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UM BALDE
DE ÁGUA FRIA PARA A LEI ESPECÍFICA
DA GUARAPIRANGA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Fevereiro de 2004
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Uma semana após
o cancelamento do evento no qual o governador de
São Paulo, Geraldo Alckmin, encaminharia
a minuta do primeiro projeto de lei específica
para uma área de manancial à Assembléia
Legislativa, não há nova data para
que isso aconteça. O texto está sendo
revisado pela Procuradoria do Estado, devendo ser
enviado novamente ao Palácio dos Bandeirantes
no começo da semana que vem.
Estava tudo pronto, sexta-feira da semana passada,
para que a minuta da lei específica da Área
de Proteção e Recuperação
de Mananciais (APRM) da Bacia Hidrográfica
do Guarapiranga (zona sul de São Paulo) fosse,
finalmente, encaminhada à Assembléia
Legislativa. Depois de quase um ano e meio parada
no Palácio dos Bandeirantes, o governador
Geraldo Alckmin anunciaria o envio durante a cerimônia
de inauguração de viveiro no Parque
Ecológico do Guarapiranga, a ser realizada
dali a dois dias. À noite, o balde de água
fria: por 'motivos de força maior', o evento
havia sido cancelado; quem não conseguiu
ser avisado, encontrou um parque vazio, ensolarado
ao domingo de manhã.
De acordo com informações da Secretaria
Estadual do Meio Ambiente, a Procuradoria do Estado
encontrou, na última hora, problemas de redação
em alguns artigos, especialmente no que se refere
ao uso e ocupação do solo. Não
estaria claro, segundo os procuradores, eventuais
sobreposições da Lei Específica
a outras legislações vigentes, como,
por exemplo, o Código Florestal, que também
tem suas restrições neste aspecto.
“Trata-se do aprimoramento na redação
de alguns artigos, o que não mudará
em nada o espírito da lei”, informou a assessoria
de imprensa da Secretaria. “Sabemos que há
prioridade no encaminhamento deste projeto, porque
ele, por ser o primeiro, vai embalar as outras leis
específicas que estão sendo elaboradas
pelos comitês de bacia”. O que não
se explica, porém, é porque estes
problemas não foram
detectados antes.
Elaborada pelas secretarias
de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos em
1999, esta primeira minuta de lei específica
foi intensamente discutida no Sub-Comitê de
Bacia Hidrográfica Cotia/Guarapiranga; passou
pelas considerações e aprovação
do Comitê de Bacia do Alto Tietê, seguindo,
em maio de 2002 para análise do Conselho
Estadual do Meio Ambiente (Consema). Ali, tramitou
por mais três meses, sendo avaliada e aprovada,
em agosto daquele ano (13/8/2002), por uma comissão
mista do Consema, composta por membros do próprio
órgão, do Conselho Estadual de Saneamento
e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos.
Doze anos depois de criada, aquela foi a primeira
vez que a Comissão se reuniu.
Desde então, a minuta passou às mãos
do governador do Estado, que tem a responsabilidade
de encaminhá-la para votação
no Legislativo, mas de onde não saiu até
hoje. O documento com a nova redação,
a ser elaborado pelos procuradores, deverá
ser enviado às secretarias de Recursos Hídricos
e Meio Ambiente no começo da semana que vem,
de onde seguirá, novamente, para o governador.
Se tudo der certo, o texto irá para Assembléia
Legislativa, mas ainda não há uma
nova data marcada para que isso aconteça.
Em protesto pela demora, os integrantes do Fórum
de Mananciais de São Paulo enviaram ontem
(11/2) uma carta ao secretário estadual do
Meio Ambiente, José Goldemberg, na qual pedem
que o encaminhamento seja novamente marcado, “o
mais rápido possível”. Veja a íntegra
da carta .
As leis específicas
das APRMs
A proteção
aos mananciais da Região Metropolitana de
São Paulo é garantida desde a década
de 1970, pelas leis estaduais 898/75 e 1.172/76,
que se são baseadas em instrumentos de controle
do uso e ocupação do solo e centralizam
no Estado a responsabilidade por sua gestão.
Esta legislação, no entanto, foi insuficiente
para conter a expansão urbana sobre as áreas
de mananciais.
Com a aprovação, em 1991, da Lei nº
7.663, que trata da Política Estadual de
Recursos Hídricos, criaram-se os Comitês
das Bacias Hidrográficas, dando o primeiro
passo para a descentralização da gestão
dos mananciais no Estado. Já a ‘nova lei
de mananciais’, a Lei estadual nº 9.866/97,
concretizou este passo. Criada para substituir a
legislação dos anos 1970, ela abrange
todos os mananciais do Estado, denominando-os agora
como 'Área de Proteção e Recuperação
de Mananciais' (APRM).
Ao admitir as particularidades de cada área
de manancial, esta lei prevê que mudanças
no zoneamento e demais instrumentos que definem
o que pode ou não ser implantado dependem
da aprovação de Leis Específicas
e de planos específicos de gestão,
os chamados Planos de Desenvolvimento e Proteção
Ambiental (PDPAs).
Por enquanto, a APRM do Guarapiranga é a
única que possui uma minuta do que se tornará
um Projeto de Lei, quando entrar na Assembléia
Legislativa. Estão em fase de elaboração
as propostas para outras áreas de mananciais,
como é o caso da Billings (veja as datas
dos seminários que discutem os projetos de
Lei Específica e Plano de Desenvolvimento
e Proteção Ambiental da Billings na
Agenda do ISA).
