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CONFERÊNCIA PODE
RESULTAR EM NOVA POLÍTICA INDIGENISTA
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Março de 2005
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28/03/2005 O Coordenador
de Defesa dos Direitos Indígenas da Funai
(CGDDI), Vilmar Guarany*, responsável pela
comissão que está organizando todas
15 as conferências regionais, que culminarão
em abril de 2006 com a Conferência Nacional
dos Povos Indígenas Brasileiros, deu uma
entrevista para o site da Funai.
Funai: O que podem
significar as conferências regionais para
os povos indígenas? Podemos dizer que elas,
junto com a Conferência Nacional, prevista
para abril de 2006, representarão um marco
da presença indígena na proposta de
uma nova política indigenista brasileira?
Vilmar Guarany: No meu entendimento sim. Porque
fora o direito garantido na Constituição
Brasileira de 1988, o Estatuto do Índio,
que desde 1991 tramita no Congresso Nacional e a
vigência da Convenção da OIT
nº 169 no Brasil, é necessária
uma readequação da política
indigenista. Dessas três citações,
somente na Constituição de 88 houve
uma participação de lideranças
indígenas, junto com Ongs amigas e gente
do governo trabalhando para que saíssem aqueles
artigos, que garantem bem os direitos indígenas.
Em instrumentos anteriores não havia sequer
a presença indígena para se discutir
nada sobre política indigenista ou assuntos
de interesse dos índios. Era sempre gente
de fora pensando pelo índio: sobre educação,
saúde, meio-ambiente, direitos políticos,
tudo. Só não havia a presença
do próprio índio.
Funai: O que se espera
das conferências regionais?
Vilmar Guarany: Espera-se que saia uma resposta
concreta sobre o que o índio quer para o
índio. A própria Convenção
169 afirma que quando se tratar de povos indígenas,
eles devem ser devidamente consultados. E é
isso que a Funai está proporcionando agora
nas conferências regionais. Somos um país
signatário da Convenção e estamos
cumprindo a sua determinação. A consulta
aos povos indígenas vem num momento mais
do que oportuno e necessário. Começamos
a ouvir as bases, a própria comunidade, as
organizações indígenas, os
índios que estão envolvidos com a
saúde, com a educação, com
as questões da terra, etc.
Funai: Esta é
a primeira iniciativa da Funai de ouvir diretamente
os índios?
Vilmar Guarany: Na prática, a Funai já
ouve os indígenas. Em quase todas as regiões,
quando o chefe do posto leva uma demanda da comunidade,
ele já dialogou com os índios para
saber o que eles necessitam. Ele já ouve
a comunidade e está ali para ouvir. Mas isso
de forma localizada. Mas como encontro regional,
a Funai nunca ouviu com a dimensão e abrangência
que estamos fazendo agora, na totalidade de todos
os assuntos. A primeira foi em Maceió, em
dezembro passado, e agora estamos realizando esta,
em Mato Grosso do Sul. É a oportunidade concreta
de sentar, pensar, avaliar a atualidade das comunidades
e propor para o Estado brasileiro uma política
indigenista, que venha dos próprios povos
indígenas. É um documento oficial
dos índios do Brasil, que as autoridades
deverão refletir e levar em consideração.
Isso é atender o anseio dos índios
de participar da política indigenista. Ninguém
melhor do que os próprios povos para conhecer
a realidade econômica, política, social,
de segurança que necessitam para viver no
contexto atual do País.
Funai: Então,
as conferências regionais e a nacional serão
uma forma de fortalecimento dos povos indígenas
brasileiros? Esse fortalecimento é também
uma busca dos índios?
Vilmar Guarany: Na verdade, há muito tempo,
os povos indígenas brasileiros têm
lutado para que um dia eles venham a ter um parlamento
indígena, como já existe em outros
países. Isso já se discutiu aqui no
Brasil também. Mas, não tendo o parlamento
indígena, pelo menos ter um momento em que
todos os povos indígenas possam debater,
avaliar suas questões e conversar com as
autoridades, não digo somente do Ministério
da Justiça, mas com todos os órgãos
que têm alguma ação voltada
para os índios. Isso é muito importante.
