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HAVERÁ
UMA POLÍTICA NACIONAL DE MUDANÇAS
CLIMÁTICAS?
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Junho de 2004
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Criado
em 2000 para mobilizar e conscientizar a sociedade
em relação ao tema, o Fórum
Brasileiro de Mudanças Climáticas
não se reuniu nenhuma vez neste governo,
o que levou o secretário-executivo Fábio
Feldmann a pedir exoneração do cargo.
O assunto voltou a ser discutido no seminário
Mudanças Climáticas: Desafios e Oportunidades,
realizado na Câmara dos Deputados na quarta-feira
(9/6).
No fim de abril,
o ex-deputado federal e ex-secretário do
Meio Ambiente do Estado de São Paulo Fábio
Feldmann enviou uma carta ao presidente Lula pedindo
exoneração da secretaria-executiva
do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas
[leia na íntegra abaixo].
O Brasil, que foi um dos primeiros países
a assinar a Convenção-Quadro das Nações
Unidas para Mudança do Clima, derivada da
Rio-92, e promulgou em 2002 o Protocolo de Kyoto
[ainda não ratificado], criou o Fórum
Brasileiro de Mudanças Climáticas
(FBMC) para conscientizar e mobilizar a sociedade
para a discussão e tomada de posição
sobre os problemas decorrentes da mudança
do clima por gases de efeito estufa, bem como sobre
o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) – instrumento
incorporado ao Protocolo de Kyoto que possibilita
aos países industrializados reduzir as emissões
de gases de efeito estufa por meio de projetos de
florestamento e reflorestamento em países
em desenvolvimento para o seqüestro de carbono.
Sob o comando do Presidente da República,
que convoca suas reuniões, o FBMC é
composto pelos ministros da Ciência e Tecnologia,
Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, Agricultura e do Abastecimento, Meio Ambiente,
Relações Exteriores, Minas e Energia,
Planejamento, Orçamento e Gestão,
Saúde, Transportes, Educação,
Defesa e Casa Civil, pelo presidente da Agência
Nacional de Águas (ANA) e por representantes
da sociedade civil e, como convidados, os presidentes
da Câmara dos Deputados e do Senado, governadores
de Estados e prefeitos. Ao secretário-executivo,
cargo não remunerado, cabe organizar as pautas
das reuniões, acompanhá-las e implementar
suas decisões.
Não são tarefas fáceis, uma
vez que o tema ainda é bastante indigesto
para a maior parte da população brasileira,
senão ignorado. Considerada internacionalmente
inovadora, a iniciativa, cujo site [atualmente fora
do ar] foi agraciado com o Prêmio Super de
Ecologia por abrigar a primeira biblioteca virtual
da América Latina sobre o assunto, entretanto,
está definhando.
Desde que Lula assumiu não foi realizada
nenhuma reunião do FBMC. Além disso,
segundo Feldmann, após 18 meses desde a posse
de Lula ainda permanecem sem definição,
entre outros pontos, o “locus” adequado para a condução
da questão dentro do governo federal; a criação
de condições favoráveis para
atração de investimentos em projetos
de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no Brasil;
e a divulgação do Inventário
Nacional da Emissão de Gases de Efeito Estufa.
“Nesses meses, articulamos na Câmara dos Deputados
a criação de uma subcomissão
de Mudanças Climáticas junto à
Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente
e Minorias, realizamos reuniões de Câmaras
Temáticas e finalizamos algumas publicações
a exemplo do livro Condições Climáticas
e Recursos Hídricos no Brasil, em conjunto
com a ANA”, descreve Feldmann em um outro documento
distribuído na semana passada.
Também é papel do FBMC manter a integração
com a Comissão Interministerial de Mudança
Global do Clima, da qual participam representantes
dos Ministérios das Relações
Exteriores, Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
Transportes, Minas e Energia, Planejamento, do Meio
Ambiente, Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, Ciência e Tecnologia e da Casa Civil,
para a implementação de suas deliberações.
Porém, de acordo com Feldmann, o fórum
tem sido excluído das reuniões da
comissão.
No seminário Mudanças Climáticas:
Desafios e Oportunidades, a situação
do FBMC voltou a ser discutida. Com painéis
sobre aspectos técnicos e processos políticos
do aquecimento global, ações prioritárias
de uma política nacional de mudanças
climáticas e oportunidades e implicações
do mercado de carbono no Brasil, o evento não
contou com muitas novidades. Márcio Santilli,
do Conselho Diretor do ISA, e Paulo Moutinho, coordenador
de Pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (Ipam), falaram sobre a proposta
de “desmatamento evitado”, apresentada por eles
e outros autores na 9ª Conferência das
Partes (COP) da Convenção Quadro das
Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas, que ocorreu em dezembro do ano
passado em Milão, na Itália.
