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COMITÊ DO SÃO
FRANCISCO CONTESTA AFIRMAÇÕES
DE CIRO GOMES SOBRE TRANSPOSIÇÃO
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Maio de 2005
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16/05/2005 O Comitê
da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco
divulgou uma nota em que contesta as afirmações
do governo federal, especialmente do ministro da
Integração Nacional, Ciro Gomes, de
que o órgão teria autorizado ou apoiaria
o projeto de transposição do rio.
O texto questiona a disponibilidade de água
alegada pelo governo para a realização
da obra e volta a denunciar o comprometimento de
qualquer possibilidade de desenvolvimento futuro
para a região. O Comitê é o
responsável legal pela elaboração
do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do
Rio São Francisco e conta com a participação
da sociedade civil organizada e de vários
níveis de governo de todos os estados da
bacia. Confira abaixo a íntegra da nota.
NOTA PÚBLICA
DE ESCLARECIMENTO DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA
DO SÃO FRANCISCO
Diante das constantes
manifestações do Ministro Ciro Gomes,
envolvendo o nome e as decisões do Comitê
da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco
e a utilização do Plano de Recursos
Hídricos da Bacia para justificar a realização
do projeto de transposição, torna-se
necessário:
Contraditar as suas
afirmativas e insinuações de que o
Comitê aprovou o projeto de transposição
defendido pelo governo federal.
Declarar que tais afirmações transmitem
à Nação Brasileira a falsa
idéia de que o projeto conta com o apoio
do Comitê, o que significa desacreditar esse
organismo junto à sociedade civil, usuários
e poderes públicos da bacia.
1. Real decisão
do Comitê
Fazendo uso de suas
prerrogativas legais, definidas na "Lei das
Águas" (Lei 9.433/97), o Comitê
definiu que as prioridades de uso das águas
do rio São Francisco, como insumo produtivo,
é o atendimento às demandas internas
da bacia, não autorizando o seu uso para
transposições com fins econômicos,
como é o caso do atual projeto do Governo
Federal, em particular, no que se refere ao eixo
norte.
Solidário com o povo nordestino que sofre
com a seca no semi-árido, o Comitê
aprovou o uso externo das águas do rio São
Francisco para abastecimento humano e dessedentação
animal, em situações de escassez comprovada.
No entendimento do CBHSF, o atual projeto de transposição,
particularmente o eixo norte, é essencialmente
um projeto de interesse econômico, sendo apenas
uma pequena parcela das águas, em valor bastante
inferior a 26 m3/s, destinada ao consumo humano
e animal.
O Plenário do CBHSF, respaldado em estudos
técnicos e em amplas consultas públicas
em todos os Estados da Bacia, rejeitou categoricamente,
em várias ocasiões, o atual projeto
de transposição, em particular o eixo
Norte.
O Plano de Recursos Hídricos da Bacia, ao
contrário do que divulga o Ministério,
deixa claro que o atual projeto de transposição
trará prejuízos e sérias restrições
ao desenvolvimento futuro da bacia, com perspectiva
de esgotamento da disponibilidade hídrica
para usos consuntivos (vazão que pode ser
retirada do rio) em um horizonte de 20 anos, constituindo-se,
portanto, em um projeto de transferência de
emprego e renda.
2. Atropelo legal
e institucional e Outorga Preventiva
A Diretoria do CBHSF
informa à Nação Brasileira
que, longe de agir de forma democrática e
legal, o Governo Federal tem atropelado os princípios
do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos e as competências legais do
Comitê e o Plano de Recursos Hídricos
da Bacia, definidas na Lei da Águas (Lei
9433), contando para isso com a aquiescência
de todas as instâncias do MMA relacionadas
à gestão dos recursos hídricos
e ao licenciamento ambiental do empreendimento.