Os índios sabem disso. Eu acredito que é
uma questão de fortalecimento sim. Mesmo
eles sendo tão diferentes, de regiões
tão distintas, com suas especificidades e
culturas tão diferenciadas, mas que há
algo comum. A interlocução entre esses
povos é valiosa. É também uma
confraternização entre todos eles.
Funai: Como é
a organização da conferência?
Vilmar Guarany: Nós temos um regimento apresentado
pelo presidente da Funai, Mércio Gomes Pereira,
que está sendo analisado, lido, pensado e
aprovado ou até modificado, como foi em Maceió.
A Funai formulou seis eixos temáticos como
sugestão. Mas não quer dizer que sejam
esses seis temas em todas as conferências
regionais. Por isso, a conferência regional
começa com a aprovação ou modificação
do regimento. Como órgão oficial indigenista
escolhemos os temas que realmente têm relação
com a realidade indígena. Mas temos questões
muito específicas como a exploração
de recursos minerais, de madeireiros, que não
fazem parte da realidade dos índios do nordeste
ou do sudeste. Já o preconceito e a discriminação
contra os indígenas podem estar presentes
em todos os debates.
Funai: Poderá
se abrir uma porta para que o Governo Federal se
relacione melhor com os índios e tenha propostas
mais adequadas para eles?
Vilmar Guarany: Com certeza. Porque veja bem., não
é uma política única para todos
os povos indígenas. Nós temos povos
indígenas sem qualquer contato com a sociedade
nacional ainda. Temos indígenas com contatos
regulares, outros esparsos e outros em permanente
contato, o que não faz com que esses últimos
deixem de ser índios. Temos que pensar nisso
tudo para que na Conferência Nacional saia
um documento contemplando toda essa riqueza e diversidade.
Funai: No caso do
Mato Grosso do Sul, qual a importância da
realização dessa regional nesse momento?
Vilmar Guarany: A questão dos índios
do Mato Grosso do Sul está na pauta da mídia
nacional e internacional nesse momento. Muitas pessoas
até sugeriram deixar a regional de MS para
uma outra ocasião mas, discutindo com as
próprias administrações da
Funai e conversando com representantes indígenas,
concluímos que o é importante e pode
ser proveitoso, tanto para os indígenas quanto
para a Funai.
Analisamos que nesse momento em que se questiona
a saúde, educação, segurança
indígena, o alto índice de violência
e discriminação, o alcoolismo, a suscetibilidade
de ser uma área de fronteira, as audiências
públicas no MS, a conferência é
oportuna. Quem sabe poderá sair uma boa proposta
para o Mato Grosso do Sul? Pelo menos, as pessoas
que estão apoiando a conferência têm
mostrado que a sociedade do MS está aberta
para encontrar soluções adequadas
e conjuntas. Os povos indígenas são
parte do estado brasileiro. São 60 mil índios
no Mato Groso do Sul. São eleitores. São
pessoas que conseguem eleger deputados, vereadores.
Eles podem contribuir. É a segunda maior
população indígena do Brasil.
O Estado sabe disso. É um momento importante
não só para os índios do Mato
Grosso do Sul, mas para todos. É importante
para o Brasil.
Funai: Para a Funai,
o que representa as conferências? As conferências
são da Funai?
Vilmar Guarany: O órgão indigenista
não quer que se confunda como uma conferência
da Funai. Ela é conferência dos povos
indígenas. Nós da Funai estamos dando
condições e suporte necessário
para que os povos indígenas se expressem
e sejam ouvidos com representatividade. O direito
a voto, à fala é do índio.
A Funai está apoiando para que os indígenas
tenham esse momento especial de reflexão
e encaminhamento de suas propostas.
Funai: A Conferência
nacional será onde?
Vilmar Guarany: Estamos trabalhando para realizá-la
em abril do ano que vem, aqui em Brasília.
*Vilmar Guarany é
indígena, Guarany M’bya, do Rio Grande do
Sul e também advogado.
Fonte: Funai – Fundação
Nacional do Índio (www.funai.gov.br)
Assessoria de imprensa