Além das diversas apresentações
didáticas sobre o tema, o único fato
novo foi o anúncio da criação
nesta semana da Subcomissão de Mudanças
Climáticas pela Comissão de Desenvolvimento
Sustentável da Câmara dos Deputados.
::Pedido de exoneração do
secretário-executivo do FBMC::
São Paulo, 28 de abril de 2004
Excelentíssimo Senhor Presidente:
Venho à presença de Vossa Excelência
reiterar o pedido de exoneração do
cargo de Secretário Executivo do Fórum
Brasileiro de Mudanças Climáticas,
por mim exercido por força do Decreto de
29 de agosto de 2.000.
1-O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas
foi criado com objetivo de disseminar a consciência
e mobilizar a sociedade brasileira a respeito desta
temática, em decorrência dos compromissos
assumidos pelo Brasil por força da Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudanças
do Clima.
2-Nos últimos anos a comunidade científica
reunida no Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas, reforçou o seu entendimento
de que se trata de um tema da maior urgência
e relevância, comprometendo as presentes e
futuras gerações nas próximas
décadas de modo irreversível, impondo-se
a redução de emissões de gases
de efeito estufa de acordo com o estabelecido no
Protocolo de Quioto, do qual o Brasil participou
ativamente da elaboração, inclusive
no que tange ao denominado “Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo”. Este ao meu ver é inegavelmente o
avanço mais concreto em termos institucionais
desde a realização da Conferência
do Rio, permitindo a criação de um
“mercado” de medidas de redução de
emissões que promove investimentos em tecnologias
limpas em paises em desenvolvimento, e simultaneamente
reduz os riscos a estabilidade do clima no planeta.
3-Como é sabido o atual governo americano
se opõe ao Protocolo de Quioto, sem oferecer
nenhuma alternativa ética e politicamente
aceitável para enfrentar o problema, de modo
que a entrada em vigência do mesmo está
seriamente comprometida, até mesmo porque
a Rússia, pais chave para que aquele Tratado
possa vigir, tem tido uma postura deliberadamente
hesitante, como se verifica nas declarações
do Presidente Vladimir Putin. Por esta razão,
países como o Japão, Canadá,
assim como os integrantes da União Européia,
entre os quais o Reino Unido liderado por Tony Blair,
tem exercido pressão sobre o governo russo
a favor do Protocolo de Quioto, ainda que sejam
aliados tradicionais dos Estados Unidos.
4-O Brasil, ainda que tenha graves problemas relativos
ao deflorestamento da Amazônia, teve na ultima
década exemplar papel nas negociações,
tendo o FBMC sido reconhecido como uma de suas iniciativas
mais importantes, por ser presidido pelo Presidente
da República, e por representar um espaço
importante de discussão entre os mais diversos
atores da sociedade brasileira num tema complexo
e que envolve vários ministérios e
diferentes esferas da Federação. Embora
um só caso não seja suficiente para
permitir uma atribuição definitiva,
a ocorrência de fenômenos meteorológicos
pouco freqüentes, como o ciclone Catarina nunca
dantes observado, é consistente com uma mudança
do clima induzida pelo Homem, e que se reflete não
somente no aumento da temperatura média da
superfície do planeta, mas também
na alteração da freqüência
e intensidade de fenômenos severos.
5-Ainda que decorridos alguns meses desde a posse
do novo governo, e tendo o Fórum recebido
um prêmio pela revista Superinteressante nesta
nova gestão, não se reuniu o mesmo
com Vossa Excelência, nem tampouco houve decisão
acerca de seu futuro, em que pese o fato de que
todos os candidatos assumiram durante o pleito presidencial
de 2002 compromisso público com a sua manutenção,
valendo se enfatizar que a Ministra Marina Silva
em diversas oportunidades revelou sua preocupação
e do governo com esta temática, ainda que
sua voz isoladamente não seja suficiente
para mobilizar o conjunto do governo.
6-Assim sendo, venho reiterar a minha preocupação
pessoal de que não se deve abrir mão
da liderança assumida pelo Brasil neste tema,
e que a mesma seja exercida pessoalmente por Vossa
Excelência nos foros internacionais e no plano
interno do país, sendo a manutenção
do Fórum e seu fortalecimento institucional
um dos veículos privilegiados para que se
demonstre inequivocamente que o tema das Mudanças
Climáticas Globais está presente e
encontra prioridade e urgência na agenda do
governo.
Outrossim, enfatizo que o FBMC está sediado
provisoriamente em Brasília com apoio do
Ministério da Ciência e Tecnologia
e da Agência Nacional de Águas do Ministério
do Meio Ambiente.
Aproveitando a oportunidade para reiterar meus votos
pessoais de sucesso e admiração, subscrevo-me.
Atenciosamente,
Fabio Feldmann Secretário Executivo do FBMC
Fonte: ISA - Instituto Sócioambiental
(www.socioambiental.gov.br)
Cristiane Fontes