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DECISÃO
SOBRE A FLOTAÇÃO NO RIO PINHEIROS
(SP) SÓ DEVE SAIR EM MARÇO
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) Brasil
Fevereiro de 2004
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Questionado
pelo Ministério Público, por ambientalistas
e por especialistas, o uso da técnica de
flotação como método único
de despoluição do rio Pinheiros está
barrado por liminar desde julho de 2003, por não
ter estudo de impacto ambiental. O julgamento da
questão pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, esperado para a semana
passada, foi adiado pela segunda vez nesta quinta-feira
(19/2).
O Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo
deve definir somente no próximo dia 11/3
se o consórcio formado entre as estatais
Petrobrás e Empresa Metropolitana de Águas
e Energia de São Paulo (Emae) poderá
iniciar, em caráter de teste, o bombeamento
das águas do rio Pinheiros para a Billings,
após seu tratamento pela técnica da
flotação. O bombeamento está
hoje proibido por força de uma decisão
judicial proferida em Ação Civil Pública
interposta pelo Ministério Público
Estadual, que questiona o seu início sem
a realização de estudo de impacto
ambiental (Eia/Rima). O Tribunal de Justiça,
que já havia adiado o julgamento do caso
na semana passada, pode derrubar a decisão
de primeira instância e assim autorizar o
início do bombeamento.
A flotação vem sendo questionada pelo
Ministério Público, por ambientalistas
e especialistas por oferecer sérios riscos
à qualidade de água da represa Billings,
que é um manancial estratégico para
a região metropolitana de São Paulo
(RMSP) e, portanto, segundo a legislação
federal e estadual, deve ter suas águas destinadas
prioritariamente ao abastecimento público.
Além de abastecer a região do Grande
ABC paulista, a Billings fornece água para
a represa Guarapiranga, que é responsável
pelo abastecimento de toda a zona sudoeste do município
de São Paulo.
A intenção do governo do Estado, ao
prometer despoluir as águas do Pinheiros
com a técnica da flotação,
é a de reverter novamente, por meio de bombeamento,
o curso do rio em direção à
represa Billings. Até 1989 esta reversão
era constante e possibilitava a geração
de energia elétrica na Usina de Henry Borden,
instalada próxima à cidade de Cubatão.
O bombeamento ficou proibido pela Constituição
Estadual de 1989 (artigo 46 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias), com o intuito
de diminuir a poluição e garantir
o uso da Billings para abastecimento público.
O tratamento de água proposto com a tecnologia
da flotação é um sistema que,
através de processos físico-químicos,
agrupa as partículas sólidas de sujeira
e faz com que fiquem concentradas na superfície
da água, facilitando sua retirada. Essa técnica,
que compreende uma das etapas dos sistemas convencionais
de tratamento de esgoto, nunca foi aplicada em rios
do porte do Pinheiros, ainda mais como método
único de despoluição de águas
destinadas a abastecimento público. O governo
do Estado afirma que este processo garantirá
a adequação das águas do Rio
Pinheiros em padrões de qualidade compatíveis
com o uso para abastecimento público (padrão
de Classe 2, definidos na resolução
20/86, do Conama).
Um documento elaborado por especialistas de renome
na área, e encomendado pela Secretaria de
Meio Ambiente, levanta sérias dúvidas
quanto à capacidade do sistema em garantir
os padrões de qualidade da água necessários.
Esse documento, chamado Parecer sobre proposta para
melhoria da qualidade da água do rio Pinheiros
e reversão para a empresa Billings (julho
de 2001), foi mantido durante muito tempo sob sigilo
e apenas recentemente veio a público. Suas
recomendações, aparentemente, não
foram incorporadas ao processo de tomada de decisão
para implantação do sistema.
A viabilização econômica desse
projeto também foi um problema. Inicialmente
se previa um convênio com uma empresa privada,
que arcaria com todos os riscos e custos na implantação
do sistema. Em troca, esta empresa poderia comercializar
280 MW, dos 298 MW adicionais que a Henry Borden
geraria, até novembro de 2012, quando vence
o contrato. No entanto, diante da falta de interessados,
e após longas negociações políticas,
a Emae e Petrobras, ambas empresas estatais, resolveram
assumir os riscos do projeto, arcando com todos
seus custos. Em setembro de 2001, as estatais começaram
a construção das duas primeiras unidades
de flotação, que entrariam em operação
em caráter de teste com o tratamento de 10
mil litros de água por segundo um quinto
da capacidade projetada para todo o sistema - por
180 dias.
