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CARATATEUA:
UM PARAÍSO DEVASTADO
Panorama Ambiental
Belém (PA) - Brasil
Janeiro de 2004
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Estamos às vésperas
do quarto século da invasão e posse
da Ilha guajarina de Caratateua (termo indigena que
significa "morada dos Caraíba"),
invasão e assentamento cometidos pelos agentes
político-colonialistas do império lusitano,
que então davam continuidade ao genocídio
da etnia tupi-caraíba, dona imemorial desta
Ilha, da qual era decendente a triboTenoné
hoje extinta.
Era na época uma ilha equatorial paradisíaca,
ornada de praias alvas, formosas, agrestes, bucólicas,
aconchegantes... nos contornos verdes vislumbravam-se
lindas paisagens selváticas de bosque exuberante,
as barrancas altas da terra firme, emolduradas de
vistosas falésias douradas que inspiraram os
invasores imperiais portugueses a apelidá-la
de "Ilha do Outeiro", nome com o qual os
lusos saudosistas, tambem, homenagearam a cidade do
Outeiro, às margens do Rio Tejo, em Portugal.
Início do Século XVII. No panorama ilhéu
de Caratateua homens, mulheres e adolescentes Tenoné
perambulam desnudos, pelos bosques e várzeas,
usando flecha, arpões, zarabatanas, tacapes...
à caça de comida protéica da
fauna dadivosa - o mutum (Crax fasciolata), o veado
(Mazama americana), a anta (Tapirus terrestris), o
caetetu ou porco do mato (Tayassu tajacu)... - e frutos
lipo-vitamínicos da flora pródiga -
o buriti (Mauricia flexuosa), o açaí
(Euterpe oleacea), a abacaba (Oenacopus distichus),
o Patauá (Patana de Jessenia), a castanha do
Brasil (Bertolletia excelsa), o Inajá (Maximiliana
maripa), o Jupati (Raphia vinicera)...
Princípios do Século XXI - Novembro
de 2001 - num barraco da favela Água Boa, em
Caratateua, a veterana grileira Chica Branca organiza
mais um bando de criminosos ambientais para invadir
e derrubar a floresta Tururina, no centro urbano da
Vila do Outeiro, mancomunada com os traficantes de
maconha Perna-Torta e Orli Carniceiro e sua corja
de devastadores da favela da Brasília, os mesmos
que, há poucos meses, invadiram e ocuparam
o oeste da Floresta do Redentor, e há três
anos derrubaram em corte raso a floresta ciliar da
cabeceira do Rio Curuperé, no centro-oeste
da Ilha, tendo sido expulsos do local pela Guarda
Municipal de Belem (GBEL) e o apoio da OnG Campa.
A área de ôlhos-dágua do Curuperé
foi restaurada, com o replantio de árvores,
em mutirões comunitários, e hoje ali
viceja a nova floresta, densa, frondosa e bonita,
numa prova de que a natureza estimulada restaura-se.
Na Sexta-Feira - 02/11/02 - ativistas sócio-ambientais
militantes da Campa, de seu observatório ecológico,
confirmam que a grileira Chica Branca e sua quadrilha
planejam a invasão e derrubada da Floresta
Tururina, para o próximo fim de semana, na
oportunidade do feriadão de Sexta-Feira/09
(Dia da Bandeira) e à perspectiva do recesso
de fim de ano.
