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MARINA SILVA
COBRA IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO
SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA EM KUALA
LUMPUR
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Fevereiro de 2004
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Durante discursos de
ministros na COP-7 nesta quinta-feira (19/2), Marina
fez um apelo por resultados, defendeu a adoção
de um regime internacional de acesso e repartição
de benefícios derivados do uso de recursos
genéticos que proteja os conhecimentos tradicionais
de povos indígenas e comunidades locais e ressaltou
a importância das Terras Indígenas na
conservação da biodiversidade. A ministra
do Meio Ambiente também anunciou a intenção
de o Brasil abrigar, em 2006, a próxima conferência
das partes.
Resultados. Esse, em resumo, foi o principal apelo
de Marina Silva, hoje (19/2), durante os pronunciamentos
de ministros presentes à 7ª Conferência
das Partes (COP-7) da Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB), que ocorre até
amanhã (20/2), em Kuala Lumpur, na Malásia
- leia na íntegra abaixo.
“O Brasil entende que a CDB já produziu políticas,
decisões e programas importantes, mas percebe
também que se acumula um enorme déficit
de implementação para o qual não
podemos deixar de olhar. Os elevadíssimos custos
de reuniões como esta devem ser reorientados
de forma a privilegiar, cada vez mais, ações
de implementação. Uma reorientação
na nossa forma de trabalhar deveria ser um dos principais
resultados dessa nossa reunião, e a única
maneira de respondermos efetivamente às críticas
que se fazem aos baixos resultados do grande número
de reuniões internacionais”, afirmou. Para
Marina Silva, a convenção tem o desafio
de dar uma resposta ao atual ceticismo em torno dos
tratados e acordos internacionais ambientais.
A ministra do Meio Ambiente afirmou se sentir confortável
para fazer um apelo pela implementação
da CDB devido às iniciativas brasileiras comprometidas
com a convenção, citando como exemplos
“a revisão da legislação nacional
sobre acesso e repartição de benefícios
[projeto de lei sob análise da Casa Civil desde
o fim do ano passado], a formulação
de um novo marco legal sobre biossegurança
e o compromisso do governo em reverter os processos
que tem levado ao desmatamento e à perda da
biodiversidade [referindo-se, entre outros, ao pacote
de medidas de combate ao desmatamento na Amazônia
elaborado por um Grupo de Trabalho Interministerial,
ainda sob análise do presidente Lula]”.
Marina Silva manifestou preocupação
com as dificuldades de negociação de
um regime internacional de acesso e repartição
de benefícios obtidos com o uso dos recursos
genéticos que inclua a proteção
dos conhecimentos tradicionais de povos indígenas
e comunidades locais. Em discussão na conferência,
esse é um tema polêmico entre os países
megadiversos, provedores de recursos genéticos,
que defendem um regime vinculante, ou seja, com disposições
que possam ser cobradas internacionalmente; e os países
desenvolvidos, detentores de biotecnologia, que preferem
um regime voluntário, que possibilite o acesso
aos recursos genéticos de forma mais barata
e rápida possível.
Na segunda-feira (16/2), representantes indígenas
lançaram na COP-7 uma declaração
manifestando sua frustração com o fracasso
do Grupo de Trabalho sobre Acesso e Repartição
de Benefícios em reconhecer e proteger os direitos
indígenas nas discussões sobre o regime
internacional. “Não podemos aceitar que os
governos tenham soberania nacional sobre nossos recursos
e conhecimentos tradicionais, porque isso contradiz
a legislação internacional sobre direitos
humanos. Continuamos a reafirmar a posição
de que conhecimento tradicional é inseparável
de nossos recursos genéticos. Deliberações
de GT fizeram essa separação no escopo
do regime. Governos não têm direito de
tomar decisões relacionadas a qualquer uso
ou comercialização de nossos conhecimentos
tradicionais”, afirmam no documento.
Biodiversidade
e povos indígenas
“É importante
que consideremos de maneira efetiva o papel das populações
indígenas na conservação da biodiversidade.
Acreditamos não só na importância
de valorizar, reconhecer e assegurar condições
de sobrevivência a essas populações,
como, também, no importante papel que elas
desempenham na conservação dos recursos
naturais e na prevenção do desmatamento”,
declarou a ministra. Marina citou o programa de apoio
à conservação da biodiversidade
em Terras Indígenas que o MMA está desenvolvendo
e que deverá contar com recursos do GEF (Fundo
Global para o Meio Ambiente).
Áreas
protegidas
Marina Silva falou
ainda sobre o Protocolo de Intenções
para a Implementação do Programa de
Trabalho para Áreas Protegidas , anunciado
na COP-7 ontem. “Não estamos preocupados apenas
em criar mais áreas protegidas, mas em fazer
com que o valor dessas áreas possa ser internalizado
pelas populações locais.”