O sistema de flotação completo previsto
para o rio Pinheiros é formado por sete unidades
de operação - três no próprio
rio e quatro em seus afluentes, os córregos
Jaguaré, Pirajussara, Morro do 'S' e Zavuvus.
Este complexo foi orçado à época
em R$ 110 milhões e dimensionado para o tratamento
de 50 mil litros de água por segundo. As
obras, no entanto, deverão custar muito mais,
pois só a primeira fase custou 32,5% além
do estabelecido (R$ 53 milhões, quando o
previsto era R$ 40 milhões).
Diante da incerteza quanto à eficácia
dessa técnica, assim como da falta de áreas
aptas a receber a enorme quantidade de lodo gerada
pelo processo (estima-se que seja necessário
um caminhão com capacidade para 10 toneladas
saindo a cada sete minutos das estações
para dar conta das cerca de 540 toneladas de rejeito
diários), dentre outros questionamentos técnicos
de grande relevância, o mínimo que
se poderia esperar do Governo de Estado era a realização
de um estudo prévio de impacto ambiental
que apontasse os riscos e a viabilidade ambiental
de um empreendimento desse porte. A Secretaria de
Meio Ambiente, no entanto, dispensou o projeto de
licenciamento ambiental, apesar de opiniões
técnicas divergentes, o que levou o promotor
Geraldo Rangel a propor uma Ação Civil
Pública para impedir o início dos
testes.
Os ambientalistas esperam com apreensão a
decisão do Tribunal de Justiça, pois,
caso o bombeamento seja autorizado, pode-se retroceder
seriamente no processo de recuperação
da Billings. A crise de abastecimento de água
atual revela um problema crônico maior, que
é a falta de planejamento no uso dos mananciais
da região metropolitana de São Paulo.
A Billings é o maior reservatório
de água da região metropolitana; sua
capacidade natural seria suficiente para abastecer
cerca de 4,5 milhões de habitantes, porém,
devido à enorme poluição gerada
pelo bombeamento ao longo das últimas seis
décadas, só é possível
utilizar parte desse potencial.
Caso as incertezas quanto à eficácia
da flotação se confirmem, o fornecimento
de água da Billings para a Guarapiranga poderá
ficar seriamente comprometido, a ponto de ser paralisado.
Possibilidade esta, que isolada de qualquer contexto,
já seria suficiente para a realização
de estudos de impacto ambiental. Considerando que
a região metropolitana de São Paulo
passa pela pior crise de abastecimento de água
de sua história, tais estudos deveriam ser
indispensáveis.
Cronologia
-
Novembro
de 2000 Governador Mário Covas
apresenta proposta de retomar bombeamento à
Billings para aumentar a geração
de energia na Usina Henry Borden, por meio da
despoluição do rio Pinheiros com
a flotação.
-
Fevereiro
de 2001 Projeto de flotação
no rio Pinheiros é apresentado em audiência
pública no Instituto de Engenharia, em
São Paulo (capital).
-
Fevereiro de 2001 Emae lança
edital de convênio com empresas privadas,
para iniciar as obras.
-
Maio de 2001 Edital da Emae é
abandonado e a empresa fecha convênio com
a Petrobras.
-
Julho
de 2001 Consultados pela Secretaria
de Estado do Meio Ambiente de São Paulo,
vários especialistas de renome põem
em dúvida, em laudo técnico, a eficácia
do sistema de flotação no caso do
rio Pinheiros. O documento foi elaborado em caráter
confidencial.
-
Novembro
de 2001 Convênio entre Emae e
Petrobras é assinado.
-
Março
de 2003 Primeira fase do projeto é
concluída, com a montagem do sistema de
flotação nos primeiros seis quilômetros
do rio Pinheiros.
-
Julho
de 2003 Ministério Público
Estadual entra com ação civil pública
contra o início dos testes sem estudo de
impacto ambiental.
-
Julho
de 2003 O juiz Edson Ferreira da Silva,
da 13ª Vara da Fazenda Pública, concede
liminar impedindo o início dos testes do
sistema já implantado.
-
Agosto
de 2003 Governo recorre da decisão
em primeira instância e processo vai para
o Tribunal de Justiça de São Paulo.
-
Agosto de 2003 Relatório de
especialistas, entregue em julho de 2001 à
Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São
Paulo vaza à imprensa.
-
Março
de 2004 Tribunal de Justiça
deve emitir decisão final sobre o processo.