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INTERESSE ECONÔMICO
BLOQUEOU INFORMAÇÕES SOBRE
BARRA GRANDE, DIZ MIRIAM PROCHNOW
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Fevereiro de 2005
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24/02/2005 Em entrevista
concedida ao ISA, a coordenadora geral da Rede de
ONGs da Mata Atlântica (RMA) responde a nota
da revista ISTO É Dinheiro, considera que
alguns setores da imprensa são tendenciosos
na cobertura ambiental e fala até sobre ameaças
de morte que já sofreu.
A história da usina hidrelétrica de
Barra Grande revela uma das maiores fraudes ambientais
já ocorridas no Brasil. Localizada entre
os municípios de Anita Garibaldi (SC) e Pinhal
da Serra (RS), praticamente já finalizada,
a obra foi feita com base em um Estudo de Impacto
Ambiental (Eia-Rima) falseado, que omitiu a existência
de mais de 2 mil hectares de floresta primária
de araucárias, espécie ameaçada
de extinção e protegida pela Lei.
Os responsáveis pela obra e o próprio
governo admitem a fraude. O caso ainda está
na Justiça, mas, pelo andar da carruagem,
será jogado na vala comum da “lei do fato
consumado“.
Apesar disso, os poderosos interesses econômicos
por trás da usina não parecem satisfeitos.
Em sua edição nº 389, desta semana,
a revista ISTO É Dinheiro publicou uma pequena
nota que pretende denegrir a imagem de Miriam Prochnow,
coordenadora geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica
(RMA) e presidente da Associação de
Preservação do Meio Ambiente do Vale
do Rio Itajaí (Apremavi), de Santa Catarina.
As duas entidades destacaram-se na luta contra a
obra. O texto apresenta informações
incorretas, expressões ofensivas e erros
grosseiros. A nota chama Miriam de “gerrilheira”
e afirma que ela atuaria de “arma em punho”. A matéria
gerou reações de várias pessoas
que fizeram comentários à versão
on line da ISTO É Dinheiro, criticando o
texto. A RMA também está divulgando
uma carta de repúdio.
“Parece ser uma matéria encomendada por algum
setor que não vê com bons olhos o fato
de estarmos questionando as hidrelétricas”,
responde Miriam, que atua no movimento ambientalista
há mais de 20 anos e é uma das militantes
mais respeitadas no País. Nesta entrevista
concedida à reportagem do ISA, em Brasília,
ela fala do “bloqueio” realizado pela imprensa sobre
o caso Barra Grande e dos problemas da cobertura
sobre meio ambiente em geral.
Míriam: "Já
fui ameaçada de morte várias vezes.
Isso foi por causa de brigas contra madeireiros".
ISA - Qual a sua
opinião sobre a nota da ISTO É Dinheiro?
Míriam - Ela até poderia ter sido
interessante se não apresentasse questões
que não são verdadeiras e se não
usasse expressões pejorativas, de sentido
bélico, termos como “domar a guerrilheira”,
que são extremamente agressivos e insuflam
algumas atitudes. Enfim, aquilo que não é
admitido mais, hoje, na imprensa. O texto traz inverdades
e omite informações sobre o caso Barra
Grande. Além disso, minimiza a luta dos ambientalistas,
inclusive a atuação do próprio
Ministério do Meio Ambiente (MMA), quando
atribui a uma única pessoa o poder de fazer
tantas coisas.
Para você,
qual foi a motivação do texto?
Parece ser uma matéria encomendada por algum
setor que não vê com bons olhos o fato
de estarmos questionando as hidrelétricas,
não apenas Barra Grande. Temos várias
hidrelétricas planejadas para a Bacia do
Rio Uruguai, muitas delas aguardam o licenciamento
do Ibama. Então, é uma maneira de
pressionar para que esses outros projetos saiam
o quanto antes.
Existem muitas informações
incorretas na nota?
Essa história de eu travar os principais
projetos nacionais de infra-estrutura é completamente
descabido. Dizer que eu criei o Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB), um movimento histórico,
também não é verdade. A RMA
tem sim, articulações com o MAB, mas
nunca fiz parte dele. Também não é
verdade que o MAB propôs a Ação
Civil Pública contra a usina. Quem propôs
foi a RMA e a Federação de Entidades
Ecologistas Catarinenses (FEEC). O uso de alguns
termos também é inadequado. Por exemplo,
quando falam do “córrego” que foi represado
em Barra Grande. Ele não é um “córrego”,
mas um rio que chega a ter centenas de metros de
largura e que deságua no Rio Uruguai, um
dos principais do País. Isto minimiza por
completo a importância ambiental da região.
