pode acontecer. Como nós
temos uma lista nacional, a preocupação
dos pesquisadores era indicar espécies, nesse
caso em extinção, que desapareceram
no Brasil. Algumas espécies desaparecidas
aqui podem aparecer em outras regiões.
C&T -
Porque há pouca informação
para o público leigo sobre o desaparecimento
de espécies como peixes e insetos? Existem
poucos estudos sobre essas populações
ou essas espécies não dão glamour
e são relegadas?
Paglia - Algumas espécies estão em
situação de ameaça até
maior grau do que aquelas que normalmente são
divulgadas ou reconhecidas por todo o mundo. Temos
algumas espécies mais ameaçadas do
que as aves, araras, macacos e etc. Por algum motivo,
talvez como reflexo de uma certa postura do meio
acadêmico ambientalista com relação
as espécies bandeiras, essas espécies
acabam chamando mais atenção.
C&T -
O que você chama de espécie bandeira?
Paglia - É aquela espécie chamativa,
que tem um certo apelo estético como as tartarugas
do Projeto Tamar, como o mico leão dourado,
no Rio de Janeiro. São espécies que
atraem atenção do público de
maneira geral. Essas espécies foram muito
importantes no passado porque atraíam investimentos
para auxiliar a sua preservação. E
ao preservar essas espécies, é preciso
preservar o ambiente no qual elas vivem e, por tabelas,
outras espécies acabam sendo protegidas também.
O que deve acontecer, hoje, é que além
das espécies bandeiras, precisamos divulgar
uma série de outras que também estão
ameaçadas. Talvez as outras espécies
não tenham um apelo estético tão
grande quanto as bandeiras, mas na minha opinião
de biólogo, isso não proceda. Acho
uma borboleta tão bonita quanto uma arara
e penso que o público, de maneira geral,
quando apresentado a essas espécies também
achará. A divulgação das outras
espécies ameaçadas tende a mudar.
C&T -
A opção por pesquisas relacionadas
às espécies bandeiras estaria relacionada
à facilidade em obter recursos das agências
de fomento, ou isso não passa pela cabeça
do cientista?
Paglia - Talvez no passado isso fosse mais forte
que hoje, não na visão das agências
oficiais de fomento, mas na de agências externas
que tinham o interesse na preservação
de uma espécie em particular, muito bonita
e chamativa. Isso também dá um resultado
palpável que esses financiadores podem utilizar.
Hoje, os fundos que existem para a proteção
para financiar projeto de preservação
e conservação de espécies ameaçadas
não levam em consideração se
a espécie é ou não uma bandeira.
As chances de um projeto ser financiado, acredito,
seja com uma formiga ameaçada ou com um macaco,
espero que sejam as mesmas.
C&T -
Os corredores ecológicos contribuirão
de alguma maneira para frear a rapidez com que as
listas de ameaçados crescem?
Paglia - Sim, acho que é uma estratégia
muito importante. A luta pela preservação
não é uma estratégia que tenta
barrar, bloquear o progresso, a geração
de riquezas, o bem estar da população.
Mas é uma forma de tentar conciliar as condições
socioeconômicas de uma determinada região
com as potencialidades de conservação.
Os corredores ecológicos são planejados
exatamente para isso. Junto as pessoas, aos proprietários,
e pesquisadores que atuam em determinada região
onde ocorre uma espécie ameaçada,
pretendemos desenvolver um sistema interligado que
aumente as possibilidades de que a espécie
que ocorre nessa região sobreviva ao longo
do tempo. Essa rede de unidades de conservação
de áreas particulares de proteção
das reservas legais e das áreas de preservação
permanente faz parte do que chamamos de corredores
de biodiversidade. Essa estratégia é
fundamental para garantir a conservação
das espécies ameaçadas.
C&T -
Em termos globais, nos próximos 50 anos,
quantos por cento da biodiversidade brasileira estará
na “boca do gargalo”?
Paglia - Se nada for feito, se a sociedade civil
não se mobilizar, essas espécies que
estão no linear da extinção,
aquelas 81 espécies que estão criticamente
em perigo, podem desaparecer em 10, 20 anos. Isso
seria uma tragédia. Talvez a diversidade
da Mata Atlântica sofra uma perda drástica,
entre 100 e 200 anos, se continuarmos no processo
de desenvolvimento implementado até agora,
sem considerar as potencialidades de preservação.
C&T -
Como biólogo você acha que a genética
contribuirá para a preservação
das espécies?
Paglia - Acho que a genética tem muito a
contribuir para a preservação. Ela
é uma ferramenta no diagnóstico do
status de conservação das espécies
e nas potencialidades de recuperação
das populações, que estão diminuindo
em termo de números de indivíduos.
Não acredito que seja uma possibilidade,
atualmente concreta, para se fazer a conservação
da clonagem. Estamos começando a produzir
informações sobre esse assunto, mas
ainda vai demorar muito para conseguirmos estabelecer
ferramentas que sejam viáveis do ponto de
vista da conservação.
Fonte: Radiobras (www.radiobras.gov.br)
Assessoria de imprensa