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MPF QUER IMPEDIR QUE ‘MAIOR
GRILAGEM DA HISTÓRIA’ SEJA INDENIZADA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Abril de 2005
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20/04/2005 Com a
criação da Reserva Extrativista Riozinho
do Anfrísio em novembro passado, no Pará,
a empresa que se diz dona de metade da área
da reserva pode receber do Ibama indenização
pela desapropriação das terras. Esta
semana procuradores da República entraram
na Justiça afirmando que a suposta propriedade
é “a maior área grilada do Brasil”
e que a União não pode pagar por imóvel
que já lhe pertence.
O Ministério Público Federal (MPF)
em Santarém, no Pará, entrou nesta
segunda-feira, 18 de abril, com Ação
Civil Pública na Justiça Federal para
impedir que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indenize
a empresa Incenxil pela desapropriação
de mais de 4.7 milhões de hectares localizados
na Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio,
na chamada Terra do Meio, sudoeste do Pará.
A ação é assinada pelos procuradores
da República Felício Pontes Júnior,
Ubiratan Cazetta e Gustavo Nogami. Os procuradores
afirmam que a suposta propriedade da empresa, denominada
fazenda Curuá, é “a maior área
grilada do Brasil”, resulta de “histórica
fraude” e que a União não pode ser
obrigada a desapropriar imóvel que já
lhe pertence.
Além de impedir o pagamento de indenização
pela área que teria sido grilada, a peça
ajuizada nesta segunda-feira em Santarém
solicita a retirada imediata de todos os estabelecimentos
e prepostos da Incenxil localizados dentro da reserva,
além de policiais militares que estejam prestando
serviços à empresa, conforme relatos
feitos por entidades sociais e comunidades ribeirinhas
no final de 2004. Pede ainda que o imóvel
fique indisponível até decisão
judicial definitiva. Para isso, o MPF conta com
a publicação de sentença, já
na próxima semana, confirmando a antecipação
de tutela – que é uma decisão judicial
proferida antes mesmo da contestação
das partes. Os procuradores também desejam
que o registro e a matrícula da propriedade
sejam invalidados. Reclamam pela recomposição
das áreas degradadas dentro da reserva e
pelo pagamento, por parte da Incenxil, de indenização
“pelos danos morais causados à coletividade”.
O Ministério Público Federal afirma
que a fazenda Curuá incide “praticamente
sobre metade da recém-criada Resex Riozinho
do Anfrísio. Importante observar, todavia,
que esse imóvel é reconhecido como
a maior área grilada do Brasil – vide as
inúmeras reportagens anexadas e relatório
da CPI da terra do Pará.” O MPF também
aponta a sobreposição da fazenda a
outras áreas da União. De acordo com
plotagens anexadas à peça, o imóvel
sobrepõe toda a extensão das Terras
Indígenas Xypaia e Curuaya, toda a área
da Floresta Nacional de Altamira, 82% da Terra Indígena
Baú, do povo Kayapó, e toda a gleba
de dois assentamentos do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra).
A Ação Civil Pública cita laudo
do Setor de Perícia da Polícia Federal
sobre as atividades realizadas dentro da reserva.
Está escrito no laudo que “é importante
ressaltar que as degradações ambientais
no local, provocadas por aberturas de pistas de
pouso, atividades garimpeiras e/ou por aberturas
de estradas características de exploração
madeireira de forma seletiva, mesmo ocorrendo em
pontos isolados, agridem violentamente a natureza.
No caso da exploração madeireira,
acarretará na escassez e/ou extinção
de determinadas espécies vegetais. Já
a atividade garimpeira levará à processos
erosivos, desvios de cursos d'água, contaminação
por mercúrio, entre outros (...)”. O MPF
pede que seja fixada multa diária de R$ 100
mil em caso de descumprimento da ordem judicial
pela Incenxil – e solicita a mobilização
da Polícia Federal e das Forças Armadas
para garantir seu cumprimento.
A história de uma fraude
Boa parte da Ação Civil Pública
trata de explicar a história da aquisição
da fazenda Curuá pela Incenxil. A grilagem
teria começado em 1984, quando um cartório
de Altamira “privatizou” terras públicas
cedidas pelo estado do Pará, sob regime de
arrendamento, à moradores da região
para a exploração de castanhais e
seringais. Em uma canetada, nove glebas foram transferidas
aos herdeiros de um tal de coronel Ernesto Acioly
da Silva. As glebas, localizadas á margem
esquerda do rio Iriri, afluente do rio Xingu, somavam
à época 4 milhões de hectares.