De acordo com estimativas do Greenpeace, há
atualmente um déficit de US$ 25 bilhões
para que seja implementado o sistema de áreas
protegidas manejado e representativo da biodiversidade
mundial previsto pela CDB. A instituição
defende que o sistema de áreas protegidas respeite
os direitos indígenas e das comunidades locais
e seja viabilizado em nações em desenvolvimento
com recursos econômicos dos países ricos
e industrializados.
“Nossos técnicos, que estão há
duas semanas trabalhando noite e dia, talvez não
tenham essa responsabilidade. Mas nós, Ministros,
aqui reunidos, a temos e precisamos mostrar que aqui
estamos reunidos para algo além de fazer discursos”,
encerrou a ministra do Meio Ambiente do Brasil.
Pronunciamento
da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva
Senhor Presidente,
Senhores e Senhoras Ministros,
Entre todos os temas ambientais, a biodiversidade
é a questão que mais profundamente mobiliza
a mim, em particular, e ao meu País, pelo significado
que tem para nós. Para o Brasil, detentor de
inigualável diversidade biológica, as
questões aqui presentes se revestem da maior
importância para o desenvolvimento econômico,
para a justiça social e para a integridade
ambiental do nosso País. Por isso, há
dois dias atrás, manifestamos nossa intenção
de o Brasil sediar a próxima COP, medida ainda
a ser oficialmente comunicada, por via diplomática,
ao Secretariado. Quero aqui reiterar o nosso propósito
de ter a honra de realizar nossa próxima reunião.
Doze anos após a assinatura da Convenção
sobre Diversidade Biológica, o Brasil entende
que é chegado o momento de iniciar um qualitativo
processo de mudança de orientação
nos trabalhos da Conferência das Partes e demais
órgãos. Desde Joanesburgo, implementação
é a palavra-chave para a grande quantidade
de acordos multilaterais ambientais, e quase todas
as intervenções que aqui ouvimos comprovam
essa ânsia por resultados. Não podemos,
porém, correr o risco de ficarmos nos repetindo,
sem ações concretas que demonstrem o
nosso desejo político de transformar em realidade
os compromissos por nós assumidos.
O Brasil entende que a Convenção já
produziu políticas, decisões e programas
importantes, mas percebe também que se acumula
um enorme déficit de implementação
para o qual não podemos deixar de olhar. Os
elevadíssimos custos de reuniões como
esta devem ser reorientados de forma a privilegiar,
cada vez mais, ações de implementação.
Uma reorientação na nossa forma de trabalhar
deveria ser um dos principais resultados dessa nossa
reunião, e a única maneira de respondermos
efetivamente às críticas que se fazem
aos baixos resultados do grande numero de reuniões
internacionais.
No mundo todo, observa-se grande ceticismo em torno
dos tratados e acordos internacionais ambientais.
A CDB tem a sua frente o desafio de liderar, pelo
exemplo, a resposta a esse ceticismo. Sentimo-nos
muito confortáveis em fazer esse apelo à
liderança por exemplos, pois o Brasil tem,
por meio de diversas iniciativas, fortalecido e valorizado
a CDB. Tem buscado, ainda, em nível nacional,
regional e sub-regional, bem como no âmbito
do grupo dos países megadiversos, desenvolver
alianças que reflitam o nosso compromisso com
a implementação.
Apenas para citar alguns avanços recentes para
a implementação dos compromissos da
CDB, destaco a revisão da legislação
nacional sobre acesso e repartição de
benefícios, a formulação de um
novo marco legal sobre biossegurança, e o compromisso
do Governo em reverter os processos que tem levado
ao desmatamento e a perda da biodiversidade em nosso
País. Temos particular preocupação
com as dificuldades aqui observadas para dar seguimento
ao compromisso acordado na Cúpula de Joanesburgo
de negociar um regime internacional sobre acesso e
repartição de benefícios. Preocupo-me
porque não estamos aqui falando de novas decisões,
mas tão somente de dar seguimento a decisões
já tomadas. Por isso, saudamos a disposição
dos que nos apóiam nesse esforço e rejeitamos
as tentativas de voltar atrás ou mesmo de retardar
a implementação desse compromisso. Muitos
de nós nos frustramos com os resultados de
Joanesburgo e, por isso, é incompreensível
que ainda haja aqueles que queiram retroceder nos
mais efetivos avanços ali alcançados.
Muitos países parecem esquecer-se do tripé
em que se fundamenta a CDB - a conservação
da diversidade biológica, o uso sustentável
de seus componentes e a distribuição
justa e eqüitativa dos benefícios derivados
do uso dos recursos genéticos, focando-se apenas
nos aspectos ligados à conservação.
