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NOTA DO
CIMI SOBRE A SITUAÇÃO DA TERRA
INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Maio de 2004
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Desde o início
do governo Lula, os povos da terra indígena
Raposa Serra do Sol aguardam a homologação
da demarcação feita em 1998, determinada
pela Portaria n.º 820, do Ministério
da Justiça.
Seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, para
não contrariar interesses econômicos
e políticos, manteve a decisão em
"banho maria" durante todo seu segundo
mandato mesmo que, por várias vezes, houvesse
sinalizado possíveis datas para assinatura
do decreto de homologação, criando
assim grande expectativa por parte das comunidades
indígenas.
Embora já em 1998 fosse possível o
presidente FHC homologar a demarcação,
a partir de junho de 1999 ele fez uso de decisão
liminar do ministro Aldir Passarinho Júnior,
do Superior Tribunal de Justiça, concedida
em Mandado de Segurança impetrado pelo estado
de Roraima, que suspendeu os efeitos da Portaria
n.º 820/98.
Essa decisão possibilitou, ao então
presidente, a confortável posição
de "não poder homologar, embora houvesse
a vontade de fazer". No final de seu mandato,
em 27 de novembro de 2002, o Superior Tribunal de
Justiça extinguiu o Mandado de Segurança
6.210, mas como era fim de governo, não se
envolveu com o problema empurrando a decisão
para o próximo presidente.
Em janeiro de 2003, Lula assumiu a Presidência
da República sem nenhum obstáculo
à homologação de Raposa Serra
do Sol. Sob a justificativa da governabilidade,
investiu na ampliação das alianças.
Nesse contexto o governador de Roraima, Flamarion
Portela, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores
(PT) e a bancada federal de Roraima na Câmara
dos Deputados e no Senado passou a compor a base
de sustentação do governo Lula. No
mesmo período a Presidência da República
devolveu ao Ministério da Justiça
o processo administrativo de homologação
da terra indígena Raposa Serra do Sol, alegando
ser necessário o reexame pelo Ministério
da Justiça.
Ainda no primeiro semestre de 2003 o ministro da
Justiça, após visitar a terra indígena,
se posicionou favoravelmente à homologação
devolvendo o processo ao presidente da República.
Desde então Lula vinha prometendo homologar,
mas não definia data. Justificava a demora
em razão de estudos necessários para
elaborar um plano de compensação ao
estado de Roraima, como se isso fosse pré-condição
para assinatura de decreto homologatório
de terras indígenas no país.
Chegamos ao ano de 2004 sem que os tais estudos
fossem concluídos e assim a demora em homologar
a demarcação de Raposa Serra do Sol
continuava sendo justificada, mesmo sem qualquer
fundamento jurídico ou operacional.
Em março de 2004, um juiz federal de Roraima
deferiu liminar suspendendo parcialmente os efeitos
da Portaria n.º 820/98. Ao mesmo tempo na Câmara
dos Deputados e no Senado acontecem movimentações
de parlamentares contrários à homologação.
Assim sendo, as duas comissões externas (uma
em cada Casa), constituídas para verificar
"in loco" o processo de homologação
da terra indígena Raposa Serra do Sol, apressaram-se
em apresentar relatórios contra a homologação.
No Palácio do Planalto começou a ser
divulgado um entendimento jurídico de que
o presidente Lula estaria impedido de homologar
a demarcação de Raposa Serra do Sol,
em face de decisão do juiz de Roraima. Mesmo
havendo divergências internas quanto à
interpretação, o governo preferiu
alegar esse impedimento. Manifestando sua "vontade
política" em concretizar a homologação,
o governo comunicou que o faria tão logo
a desembargadora Selene Almeida, do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, decidisse sobre
os agravos de instrumentos interpostos pela União
Federal, Funai, Ministério Público
Federal e comunidades indígenas com o objetivo
de suspender a liminar do juiz federal de Roraima.
No último dia 13, após participar
de uma viagem à terra indígena Raposa
Serra do Sol, promovida pelas Forças Armadas,
declaradamente contrárias à homologação,
a desembargadora, Selene Almeida, extrapolando suas
atribuições processuais, ampliou a
decisão liminar do juiz e decidiu: "(...)
excluir da área indígena Raposa Serra
do Sol, até julgamento final da demanda,
as seguintes áreas: faixa de fronteira, até
que seja convocado o Conselho de Defesa Nacional,
para opinar sobre o efetivo uso das áreas
localizadas na faixa de fronteira com a Guiana e
Venezuela; e a área da unidade de conservação
ambiental Parque Nacional Monte Roraima.(...)"
Enquanto perdurar essa decisão, está
realmente impossibilitada a homologação
da terra indígena Raposa Serra do Sol, pois
toda ela localiza-se dentro da faixa de fronteira
excluída.
Volta-se àquela confortável posição
do antecessor de Lula. Dessa forma, por enquanto,
o governo federal poderá continuar cedendo
às pressões dos invasores da terra
indígena Raposa Serra do Sol e continuará
utilizando a homologação como moeda
de troca para garantir sua base de sustentação
no Congresso Nacional. Tudo isso encontra-se juridicamente
justificado na decisão da desembargadora
Selene de Almeida.
Brasília, 18 de maio de 2004.
Fonte: CIMI – Conselho Indigenista
Missionário (www.cimi.org.br)