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ANTROPÓLOGOS AJUDAM
GOVERNO A PLANEJAR SOLUÇÕES
PARA OS GUARANI E KAIOWÁ DE MS
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Março de 2005
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11/03/2005 Os antropólogos
Rubem Thomaz de Almeida e Fábio Mura estão
entre os maiores conhecedores no Brasil da cultura,
da realidade e dos problemas enfrentados pelas comunidades
Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul. Esta
semana, a convite da Fundação Nacional
do Índio (Funai), eles estiveram na capital
federal para atuar como consultores dos diversos
órgãos de governo que mantêm
projetos junto a esses índios.
A repercussão na imprensa das recentes mortes
de crianças kaiowá por desnutrição
em Dourados (MS) levou o governo federal a intensificar
suas ações na região. Há
dois anos, Almeida e Mura já estão
envolvidos num processo sistemático de levantamento
das áreas originais de ocupação
guarani e kaiowá no sul de MS, promovido
pela Funai. Agora, auxiliam com sua experiência
outros órgãos do governo, mas lembram
que o problema fundamental a ser atacado é
mesmo a falta de terras para os índios.
Almeida trabalha com os Guarani e Kaiowá
desde os anos 70, quando, inspirado em projetos
paraguaios de desenvolvimento local para comunidades
indígenas, surgiu o PKN, Projeto Kaiowá
Nhandeva, uma organização não-governamental
que dava apoio a projetos de agricultura desses
índios. Foi a partir das reuniões
do PKN que as lideranças guarani e kaiowá
passaram a se articular para a reação
à perda de suas terras, que vinha se intensificando
desde os anos 60, com a instalação
da agricultura extensiva no sul de Mato Grosso do
Sul.
Mura é italiano e também trabalha
com os Guarani e Kaiowá desde 1991, em parceria
com Almeida em diversos projetos. Os dois antropólogos
são formados pelo Museu Nacional, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, ambos também
são professores na Universidade Estadual
de Mato Grosso do Sul.
Leia a seguir a íntegra
da entrevista, concedida nos estúdios da
Rádio Nacional da Amazônia, em Brasília.
Agência Brasil
- A mídia brasileira tem ecoado várias
hipóteses sobre a origem do problema da desnutrição
indígena em MS. Algumas chegam a aventar
uma suposta "tradição cultural"
dos guarani de descuidar-se das crianças,
comer antes dos filhos, já que as cestas
básicas do Fome Zero são levadas para
lá desde 2003... O que está por trás
dessa desnutrição, dessas mortes?
Rubem Thomaz de Almeida - Isso é bastante
importante: dizer que os pais se alimentam antes
dos filhos é totalmente desprovido de sentido.
Para os Guarani, qualquer povo indígena,
qualquer povo no mundo, a prioridade que se dá
às crianças, aos filhotes, é
muito importante.
O que está por trás dessa história
da desnutrição é uma coisa
histórica, é um fenômeno que
está ocorrendo nos últimos 100 anos
ou até mais, de espoliação
da terra dos índios – enquanto os índios,
por sua vez, tentam, num esforço bastante
organizado, recuperar essas terras.
O que me parece mais importante de se levar em conta
é a ausência de terra, porque é
na terra que a gente pode plantar, e os guaranis
são agricultores tradicionais, gostam muito
da terra. Na medida em que eles não têm
terra onde plantar, que a terra é retirada
da mão deles por parte dos brancos, a colonização
toma conta do estado, fica muito difícil
para eles produzir seus alimentos, e as cestas básicas
não estão dando conta do problema.
Agência Brasil
- Como aconteceu essa perda de terras, essa expulsão
dos Guarani da sua terra tradicional?
Fábio Mura - Podemos fazer uma retrospectiva.
Atualmente, temos 35 mil guaranis, entre Kaiowá
e Nhandeva, no Cone Sul do estado do Mato Grosso
do Sul. Esses 35 mil têm uma posse, neste
momento, de aproximadamente, somados todos os pedacinhos,
40 mil hectares.
Se consideramos que o Cone Sul de MS era todo território
tradicional deles, com uma superfície de
aproximadamente 3 milhões e meio de hectares,
podemos perceber claramente a desproporção.