Trata-se de postura cômoda que não contempla
a perspectiva de que a CDB possa vir a ser um instrumento
efetivo de mitigação da pobreza. Na
maior parte dos países em desenvolvimento,
perdura a inaceitável situação
de regiões mais ricas em biodiversidade serem
justamente aquelas em que as populações
são mais pobres.
O Brasil considera que o novo regime possa constituir-se
em importante instrumento de geração
e distribuição de renda, contribuindo
para a redução da pobreza e das diferenças
entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Essas diferenças têm aumentado exponencialmente,
apesar dos discursos e das promessas sem conseqüência
(principalmente o repetido compromisso de alocação
de 0,7% do PIB dos países ricos em ajuda ao
desenvolvimento).
Para o Brasil, o tema das áreas protegidas
é igualmente importante e, novamente, não
apenas pelo papel que essas áreas têm
para a conservação da biodiversidade.
Acreditamos que um programa abrangente de áreas
protegidas possa vir a ser um instrumento efetivo
de mitigação da pobreza e de inclusão
social. Essa percepção talvez explique
algumas das diferenças básicas aqui
verificadas nas discussões do Plano de Trabalho
sobre áreas protegidas. Não estamos
preocupados apenas em criar mais áreas protegidas,
mas em fazer com que o valor dessas áreas possa
ser internalizado pelas populações locais,
em criar condições para que essas áreas
sejam de fato consolidadas e protegidas.
É nesse contexto que anunciei, ontem, o protocolo
de intenções assinado entre o governo
brasileiro e a sociedade civil. Uma parceria entre
o Governo e organizações não-governamentais,
comunidades indígenas e tradicionais, que,
organizadas sob a forma de um consórcio, vão
apoiar a implementação do Programa de
Trabalho sobre Áreas Protegidas da Convenção
que aprovamos nesta Conferência. Todas essas
organizações farão parte do Fórum
Brasileiro de Áreas Protegidas, cuja criação
também ontem anunciamos, composto por representantes
governamentais e não-governamentais para discussão
e proposição visando à consolidação
de um sistema de áreas protegidas no Brasil.
É importante, ainda, que consideremos de maneira
efetiva o papel das populações indígenas
na conservação da biodiversidade. Acreditamos
não só na importância de valorizar,
reconhecer e assegurar condições de
sobrevivência a essas populações,
como, também, no importante papel que elas
desempenham na conservação dos recursos
naturais e na prevenção do desmatamento.
Por isso, o Governo Brasileiro está discutindo
com lideranças indígenas um grande programa
para apoiar a conservação da biodiversidade
em suas terras.
Muitos países têm sido rápidos
na importante missão de denunciar a ausência
de demarcação de terras indígenas
nos países em desenvolvimento, mas não
têm sido tão eficientes em defender,
em foros internacionais, os direitos das populações
indígenas, suas tradições e seus
conhecimentos. Refiro-me, aqui, à dificuldade
com que evoluem as negociações para
a formação de um regime internacional
de acesso e repartição dos benefícios
derivados do uso da biodiversidade e de um regime
sui generis para direitos de propriedade intelectual
associados ao uso da biodiversidade, que tanto beneficiariam
essas populações.
Avançamos muito pouco na questão de
transferência de tecnologia. É fundamental
que os países em desenvolvimento se empenhem
tanto em assegurar mecanismos efetivos para a transferência
de tecnologia -- uma condição indispensável
para o uso sustentável da biodiversidade. Refiro-me
aqui tanto a cooperação norte-sul como
à indispensável cooperação
entre países em desenvolvimento, detentores
de realidades sociais, econômicas e ambientais
similares. No entanto, os países do Sul estão
sendo constantemente chamados a maiores controles,
a maior monitoramento e a maiores responsabilidades,
sem que lhes sejam assegurados os meios para isso.
Por isso, o adiamento dessa questão não
é benéfico a ninguém.
Encerro aqui com a exortação a um trabalho
mais dirigido a resultados. É chegado o momento
de respondermos às duras críticas que
nos são feitas por produzir mais idéias,
planos e resoluções do que ações
concretas em benefício da biodiversidade e
da população a ela associada. Temos
aqui os instrumentos, mas precisamos da correspondente
vontade política para fazê-los funcionar.
Nossos técnicos, que estão há
duas semanas trabalhando noite e dia, talvez não
tenham essa responsabilidade. Mas nós, Ministros,
aqui reunidos, a temos e precisamos mostrar que aqui
estamos reunidos para algo além de fazer discursos.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Cristiane Fontes) |