O lado positivo da nota é que ela informa
que a empresa responsável pela obra, em nenhum
momento, contesta o nosso argumento.
Você foi ouvida
pela reportagem da ISTO É Dinheiro?
Passei duas horas explicando cada item do caso ao
jornalista, mas, na minha avaliação,
a reportagem já estava escrita antes. Eu
acho que nenhum repórter que passa tanto
tempo recebendo informações escreveria
uma coisa assim.
Que avaliação
geral você faz da cobertura da grande imprensa
sobre o meio ambiente e os ambientalistas?
Eu sou uma grande defensora da imprensa. Sempre
achei que a imprensa tem um papel fundamental no
nosso País. Acho que depende muito da questão
que está em jogo. A cobertura para o tema
do meio ambiente em geral aumentou muito. O tema
circula diariamente, na maioria dos jornais. Isso
é reflexo da sociedade que exige. Mas normalmente,
quando o tema é mais polêmico, é
muito difícil você conseguir colocar
os dados como eles precisariam ser apresentados.
Aí varia muito de veículo para veículo,
de jornalista para jornalista.
No caso de Barra Grande, tivemos um grande bloqueio
para circular as informações do ponto
de vista das ONGs nos grandes jornais. Isso aconteceu
em virtude de interesses econômicos. Não
tivemos acesso aos grandes jornais nem aos jornais
locais. Tivemos apoio de sítios da Internet
como de O ECO, dos órgãos das ONGs
e até da BBC. Talvez agora, depois desta
matéria polêmica, consigamos abertura
dos grandes jornais.
Criaram um termo que circula bastante em alguns
jornais, que é o “ecochato”. Existe preconceito
na sociedade ou na imprensa contra a figura do ambientalista?
É um termo preconceituoso. É uma palavra
usada por pessoas que ignoram o que um ambientalista,
de fato, faz, qual é o seu trabalho. É
muito simples você chamar alguém de
“ecochato” quando você nem quer discutir as
questões. Isso foi criado até para
evitar se conversar. Existem entidades ambientalistas
que trabalham de diferentes maneiras, com preservação,
com denúncias, com educação.
Existe uma diversidade muito grande.
Não acho que exista um preconceito na sociedade,
de forma geral. Os ambientalistas, cada vez mais,
têm o seu trabalho reconhecido. A Apremavi,
por exemplo, desenvolve trabalhos com pessoas comuns
e é muito bem vista pela comunidade. A instituição
já recebeu prêmios da Fundação
Kanitz, ligada ao setor empresarial. Existe preconceito
apenas de alguns setores da imprensa, mas não
é uma coisa generalizada.
Você já
passou por problemas semelhantes?
Em relação à imprensa não...
Que outros problemas,
então?
Existem pessoas avaliando que, quando a nota diz
que a “gerrilheira precisa ser domada”, há
uma provocação no sentido da violência,
num momento em que temos notícias de assassinatos
no Pará, por exemplo. Agora mesmo, soubemos
do assassinato de um ambientalista no Rio de Janeiro.
Já fui ameaçada de morte várias
vezes. Tive meu trabalho ameaçado. Isso foi
por causa de brigas contra madeireiros, briga de
ambientalistas da Mata Atlântica. A Apremavi
era vizinha de uma Terra Indígena em Santa
Catarina. Saíam, por dia, 350 caminhões
carregados de madeira. Então, o movimento
dos madeireiros era muito forte. Uma situação
parecida com o que acontece na Amazônia.
Parece que ser ambientalista
virou uma profissão de risco...
Em algumas circunstâncias, é sim. E
acho, inclusive, que as pessoas precisam se precaver,
não querer bancar o herói. Numa situação
de ameaça, é preciso se resguardar.
Todas as ameaças de morte devem ser encaradas
seriamente.
A nota da revista
reflete esse clima?
Acho que o tom é agressivo, ofensivo. O que
quer dizer “domar a guerrilheira”? Ou quando diz
que eu vou “de arma em punho”. Eu nunca usei uma
arma na minha vida! São coisas que não
se escreve, muito menos se publica.
Como você e
a RMA têm atuado?
A RMA foi criada em 1992 e sempre lutou pela preservação
dos últimos remanescentes de Mata Atlântica.
Uma grande vitória para nós foi que
conseguimos aprovar, depois de 12 anos, o Projeto
de Lei (PL) da Mata Atlântica na Câmara
dos Deputados. Isso será importante para
termos uma lei específica para o bioma. Ainda
não conseguimos aprovar no Senado. As ONGs
da rede tem lutas locais e também trabalhos
na recuperação de áreas, no
cumprimento da legislação, de denúncias
de desmatamento. Essas são as grandes lutas
da rede. Também iniciaremos uma atuação
intensa no caso da transposição do
Rio São Francisco. Temos várias organizações
filiadas que estão baseadas na região
do rio.
