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O CÓDIGO
FLORESTAL E O DESENVOLVIMENTO URBANO
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2004
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09/08/2004 - No
artigo abaixo, o advogado Raul Silva Telles do Valle,
integrante do Programa de Política e Direito
Socioambiental (PPDS) do ISA, expõe as consequências
da anulação da aplicação
do Código Florestal em áreas urbanas,
que prejudicaria a qualidade da vida de boa parte
da população brasileira, para favorecer
um único setor, o imobiliário.
O Código Florestal é uma lei bastante
antiga para os padrões brasileiros, pois
sua primeira versão data de 1934, e seu texto
atual, salvo algumas poucas modificações,
data de 1965. Até alguns anos atrás,
poucas pessoas ou mesmo autoridades públicas
tinham ouvido falar dessa lei, razão pela
qual ela foi, por mais de duas décadas, acintosamente
desrespeitada e, mais, desconsiderada. Porém,
no ano de 2000, esse então ilustre desconhecido
se transformou, do dia para a noite, o centro de
um amplo e intenso debate público, que ecoou
na imprensa, em universidades, em organizações
de classe, nos órgãos ambientais e
nas organizações da sociedade civil.
A questão central de então era a proposta
da bancada ruralista do Congresso Nacional de modificar
alguns dos dispositivos centrais da lei, principalmente
os limites da reserva legal, legalizando dessa forma
o aumento do desmatamento em toda a Amazônia
Legal e praticamente anulando a possibilidade de
recuperação da Mata Atlântica,
que hoje tem menos de 7% de sua cobertura original.
Em função das conseqüências
nefastas que adviriam da aprovação
dessa proposta, a sociedade se mobilizou e, numa
intensa campanha virtual, conseguiu que a proposta
fosse derrubada e que a lei fosse negativamente
alterada.
Nas últimas duas semanas, o Código
Florestal voltou a ser o centro das atenções.
Com a notícia de que o Congresso Nacional
aprovara, em tempo recorde, um projeto de lei que,
embora versasse sobre crédito imobiliário
e regras para a construção civil,
trazia um dispositivo que praticamente revogava
o Código Florestal, as ONGs ambientalistas,
num primeiro momento, e posteriormente a sociedade
como um todo, se mobilizaram para pedir o veto ao
artigo mencionado. Uma carta com a assinatura de
mais de 160 organizações da sociedade
civil foi entregue à Presidência da
República, e, em menos de duas semanas, mais
de oito mil e-mails, foram enviados ao Presidente
Lula pedindo o veto ao artigo.
O artigo em questão afirmava que em áreas
urbanas e de expansão urbana, estaria afastada
a aplicação do Código Florestal.
Com isso, deixaria de existir a obrigação
de se preservar, em todos os centros urbanos brasileiros,
as áreas situadas às margens dos rios,
no entorno de represas, em declividades superiores
a 45 graus, as dunas, as restingas, dentre outras
de alta relevância ambiental.
Em função dos prejuízos concretos
que a revogação do Código Florestal
traria à qualidade de vida nas cidades e
da pressão cidadã exercida pela sociedade
brasileira, o Presidente da República, na
última segunda-feira (2/8), vetou o citado
dispositivo, para a felicidade geral da nação.
Mas parece que nem todos estão felizes. Após
a notícia do veto, alguns empresários
ligados ao ramo da construção civil
vieram à imprensa para defenestrar o ato
do presidente, afirmando que a aplicação
da lei em áreas urbanas seria um “entrave”
ao crescimento do setor, e afastaria o investimento
empresarial. Outros afirmaram que haveria uma suposta
confusão na legislação atual,
que não definiria claramente quais os limites
para a ocupação e impermeabilização
das margens de rios e córregos. O autor do
artigo vetado, o deputado Ricardo Izar (PTB/SP),
falou publicamente que o veto representa um “entrave
ao desenvolvimento”. Mas que desenvolvimento, cara
pálida?
As áreas protegidas pelo Código Florestal,
denominadas juridicamente de Áreas de Preservação
Permanente (APPs), só mereceram esse status
legal porque prestam à sociedade serviços
ambientais muito importantes.
As matas ciliares, por exemplo, são fundamentais
para garantir a quantidade e qualidade de água
em nossos rios, o mesmo acontecendo com as áreas
no entorno de represas ou lagos. Se derrubadas e
ocupadas, deixarão de prestar esses serviços,
e a conseqüências serão o assoreamento,
a poluição e a degradação
dos corpos d´agua, seja porque sua proteção
natural desapareceu, seja porque o ciclo hidrológico
– que depende da existência da vegetação
- foi alterado. A vegetação existente
em encostas íngremes serve para evitar que,
com a primeira chuva de verão, o solo deslize
e cause as terríveis perdas materiais e de
vidas que nos acostumamos a ver todos os anos nas
cidades que permitiram que essas áreas fossem
ocupadas. Da mesma forma, a vegetação
de restinga serve para segurar o deslocamento de
dunas, e sua retirada e ocupação traz
como conseqüência o soterramento de bairros
ou cidades inteiras pelas areias, como já
vem acontecendo em várias localidades do
Nordeste brasileiro.
A aplicação do Código Florestal
em áreas urbanas, portanto, não é
uma demanda dos “radicais verdes”, como querem fazer
crer os empresários citados, mas uma medida
de bom senso.
E agora algumas vozes se levantam para afirmar que
a legislação ambiental está
“atrapalhando o desenvolvimento”. Devem ser vozes
presas em algum lugar do passado, que não
souberam da Rio-92, não acompanharam o desenvolvimento
da legislação ambiental brasileira
e não perceberam que a sociedade já
não aceita mais a tese de que desenvolvimento
significa mais poluição, doenças
e desastres “naturais”. Não há mais
como dissociar desenvolvimento de qualidade de vida.
O puro crescimento de alguns setores de nossa economia,
se não vier acompanhado do respeito às
bases naturais que sustentam a vida, não
é e nunca será desenvolvimento, pois
trará consigo o germe da destruição
e da miséria. E isso, já há
muitos anos, a sociedade não está
mais disposta a aceitar e, por isso, pediu ao Presidente
da República que vetasse o artigo que revogava
o Código Florestal em áreas urbanas.
Que as vozes do passado retornem às suas
origens, pois temos ainda muitos problemas a resolver
para conseguir implementar, de norte a sul, uma
gestão urbana ambientalmente adequada, que
tenha como objetivo central não mais o crescimento,
enquanto um fim em si mesmo, mas a qualidade de
vida.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Raul Silvia Telles do Valle)