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COSTURADO,
O SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI DE BIOSSEGURANÇA
PASSA PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Fevereiro de 2004
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Sob pressão
da bancada ruralista, o texto substitutivo ao PL
2.401/03, do deputado Renildo Calheiros, foi votado
pela Câmara na madrugada de hoje, depois de
longas negociações. Liberação
da safra 2004/2005 sem estudos de impacto ambiental,
menor participação da sociedade civil
na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio) e mudança nas atribuições
do Conselho Nacional de Biossegurança foram
os principais pontos alterados. Para o coordenador
da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos,
Jean Marc van der Weird, “poderia ter sido pior”.
Em mais uma sessão acalorada da Câmara
dos Deputados, foi aprovado, com algumas alterações,
o substitutivo ao Projeto de Lei de Biossegurança
2.401/03, apresentado no começo da semana
pelo deputado Renildo Calheiros (PCdoB/PE). A sessão,
que contou com a presença em peso de ambientalistas
e membros da comunidade científica, começou
por volta das 19h, estendendo-se até às
2h da madrugada de hoje.
Os dois dias anteriores à votação
foram marcados por negociações políticas
intensas em Brasília. O substitutivo seria
apresentado à Comissão Especial de
Biossegurança na terça-feira à
tarde para avaliação, mas, como o
texto ainda não estava pronto, o deputado
Renildo Calheiros pediu extensão de prazo
por mais um dia. À noite, a ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva, se reuniu com o deputado
João Paulo Cunha (PT-SP), presidente do Congresso,
e, na quarta-feira pela manhã, o governo
havia fechado a posição de apoiar
a proposta de Calheiros.
Quem não gostou da idéia foram os
representantes da chamada bancada ruralista, e,
de acordo com matéria publicada hoje pela
Folha de S. Paulo, foi a vez do ministro da Agricultura,
Roberto Rodrigues, reunir-se com João Paulo
Cunha, na noite de quarta-feira. Um dos principais
pontos de discordância referia-se à
safra da soja 2004/2005. Os ruralistas pretendiam
manter a liberação por mais um ano
(ao contrário dos ambientalistas), estendendo
o prazo estabelecido pela lei nº10.814/03.
Conseguiram, e a safra 2004/2005, caso o texto não
seja alterado pelo Senado, será liberada
e poderá ser comercializada até março
de 2006. Sem realização de estudo
de impacto ambiental.
Segundo informações da Agência
Câmara, a bancada religiosa, composta por
representantes evangélicos e católicos,
conseguiu em plenário a proibição
da clonagem humana para fins reprodutivos, a produção
de embriões humanos destinados a servir como
material biológico disponível e a
intervenção em material genético
humano in vivo. Neste último caso, se aprovado
pelos órgãos competentes, haverá
exceção para procedimento com fins
de diagnóstico, prevenção e
tratamento de doenças e agravos ou clonagem
terapêutica com células-tronco.
“Eu não vi como ficou a redação
final ainda, mas o texto que saiu é um monstrengo,
cheio de lapsos e contradições. Várias
passagens terão de sofrer revisão
para fazerem sentido”, avalia o coordenador da Campanha
Por Um Brasil Livre de Transgênicos, Jean
Marc van der Weird.
Ele esteve em Brasília, acompanhando de perto
a votação do substitutivo e faz um
balanço que reflete o ânimo dos ambientalistas
com a sessão da Câmara: “A conclusão
é a de que se evitou o pior. Este está
muito longe de ser um projeto de lei adequado de
biossegurança, mas evitou-se que o 'rolo
compressor' deixasse a CTNBio decidir tudo. E existe
um segundo round que ainda não está
decidido e precisará ser regulamentado: quem
vai compor a CTNBio? Os únicos que se sabe
que vão entrar lá são os indicados
pelo governo. Quais são as instituições
que vão indicar os cientistas para comporem
a Comissão? E os representantes da sociedade
civil, quem indica? Dependendo de quem fizer parte
do órgão, haverá uma atitude
completamente diferente com relação
à liberação de
transgênicos. Essa escolha é um fator
importante”.
O projeto
que vai ao Senado
De acordo com um
resumo divulgado pela Agência Câmara,
já é possível saber algumas
outras mudanças com relação
ao projeto original apresentado ao Congresso (anterior
às modificações dos deputados
Aldo Rebelo e Renildo Calheiros).
A CTNBio passará
a contar com 27 integrantes, ao invés dos
26 propostos no PL original (atualmente, são
18). Dos futuros membros, 12 obrigatoriamente deverão
ser especialistas em áreas de conhecimento
sobre os setores animal, vegetal, ambiental e de
saúde humana (3 para cada área). A
sociedade civil terá participação
de uma pessoa a menos do que o previsto pelo texto
anterior às alterações – serão
6 representantes (atualmente, são 3).
Com relação a pesquisas com organismos
geneticamente modificados (OGMs), a CTNBio, pelo
novo texto, poderá emitir pareceres conclusivos,
ou seja, pode permitir que pesquisas sejam realizadas
sem a interferência dos ministérios
ou do Conselho Nacional de Biossegurança
(CNBS) em sua decisão. Tanto o CNBS quanto
os ministérios só se manifestam no
caso da entrada de um produto contendo OGMs no mercado,
para ser comercializado. Estes produtos, para entrarem
no mercado, deverão necessariamente estar
rotulados, caso obtenham mais de 1% de organismos
transgênicos em sua composição
total, como diz o Decreto nº 4.680/03.
“De acordo com o que foi negociado, o Conselho Nacional
de Biossegurança tem um poder de arbitragem
entre a CTNBio e os ministérios que é
irreal”, diz Jean Marc. “Se a CTNBio conceder um
parecer favorável à liberação
de um transgênico, mas os ministérios
considerarem o contrário, é o Conselho
quem vai decidir. É uma contradição
um órgão político ter o poder
de decidir sobre uma questão técnica”.
A coordenadora institucional do Instituto de Defesa
do Consumidor, Marilena Lazzarini, faz críticas
que vão no mesmo sentido. “É uma coisa
muito preocupante que o CNBS possa se sobrepor a
um órgão técnico, com competência
legal para analisar a questão”, diz ela.
Marilena também não teve acesso à
versão final, mas, pelo que viu, prevê
que o Instituto fará críticas ao texto.
Para Adriana Ramos, assessora de políticas
públicas do ISA, o texto aprovado pela Câmara
não é o ideal, mas diante da pressão
e do lobby do setor ruralista foi o que se conseguiu
negociar.
A decisão política de liberar ou não
produtos geneticamente modificados para a comercialização
continua a cargo do Conselho Nacional de Biossegurança,
órgão a ser criado, vinculado à
presidência da República e que tem
como objetivo estabelecer a Política Nacional
de Biossegurança. Diferentemente do que previa
o projeto de lei original, a composição
do Conselho fica ampliada de 12 ministros de Estado
para 15 ministros.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Flávio Soares de Freitas