Em 1993 teria ocorrido o segundo capítulo
da grilagem, quando o cartório de Altamira
produziu memorial cartográfico da nova gleba,
ampliando sua área para mais de 4.7 milhões
de hectares. Sempre segundo o MPF, neste momento
o imóvel teria sido transferido para o nome
da empresa Incenxil. Os procuradores denunciam à
Justiça que “o alastramento da corrupção
perpetrado pela requerida Incenxil no âmago
dos registros públicos no Pará significou
e continua significando o desordenamento agrário,
a violência no campo, a devastação
ambiental e o sofrimento de milhões de pessoas
que poderiam e deveriam usufruir de uma reforma
agrária”.
“Documentos forjados”
A Incenxil - Indústria, Comércio,
Exportação e Navegação
do Xingu Ltda. – pertence à família
do empreiteiro paraense Cecílio Rego de Almeida,
qualificado pela revista Veja em 1999 como “o maior
latifundiário do mundo”. Naquele ano as empresas
de Cecílio foram alvo de investigação
por uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) na Assembléia Legislativa do Pará
que apurava a aquisição irregular
de terras na região de Altamira. Em seu relatório
final, a CPI paraense afirmou que a pretensão
de posse da fazenda Curuá pela Incenxil é
“ilegítima”. Sobre os resultados deste inquérito,
o MPF afirma que “das investigações
desenvolvidas pela CPI, restou patente que a sociedade
empresarial C. R. Almeida S.A. Engenharia e Construções
- uma das maiores empresas do ramo da construção
civil do país, comandada por Cecílio
Rego de Almeida (presidente, responsável
técnico e acionista majoritário) –
é a sócia-gerente da Incenxil, titular
dos documentos e registro forjados”.
Em 2002, uma CPI na Câmara dos Deputados,
em Brasília, também tratou da “questão
Incenxil”em seu relatório, chamado “Ocupação
de Terras Públicas na Região Amazônica”.
E indiciou um do sócios da empresa, Umbelino
José de Oliveira Filho – já falecido
-, por estelionato qualificado, formação
de quadrilha e sonegação fiscal.
A Ação Civil Pública ajuizada
este semana é a terceira ação
judicial que trata do caso da fazenda Curuá.
A primeira tramita na comarca de Altamira, e foi
proposta pelo Instituto de Terras do Pará
(Iterpa) em 1996, pedindo a anulação
do título da propriedade. A ação
está parada por uma pendência sobre
a competência da justiça estadual em
julgar o caso. A longa demora – oito anos - para
o julgamento decorreu de vários incidentes
processuais. “O processo chegou a desaparecer por
dois anos”, lembra o procurador Felício Pontes,
que acredita que, agora, a peça seja anexada
à nova ação ajuizada nesta
segunda-feira na Justiça Federal em Santarém.
A segunda ação, oferecida pelo MPF
em 2003 e que também tramita na Justiça
Federal em Santarém, trata da responsabilidade
criminal dos titulares da Incenxil e dos oficiais
do cartório de Altamira envolvidos nas falsificações
que deram origem à grilagem. O processo está
na chamada fase de instrução, quando
há apresentação de provas pela
defesa. “Esperamos que a denúncia seja julgada
até o fim deste ano”, afirma Pontes.
A reserva ameaçada
A Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio
foi criada em novembro do ano passado por decreto
do presidente Lula com área aproximada de
736 mil hectares e é parte de um mosaico
de Unidades de Conservação instituído
pelo governo federal em fevereiro deste ano. O mosaico
compõe o “pacote ambiental” lançado
pelo Planalto como principal reação
à morte da missionária Dorothy Stang,
ocorrida dias antes na cidade de Anapu, e ao recrudescimento
da violência decorrente de conflitos fundiários
no sudoeste do Pará.
O Instituto Socioambiental coordenou em 2002 um
levantamento socioeconômico e ambiental na
Terra do Meio, a pedido do Ministério do
Meio Ambiente (MMA), e empreendeu expedições
à região durante quatro semanas. O
mapeamento realizado revelava que a Terra do Meio,
além de ser uma das áreas menos conhecidas
do País, é também uma das menos
povoadas, com cerca de 98% de sua área bem
preservada. Apontava ainda que a grilagem de terras
e a exploração do mogno têm
avançado sobre o território, levando
à expulsão de dezenas de famílias
ribeirinhas de suas terras, amedrontadas por ameaças
e agressões perpetradas por bandos armados.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)