Houve um processo lento de expulsão dessa
população, e progressivamente esses
índios foram sendo conduzidos para dentro
de reservas.
O governo, por meio do órgão indigenista
da época, que era o Serviço de Proteção
do Índio (SPI), instituiu oito reservas na
região entre 1915 e 1928. Só que,
até a década de 70, existia muita
floresta ainda. Os índios continuavam sem
querer se assentar, mantendo o modo tradicional
de ocupar o espaço.
Depois dos anos 70 é que nós temos
um inchaço dessas reservas, justamente porque
se desmata tudo na região, se destrói
a situação local, criando outra extremamente
negativa. As famílias que antes viviam pelas
florestas se vêem obrigadas a ir para dentro
dessas reservas demarcadas pelo SPI.
Isso criou situações como as que vemos
agora: famílias inimigas colocadas sem critérios
dentro das reservas, resultanto em situações
hierárquicas, exclusão social etc.
Um dos seus efeitos é o que estamos vendo
ultimamente, a desnutrição das crianças.
Agência Brasil
- Apesar de todas essas mortes, a população
indígena tem crescido no país e mesmo
lá na região, não?
Rubem Thomaz de Almeida - Sem dúvida, não
só crescido, como tem uma organização
social, política, econômica, absolutamente
especifica. Quanto mais próximos do branco,
mais eles querem mostrar que são diferenciados,
insistem nisso. De fato, imaginava-se nesses últimos
100 anos, que os índios iam desaparecer,
então toda política, todo tratamento
dado aos índios foi como se eles fossem desaparecer.
Isso, absolutamente, não é verdadeiro,
muito pelo contrário.
Esses índios têm aí pelo menos
3 mil anos, e eu tenho absoluta segurança
de que vão continuar mais 3 mil anos como
Guarani Kaiowá, Guarani Nhandeva, e vão
manter a sua identidade étnica. Há
um esforço notável deles de manter
a identidade étnica, isto é, manter-se
como índios, apesar dos pesares, apesar do
que acontece com eles.
Agência Brasil
- Como está a organização dos
Guarani e Kaiowá? Tem avançado, como
em outras partes do Brasil?
Fábio Mura - Não só avançou
como está cada vez mais, digamos, volumosa.
Tem uma especificidade sobre os Guarani, eles têm
uma organização que não é
centralizada, não há alguém
na frente das estratégias. Cada comunidade
local se organiza politicamente, a luta desse povo
não é simplesmente uma luta política,
é uma luta político-religiosa para
recuperar a terra.
Não se trata de recuperar simplesmente um
espaço onde se podem desenvolver atividades
econômicas. Para eles, recuperar a terra significa
poder manter o equilíbrio no mundo. Não
só o mundo para eles, o mundo para nós
também.
Há convergências entre as várias
comunidades, que criam todo um fermento. Está
muito enganado quem pensa que tem alguém
manipulando, tem alguém que está induzindo,
tem algum índio espertalhão que consegue
a terra para depois poder negociar com o fazendeiro,
isso é absolutamente desprovido de sentido.
Todas essas comunidades que estão em luta
são guiadas por xamãs, pessoas de
grande respeito, isso tem que ser levado em conta.
Agência Brasil
- De onde surge essa mobilização?
Rubem Thomaz de Almeida - Trata-se de um movimento
político, uma tentativa de que o Estado os
reconheça como população indígena,
trata-se de algo absolutamente legítimo.
A gente ouve lá na região que eles
estão seguindo o MST (Movimento dos Sem Terra),
como se o movimento deles fosse instigado.
Absolutamente não: é algo realmente
legítimo e me parece que tem dado conta do
problema. Eles têm conseguido grandes avanços
e, nos últimos 30 anos pelo menos, mais de
20 áreas foram conquistadas, apesar de não
estarem regularizadas. Isso mostra como eles são
organizados, como eles pensam, como eles conseguem,
portanto, avançar na sua tentativa de recuperação
de terras que foram perdidas para as fazendas.
Fonte: Agência Brasil - Radiobras
(www.radiobras.gov.br)
Thaís Brianezi e Spensy Pimentel