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ONZE ETNIAS SE REÚNEM
NO LITORAL PAULISTA PARA EXPOR RIQUEZA CULTURAL
INDÍGENA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Abril de 2005
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19/04/2005 Dos dias
14 a 17 de Abril, a cidade de Bertioga, no litoral
paulista, recebeu cerca de 600 indígenas
de várias partes do país, que expuseram
e venderam objetos de sua cultura material, e apresentaram
rituais em uma arena montada na praia, onde foram
assistidos por cerca de 10 mil pessoas. Este ano,
pela primeira vez, a Festa do Índio contou
também com um Fórum Social Indígena,
com a presença de representantes da Secretaria
de Promoção da Igualdade Racial do
governo federal, do Banco Mundial, da ONU, além
das lideranças indígenas.
“Minha gente, vamos receber com carinho os representantes
da etnia nhammmm-biii-qua-raaa!”. Ouve-se a música
“Assim falava Zaratrusta”, famosa por fazer parte
das cenas iniciais do filme 2001, uma Odisséia
no Espaço (quando aparecem os ancestrais
da espécie humana). Entra então a
delegação dos Nhambiquara (MT). O
público se levanta e passa a gritar “É
Nambiquara, eba! É Nambiquara, eba!”, à
moda das torcidas de futebol. Assim ocorreu com
as demais delegações indígenas
que entraram na arena montada na praia da Enseada,
em Bertioga (SP), com capacidade para 10 mil pessoas.
Os indígenas agradeceram ao público,
que aplaudia entusiasmadamente a todas as apresentações.
É possível imaginar o quão
exótico deve ter parecido a muitos dos grupos
que vivem distantes dos centros urbanos essa grande
festa com ingredientes de programa de auditório
(a entonação do animador da festa
era semelhante à do Lombardi do Programa
Silvio Santos), torneio de futebol e circo.
Anunciada como o “maior evento cultural indígena
do mundo”, a festa contou com aproximadamente 600
indígenas de 11 etnias: Asurini (PA), Gavião
(RO), Guarani (aldeias do litoral de São
Paulo), Kanela Ramkokramekra (MA), Karajá
(TO), Kuikuro (MT- Parque Indígena do Xingu
- PIX), Nhambiquara (MS), Paresi (MT), Pataxó
BA), Xavante (MT), e Yawalapiti (MT-PIX). Com exceção
dos Guarani, que habitam a região e respondiam
por cerca de 50% dos índios presentes, e
dos Gavião, que somavam apenas sete, as demais
delegações eram compostas por cerca
de 40 representantes.
Não deve ter restado dúvida aos cerca
de 500 mil visitantes da festa (segundo estimativa
da Prefeitura de Bertioga, organizadora do evento)
de que aquela diversidade de costumes, línguas,
indumentária e históricos de contato
é irredutível ao rótulo genérico
“índio”. Além dos espetáculos
noturnos na arena, variadas apresentações
aconteciam no decorrer do dia, como mostras de culinária,
futebol de cabeça (Xikunahity dos Nhambiquara),
pintura corporal, danças e cantos. Uma feira
de artesanato também foi montada ao lado
da arena e movimentou um intenso comércio
de colares, cocares, cerâmicas e outros objetos
dispostos em stands por etnia.
Apoteose na arena
Mas é na arena que a festa vive seu momento
apoteótico. Conforme anunciado pelo animador,
alguns daqueles rituais nunca tinham ocorrido fora
do espaço da aldeia. A despeito de ali perderem
qualquer conotação sagrada, o que
poderia ser apenas uma demonstração
de perfil “circense”, que diverte pelo exotismo,
na verdade acabou se impondo como a manifestação
de culturas diferentes, mas que impressionam pela
beleza dos paramentos e pela profundidade dos cantos
e gestos. É provável que muitos dos
presentes tenham subvertido a imagem dos índios
como “exóticos ou primitivos” por uma imagem
de altivez, beleza e respeito.
Na sexta-feira, dia 15/4, primeira noite de apresentações
na arena, a ministra Matilde Ribeiro (da Secretaria
de Promoção da Igualdade Racial- Seppir),
recém-chegada de viagem à África,
destacou a discriminação aos povos
indígenas e aos africanos e seus descendentes
ao longo da história do Brasil. Reconheceu
naquela festa um importante instrumento para conferir
maior visibilidade aos povos indígenas. A
ministra assinou um documento se comprometendo a
apoiar os índios de Bertioga e anunciou a
formação de um Grupo de Trabalho sobre
a questão indígena no Fórum
Intergovernamental de Promoção de
Igualdade Racial, que ocorrerá em Brasília
nos dias 30/6, 1º e 2/7.
Na ocasião, o prefeito de Bertioga, idealizador
do evento, anunciou ainda que o Ministério
do Turismo, a partir deste ano, passa a incluir
a Festa Nacional do Índio de Bertioga no
calendário oficial do governo brasileiro.