08/11 - Quinta-Feira: dito e feito! Chica Branca e
sua Quadrilha são vistos a entrar na Floresta
portando facões e foices. Iniciavam eles a
exploração e a "broca" da
mata a ser vitimada;
09 a 11/11 (Sexta-feira a Domingo) - A quadrilha da
Grileira Chica Branca dá início à
derrubada da mata. Angustiado, o Executivo da Campa
telefona e pede socorro ao diretor técnico
da Funverde (autarquia ambiental da Prefeitura de
Belem) - engº Imbiriba - e ao presidente da mesma
autarquia - professor Fernando Maia - os quais, mesmo
sendo dia de domingo, mobilizam-se e enviam ao local
uma patrulha ecológica fiscal, que interpela
os devastadores, mas sem autuá-los, apenas,
admoestando-os sobre o grave crime e solicitando que
desistam da ação delituosa. Os bandidos
simulam um recuo e, ao retirar-se a patrulha oficial,
eles voltam a derrubar a floresta num gesto flagrante
de pura traição e covardia! Chica Branca,
então, aciona seu poderoso amigo e correligionário
político, deputado Santareno Ganso (que é
tambem vice-prefeito de Belem) e este contacta seus
colaboradores deputado Zebelem e o assessor Almitrin,
os quais se dirigem ao local do crime para socorrer
e dar proteção e apoio à grileira
Chica Branca que é cabo eleitoral da dupla
Santareno-Zebelem.
12 a 28/11 - A Ong Campa procura as autoridades da
Agência Regional do Outeiro (Arout) - o sub-prefeito
Manximpo e sua assessora advogada Linda Klehy - que
se dirigem ao teatro do crime e procuram dialogar
com Chica e seus asseclas. A bandidagem mostra-se
arrogante e feroz, e ameaça Manximpo e Klehy
de agressão, brandindo facões em punho,
ostensivamente. O Sub-Prefeito e a Advogada, intimidados,
recuam e iniciam uma ação emergencial
integrada para dissuadir os criminosos. Enviam ofício
de denúncia (20/11) ao Ministério Público
do Fórum de Icoaracy e telefonam a diversas
autoridades municipais e estaduais competentes, revelando-lhes
o crime e pedindo providências. Comunicam-se
tambem com os Comandos militares da ZEPOL (Zona de
Polícia Local) e das especializadas BPA (Batalhão
de Polícia Ambiental - antiga CIPOMA) e DEMA
(Delegacia de Meio Ambiente) que se mostram preocupados
e se fazem presentes no palco mas, depois, revelam-se
impotentes diante da presença ostensiva e constante
de políticos influentes apoiando os invasores.
Sintomaticamente, o Ministério Público
de Icoaracy omite-se, de maneira estranha, deixando
o crime hediondo correr frouxo.
A proprietária das terras de Tururina - Construtora
Freire Mello S.A. - é contactada pela Parceria
Arout-Campa e, num gesto elogiável de desprendimento
e espírito comunitário, o empresário
da Freire Mello declara que, de forma condicional,
abre mãos do direito de propriedade sobre as
terras de Tururina, desde que a Prefeitura e a Sociedade
Civil desenvolvam um projeto de manejo ambiental adequado
para a área.
A Campa constata a presença diária e
persistente do deputado Zebelem e seu assessor Almitrin
no teatro do crime, onde os bandidos permanecem ativos,
em ação e vigília diuturnas.
E a grileira Chica Branca brada, exultante e bufona,
gabando-se de que é "protegida do vice-prefeito
Santareno Ganso" e que "ninguem vem no meu
gogó", bafos e presenças que intimidam
e induzem à omissão as autoridades nas
ações necessárias.
29/11 - Quinta-Feira: a Arout promove uma reunião
de emergência para a qual Convidara antes, por
Ofício circular, todas as OnG ambientalistas
da Ilha e as autoridades competentes do Município
e do Estado, incluíndo o Ministério
Público, mas quase ninguem comparece ao Gabinete
do Sub-Prefeito. Das 50 organizações
convidadas, apenas 5 comparecem - Funverde, Zpol/Cefap,
Gbel (Guarda Municipal), Freire Mello e Campa.
