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PFL TENTA
DERRUBAR DECRETO QUE REGULAMENTA TITULAÇÃO
DE QUILOMBOS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Julho de 2004
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20/07/2004 - Em
Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADIN) proposta perante o Supremo Tribunal Federal
(STF), o partido pede que seja anulado o Decreto
Federal nº 4887/03, o que pode inviabilizar
a garantia do direito à terra às comunidades
quilombolas de todo o país.
Editado após um longo e amplo processo de
discussão que envolveu 13 Ministérios,
a Advocacia Geral da União e o movimento
quilombola, e adotado como o marco jurídico
que sustenta toda a política federal de titulação
de terras de quilombos, o Decreto Federal nº
4887/03 corre agora sério risco de ser anulado.
Alegando a inconstitucionalidade do decreto, o PFL,
no final de junho, ingressou no STF com a ADIN nº
3239, com o objetivo de sustar seus efeitos jurídicos.
Em sua ação, o partido alega que ele
não tem uma base legal que o sustente e questiona
as principais disposições do decreto,
dentre elas o critério para a identificação
de uma comunidade quilombola, o critério
para a delimitação do território
a ser titulado e a necessidade de desapropriação
de terras particulares, de titularidade de não-quilombolas,
que estiverem dentro dos territórios a serem
titulados.
Um dos grandes avanços da nova legislação
é reconhecer que o território a ser
titulado não deve abranger apenas a área
onde estão localizadas as moradias, pois
isso não é suficiente para garantir
uma vida digna às comunidades e desconhece
o tipo de posse praticado por grande parte das comunidades,
denominada de posse agroecológica, que abrange
também as áreas necessárias
à agricultura, pesca, caça e extrativismo.
Segundo o PFL, esse critério é “excessivamente
amplo” e não se pode “qualificar as terras
a serem titularizadas pelo Poder Público
como aquelas em que os remanescentes tiveram sua
reprodução física, social,
econômica e cultural”, pois “a área
cuja propriedade deve ser reconhecida constitui
apenas e tão-somente o território
em que comprovadamente, durante a fase imperial
da história do Brasil, os quilombos se formaram”.
Essa tese, se vencedora, restringirá imensamente
o número de comunidades que teriam garantido
o direito à terra, pois exige que se comprove
a posse da mesma área por mais de um século,
o que é uma grande injustiça, já
que é praticamente impossível comprovar
uma posse tão antiga e, mais, é notório
que grande parte das comunidades tem em sua história
casos de invasão e apropriação
indevida de suas terras, o que fez com que muitas
já tenham sido expulsas de seus territórios
originais, fato este que motivou o constituinte
de 1988 a exigir que seus territórios fossem
titulados, como uma forma de evitar novos abusos.
O mais curioso, entretanto, é a alegação
de que seria inconstitucional a desapropriação
das terras de terceiros incidentes sobre os territórios
quilombolas. Segundo o PFL, as terras onde hoje
se localizam as comunidades seriam, desde a promulgação
da Constituição Federal de 1988, automaticamente
de propriedade das comunidades, sendo desnecessário,
portanto, a desapropriação. Na prática,
o Partido da Frente Liberal, que tem como um de
seus princípios institucionais “perfilhar
o respeito ao direito de propriedade”, está
defendendo que todos os títulos de propriedade
incidentes sobre terras de quilombos são
nulos, ou seja, defende a tese de que a própria
Constituição teria expropriado essas
terras, sem necessidade de indenização
a seus titulares. Essa tese, se confirmada, gerará
inúmeros conflitos no campo, pois dificilmente
os detentores dos títulos aceitarão
sair da terra sem nenhum tipo de indenização,
razão pela qual o próprio movimento
quilombola vem há anos pleiteando que se
indenizasse os proprietários, para que os
conflitos fossem rápida e amistosamente resolvidos.
Se anulado o decreto, a ainda tímida política
federal de reconhecimento e titulação
de terras de quilombos voltará à estaca
zero, depois de quase dois anos de discussões
e preparações. E, pior, toda a mobilização
social que ocorreu em torno dele terá sido
jogada por água abaixo.
A ação está nas mãos
do ministro Cézar Peluso, mas, como foi pedida
medida cautelar, ela deve em breve ir a plenário,
tão logo o STF retorne do recesso.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Raul Silva Telles do Valle)