Carta de Repúdio
e Convocação Pública
Por Conselho de Coordenação
Nacional da RMA
A R.M.A (Rede de
Organizações Não Governamentais
da Mata Atlântica) entidade de direito privado
sem fins lucrativos, através de sua Coordenação
Nacional, vem a público declarar sua consternação
e repúdio ao conteúdo da matéria
"A guerrilheira verde", publicada pela
Revista ISTOÉDINHEIRO, Edição
389, que chegou as bancas dia 20 de Fevereiro de
2005 e a qual está disponível no site
da revista http://www.terra.com.br/istoedinheiro/389/economia/guerrilheira_verde.htm.
O referido texto
aponta a renomada ambientalista Miriam Prochnow
- membro fundadora da APREMAVI - Associação
de Preservação do Meio-Ambiente do
Alto Vale do Itajaí, que foi fundada em 1987,
na cidade de Ibirama- SC e Coordenadora Geral da
RMA- como sendo "Guerrilheira", "criadora
de casos", que "conseguiu travar os principais
projetos de infra-estrutura do país"
e que "de arma em punho" estaria a colher
subsídios "para infernizar" construtoras.
Como não bastasse a estranhíssima
abordagem ainda sentencia que "o projeto de
R$ 1,28 bilhão, criaria 1,2 mil empregos"
e que o projeto da Hidrelétrica de Barra
Grande, na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande
do Sul, ficará parado como "um grande
elefante branco", pelo menos "até
o governo decidir agir para domar a guerrilheira
verde". Este texto personaliza e apresenta
de forma totalmente indevida, a luta ambiental e
social levada adiante, diariamente, por milhares
de pessoas em todo os país; por inúmeras
ONG´s bem como por uma crescente proteção
dos princípios constitucionais da dignidade
da pessoa humana; do meio ambiente sadio e da justiça
social.
O texto deste artigo promove um inadmissível
ataque à pessoa da Sra. Miriam Prochnow,
a seu marido, a RMA, ao MAB (Movimento dos Atingidos
por Barragens), ao MMA, ao Judiciário e a
toda sociedade civil que é contrária
a prática desenvolvimentista irresponsável,
inconseqüente, mentirosa e degradante. Apesar
do texto admitir que o próprio responsável
pela obra - o consórcio BAESA (formado por
Camargo Corrêa, Votorantim, Bradesco, Alcoa
e CPFL) - "não contesta os argumentos
de Prochnow", ainda sim esta reportagem belicosa
propõe cerceamentos a liberdade de expressão,
associação e tutela judiciária
ao dizer que isso continuará "pelo menos
até o governo decidir agir para domar a guerrilheira
verde". Domar?
Nesta semana na qual o Brasil e o Mundo estão
consternados e revoltados com a violência
que atinge vários de nossos líderes
sociais, essa reportagem irresponsável propõe
que a Sra. Miriam - sem aspas - é guerrilheira,
que atua de arma em punho e que deve ser domada
pelo governo. Claramente o texto propõe um
confronto violento contra essa ambientalista que
não atua sozinha: Ela atua junto com centenas
de outros líderes sócio-ambientais;
atua junto com centenas de ONG´s de todo o
Brasil. Somente a R.M.A (Rede Mata Atlântica)
é composta pela união de 257 ONG´s
brasileiras. E essa reportagem, ao indicar uma única
pessoa, natural, como sendo a responsável
por tudo, criticando-a de modo a promovê-la
como algoz, está intencionalmente fomentando
- e pedindo - atos de violência contra ela.
Propomos ao Conselho Editorial dessa revista, que
pretende ser respeitada pelo setor produtivo idôneo,
a rever seus critérios e envergonhar-se de
ter tido suas páginas à serviço
de um discurso autoritário, virulento, imparcial,
superficial, panfletário e acintoso.
Conclamamos todos os que desejam Solidariedade e
Paz, em um mundo que pratique o Desenvolvimento
Sustentável, a manifestarem seu repúdio
a mais este ataque feito contra quem, sempre obediente
a Lei, se dedica a questionar atos lesivos ao meio
ambiente e a dignidade humana.
Manifestem-se através de e-mails para a redação,
divulgando esse repúdio, acessando e fazendo
comentários no link na página da revista.
Manifestem-se solidariamente, pois Isto NÃO
é dinheiro; Isto É Decência
e Isto é Compromisso com as futuras Gerações.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Oswaldo Braga de Souza