Nas edições anteriores da festa, havia
um homenageado, como o músico Milton Nascimento
ou o indigenista Orlando Villas-Bôas. Neste
ano, as homenageadas foram as crianças Kaiowá
que morreram de desnutrição no Mato
Grosso, pelas quais se fez um minuto de silêncio.
Na noite de sábado, depois das apresentações
de rituais de diversas etnias, com destaque para
o Huka-huka feminino – luta típica dos grupos
indígenas do Alto Xingu, praticado principalmente
pelos homens, os quais se apresentaram na noite
de domingo –, que empolgou a platéia e os
outros grupos indígenas, o encerramento se
deu com a formação de uma grande roda,
em que os altivos alto-xinguanos (Kuikuro e Yawalapiti)
alternaram-se de mãos dadas com os Guarani,
assim como os Kanela, que vivem longe das cidades,
dançaram com os Pataxó, que vivem
tão próximos dos brancos. A roda enredou
todos os participantes indígenas e foi ganhando
volume com centenas de espectadores que invadiram
a arena e foram dançar com os índios.
Aí sim, deu-se uma grande celebração.
Fórum Social Indígena
Se a festa já se encontra em sua V edição,
este foi o primeiro ano em que ocorreu o Fórum
Social Indígena, na manhã de sexta-feira,
dia 15. Com o subtítulo “Tradição,
globalização e novas perspectivas”,
se discutiram questões políticas e
econômicas relativas à situação
dos povos indígenas no Brasil.
Compuseram a mesa de abertura do evento o prefeito
de Bertioga – Lairton Gomes Goulart –, o pajé
Kamayurá Sapaim, o representante dos Povos
Indígenas do Brasil na ONU e coordenador
do Fórum – Marcos Terena –, o representante
dos povos indígenas no Banco Mundial (BM)
– Navin Rai – e o assessor na questão indígena
da Seppir, Benedito Cintra.
Depois das apresentações do prefeito
e do coordenador Marcos Terena, Benedito Cintra
apresentou a Seppir, criada no governo Lula para
a formulação de políticas de
promoção da igualdade racial, e falou
sobre a Conferência que será realizada
em Brasília, envolvendo vários ministérios
e representantes das minorias étnicas de
todo o Brasil. Salientou que os índios, independentemente
das plenárias que escolherão os representantes
regionais, têm assegurado 8% de representação
em todas as delegações. Cintra comentou
ainda a notícia, saída do forno, da
tão aguardada homologação da
TI Raposa-Serra do Sol, arrancando aplausos das
lideranças indígenas presentes.
Navin Rai, que se identificou como um indígena
do Nepal, apresentou a estrutura e as principais
diretrizes de atuação do Banco Mundial.
Ao ser inquirido por Daniel Paresi sobre os impactos
da obra do Polonoroeste sobre os povos indígenas
da região, Rai admitiu que até a década
de 1970 havia uma certa invisibilidade dos índios
na atuação do Banco Mundial, que concedia
empréstimos para obras de infra-estrutura
desconsiderando os impactos que poderiam causar
nas populações locais. Foi apenas
com o Polonoroeste e a construção
da BR-364 que esse quadro passou a ser revertido
e hoje o BM não financia projetos sem o consentimento
explícito dos índios implicados. Algumas
lideranças também perguntaram ao representante
do BM como fazer para conseguir recursos junto à
instituição, e Rai viu-se obrigado
a dizer que, por se tratar de uma instituição
intergovernamental, o Banco Mundial só concede
empréstimos por meio dos governos dos países.
Portanto, os índios precisam reivindicar
junto ao governo os empréstimos para a realização
de projetos.
Também despertou interesse das lideranças
presentes o projeto apresentado por Renato Sabatini,
professor na Faculdade de Medicina da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), que já conta
com recursos do Canadá e diz respeito à
formação de agentes de saúde
via satélite, portanto sem que os interessados
tenham que deixar as aldeias.
Por fim, alunas da faculdade de administração
da Fundação Getúlio Vargas
apresentaram o projeto “Gestão Pública
e Cidadania”, que premia projetos de prefeituras,
governos e organizações indígenas.
Como exemplos de iniciativas premiadas em edições
anteriores, foram mencionados os projetos de cestaria
Baniwa, de educação bilíngüe
entre os Tikuna e de reflorestamento de palmito
entre os Guarani da região de Bertioga.
Ao que parece, a festa pegou. Tanto é, que
outros municípios do litoral paulista já
anunciaram eventos protagonizados pelos índios
da região. Ubatuba realizará sua Festa
do Índio nos dias 9 e 10 de Julho, com grupos
Guarani. E nos dias 6, 7 e 8 de Maio, em Itanhaém,
ocorrerá a 1ª Olimpíada Indígena
do Estado de São Paulo, contando também
com um fórum no dia 7 para debater a importância
dessa espécie de evento para o “resgate e
reforço da cultura indígena”, nos
termos da Secretaria de Educação e
Cultura desse município. É a costa
indígena sendo redescoberta.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Valéria Macedo)