Entrevista
Na quinta-feira (5/2),
diante da possibilidade de encaminhamento da Lei
Específica da Guarapiranga à Assembléia
Legislativa, o repórter Flávio Soares,
do ISA, conversou com a arquiteta e urbanista Violêta
Kubrusly, do Programa Mananciais da Secretaria de
Habitação do Município de São
Paulo. Violêta também é coordenadora
do Grupo de Trabalho (GT) que elabora a Lei Específica
para a Represa Billings, participa ativamente na
elaboração do Plano de Desenvolvimento
e Proteção Ambiental (PDPA) da Bacia
da Billings e pertencia ao GT que avaliou a minuta
da lei específica elaborada para a Guarapiranga,
dentro da Câmara de Planejamento e Gestão
do Subcomitê Cotia-Guarapiranga.
ISA –
O que significa a perspectiva próxima de
encaminhar a lei à Assembléia Legislativa?
Violêta - Acho que é
uma vitória de todos nós, que batalhamos
muito. Não foi um trabalho fácil.
É um trabalho pioneiro, porque é a
primeira lei específica para um manancial
que ficou pronta. E desde 13 de agosto de 2002,
quando a minuta foi aprovada pelo Consema, até
hoje, ficamos esperando a mensagem do governador
para enviá-la à Assembléia
Legislativa. Não compreendemos essa demora
em algo tão pioneiro, tão interessante
em termos de uma gestão participativa e horizontal.
Sua aprovação abre caminho para as
demais leis específicas que estão
sendo elaboradas, como a da Billings, como a do
Cantareira... e outras tantas, numa época
de tantas incertezas como estamos vivendo em relação
aos mananciais de São Paulo.
ISA -
Por que tanta demora?
Violêta – É um tipo
de lei com características muito especiais.
Trata-se de um compartilhamento de atribuições
e, apesar de ser uma lei estadual, o sucesso de
sua aplicação depende de um pacto
social, de um acordo entre as instâncias várias
de governo local, da sociedade civil e do governo
do Estado. Há concessões que devem
ser feitas em todos os níveis, para que a
gente garanta sua auto-aplicabilidade.
ISA –
Neste período de tramitação
da lei houve alteração na proposta?
Violêta – Sim, uma ressalva
da Secretaria da Fazenda em relação
aos artigos que dizem respeito ao suporte financeiro
da lei, no capítulo 'Do Suporte Financeiro,
artigos 82-84'. Tem uma proposta de nova redação
sugerida pela Secretaria do Meio Ambiente; a Secretaria
da Fazenda fez um ajuste, mas isso foi no âmbito
da tramitação no Estado, depois da
aprovação no Consema. Nós,
no subcomitê, não recebemos nenhuma
nova versão.
ISA –
Você acha que o fato de o projeto de lei ter
legitimidade, por ter sido aprovado em diversas
instâncias, pode influenciar a votação
na Assembléia?
Violêta - Os presidentes
que estiveram à frente da comissão
de defesa do meio ambiente na Assembléia
ao longo da elaboração do projeto
sempre estiveram antenados. Houve seminários,
acordos partidários e a esperança
dos mais progressistas, de que a lei chegasse à
assembléia, já que é um instrumento
estratégico de proteção. Mas,
todo mundo sabe que isso é uma minuta que
será enviada e haverá ainda, na Assembléia,
todo um trabalho de discussão pelo qual ela
poderá ser emendada. No subcomitê Cotia-Guarapiranga,
a gente já deliberou em plenária que
haverá uma comissão de acompanhamento
dos trabalhos de tramitação na Assembléia.
ISA
– E a lei específica da Billings?
Violêta – Começamos
este trabalho em 2001. A primeira minuta, espelhada
no modelo da Guarapiranga, foi aprovada numa plenária
de 20/8/2001. E terá suas especificidades.
No ano passado, surgiu um buraco na minuta, porque
a sociedade civil achava (e tinha razão)
de que havia necessidade de que o Plano de Desenvolvimento
e Proteção Ambiental (PDPA) da represa
estivesse pronto. Na Guarapiranga, havia PDPA. A
Billings nunca teve, apesar de vários estudos
terem sido contratados. Há subsídios
que têm de ser contemplados num plano e não
tínhamos. Um ponto alto, importante, foi
o Seminário Billings que o ISA organizou
em novembro de 2002. Nessa época, tínhamos
um embate em relação à definição
dessa Área de Proteção e Recuperação
de Mananciais (APRM). Porém, em maio do ano
passado houve uma solução que foi
o compartilhamento da gestão, ou seja, a
aplicação do artigo 6º da Lei
nº 9866/97, que permite compartilhar a gestão.
O atual estágio na Billings é: retomamos
os trabalhos em outubro do ano passado e organizamos
no grupo uma série de apresentações
– foram primeiro apresentações municipais
dos Planos Diretores de cada município, depois
apresentações de órgãos
do Estado em relação a novas legislações,
portarias conjuntas que falam de recuperação
das APPs, as áreas de proteção
permanente – e fizemos aí um trabalho até
o final do ano de subsídios.
Fonte: ISA-Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Renata Egydio