De maneira ridícula e imbecil, compareceu o
assessor do deputado Zebelem, sr. Almitrin, garboso
e falador, à frente de uma insólita
e numerosa passeata de membros da quadrilha de Chica
Branca. Adentrando-se à reunião, escoltado
por três invasores, Almitrin proferiu um discurso
impertinente e grotesco, intitulando-se "representante
dos invasores de Tururina". Com o quorum das
autoridades presentes, apesar da ausência quase
total das OnG ambientalistas locais e a presença
massiva dos devastadores, em Ata assinada, inclusive
pelos três membros da quadrilha presentes (Almitrin
negou-se a assinar a Ata e a lista de presenças),
foram aprovadas como decisões coletivas do
Encontro, dentre outras propostas discutidas pela
Plenária: 1) Explicações, advertência
e tomada de ciência pelos invasores sobre o
grave crime ambiental que estão cometendo;
2) compromisso expresso dos invasores, ora representados,
para que, de imediato, abandonem a derrubada de árvores
na Floresta do Tururina; 3) Ciência dos invasores
e da Construtora Freire Mello S.A. de que a Floresta
Tururina, segundo a legislação ambiental
vigente, é zona especial de preservação
Tipo I, não podendo, por isso, ser objeto de
corte de árvores nem assentamentos ou urbanização;
4) acordo expresso, dos presentes, para que, doravante,
se unam, em ação conjuinta, sob a coordenação
da Arout, Funverde e da Sociedade Civil organizada
local, para o início de um processo emergencial
de restauração da área degradada
do Tururina, com mutirões de replantiu da floresta;
5) intenções expressas de articulação
e estudos de manejo fito-científico-tecnológico
e aproveitamento espacial da Floresta Tururina, segundo
poposta verbal esboçada e apresentada, na mesma
reunião (pela OnG Campa), para um projeto integrado
de Estação Ecológica Experimental
- plano-piloto como macro-laboratório de pesquisas
e ensaios, no sentido da restauração
de mananciais e florestas degradadas nas Ilhas do
Outeiro, em cooperação com entidades
especializadas da área das ciências do
ambiente.
Alguns dias depois, malgrado o compromisso verbal
tacitamente assumido por Almitrin e, de forma coletiva
e expressa, pelos três invasores presentes à
reunião promovida pela Arout, a quadrilha de
Chica Branca, após uma semana do Evento, voltou
ao teatro do crime e continuou a derrubada da Floresta
Tururina, desta vez, construindo barracos de madeira
na área devastada.
20/02/02 - Segunda-Feira - Graças às
diligências da OnG Campa, em cooperação
com a Arout e a Construtora Freire Mello S.A., esta
então passou a agir com energia, usando uma
empresa de segurança particular, a qual expulsou
a quadrilha e destruiu os seus barracos erguidos no
local, assumindo o controle da Floresta degradada
onde seguranças armados passam a dar guarda
diuturna ao bloqueio. A Freire Mello constroi um muro
de arame farpado com estacas de concreto na parte
frontal da Floresta, paralela à avenida Conceição,
à espera dos procedimentos avençados
na Plenária do Encontro de 29/11/2001.
Tururina é um exemplo a mais das centenas de
áreas ambientais devastadas nas últimas
três décadas, nesta ex-paradisíaca
ilha equatorial de Caratateua, agora, com 97 por cento
de suas florestas primitivas derrubadas e 100 por
cento da sua original fauna silvestre dizimada. Hoje,
transformada num favelão de miséria
e de rios aterrados, onde cerca de 50 mil moradores
carentes e miseráveis, sem infra-estrutura
urbana e sem saneamento básico, vivem abaixo
da linha da pobreza. Malgrado todas estas desgraças,
Caratateua ainda guarda alguns traços originais,
e determinados ecossistemas sobreviventes em sua estrutura
ambiental, como nichos ecológicos semi-degradados
e possíveis de restauração, incluindo
praias, paisagens de orla, as falésias de até
10 metros de altura, superpostas a belas e bucólicas
praias ainda isoladas e agrestes e alguns retalhos
remanescentes de floresta equatorial úmida
nas bandas sudoeste e sudeste (Florestas do Redentor
[100 hectares] e Faixa Verde [80 hectares]) e no hemisfério
oriental da Ilha (Florestas do Fama-Tucumãeira
[que somam cerca de 500 hectares]).
Fonte: Rednotic (ONG Campa)
Paulo Lucena |