Apesar da Lei 9433/97 e das Resoluções
do CNRH serem claras ao definir que a concessão
de outorgas deve respeitar as prioridades e critérios
definidos nos Planos de Recursos Hídricos
da Bacia (Art.13 da Lei da Águas), a Agência
Nacional de Águas concedeu outorga para o
atual projeto de transposição, em
franco desrespeito às decisões contidas
no Plano da Bacia do rio São Francisco, uma
vez que permite a retirada de águas até
a vazão máxima diária de 114,3
m3/s, para todos tipos de usos, inclusive irrigação.
Afirmar que os 26 m3/s são destinados ao
consumo humano, considerando apenas as demandas
projetadas até o ano 2025 sem descontar a
disponibilidade de água já existente
na região receptora, é apenas uma
manobra para esconder a real utilização
econômica destas águas. Esta afirmativa
é desmentida pela própria outorga
preventiva (Art. 1º, parágrafo 2º)
que reconhece que não há demanda desta
ordem de grandeza e autoriza o uso dos 26 m3/s para
finalidades econômicas, "enquanto a demanda
real for inferior à demanda projetada".
Não corresponde à verdade a afirmativa,
freqüentemente vinculada pelo MI e pelo próprio
Ministro, de que a retirada de água acima
dos 26 m3/s se dará apenas quando Sobradinho
estiver vertendo. A outorga preventiva, concedida
pela ANA, autoriza a retirada sempre que o nível
da barragem de Sobradinho estiver acima do volume
de espera de cheias o que, na maior parte do ano,
está bem abaixo do nível de vertimento.
Assim, divulga-se para a nação brasileira
que se vai retirar água para usos econômicos
apenas quando a barragem estiver sangrando mas,
esta não é a realidade, pois a retirada
está autorizada para situações
em que o reservatório não estiver
cheio.
3. Real impacto da
vazão destinada à transposição
As constantes afirmativas
de que se vai retirar apenas 1% das águas
que perdidas para o mar, constituem grosseira manipulação
da realidade:
Escondem o fato de
que cerca de 80% das águas do rio São
Francisco estão reservadas para a geração
de energia elétrica que garante o desenvolvimento,
a qualidade de vida e a segurança energética
do Nordeste. O cálculo de 1% é inadequado,
pois toma por base a vazão média histórica
que não corresponde à realidade observada
na foz, após a construção das
grandes barragens, e embute uma visão extrativista
de que toda a vazão do rio está disponibilizada
para ser retirada. Utilizar tal raciocínio,
seria o mesmo que admitir a morte futura do rio
por excesso de retirada.
Ao contrário, para garantir as condições
mínimas do rio, na foz, o "Pacto de
Gestão" das águas da bacia, contida
no Plano de Recursos Hídricos, fixa que a
vazão máxima que pode ser retirada
é 360 m3/s, dos quais ainda restam 269 m3/s.
É sobre este saldo existente para todos os
usos consuntivos nos 7 Estados da bacia, que deve
ser realizado o cálculo: assim, a transposição
pretende retirar não apenas 1%, mas entre
24% (vazão média) e 47% (vazão
máxima).
Sob o ponto de vista essencialmente econômico,
escondem o fato de que toda a água que chega
ao mar passou antes pelas turbinas, gerando energia
elétrica (nos últimos 12 anos, as
exceções foram os vertimentos em fevereiro
de 2004 e 2005).
Sob o ponto de vista sócio-econômico
e ambiental, mostram um desconhecimento da função
ecológica destas águas no próprio
curso do rio, foz e zona costeira, além de
se configurar profundo em relação
ao sacrifício que já é imposto
ao ecossistema e às populações
que dependem do rio, em conseqüência
dos impactos negativos gerados pela construção
e operação das grandes hidrelétricas.
Só para exemplificar, a regularização
da vazão do rio está provocando o
avanço do mar no litoral norte de Sergipe,
tendo a erosão já levado à
destruição dois povoados (um em 1998
e outro em 2005) na foz do rio São Francisco.
4. Acusações
Empobrece o debate
e desrespeita os mais elevados valores republicanos
da sociedade brasileira, qualificar de "charlatões
e egoístas" aqueles que defendem a aplicação
da lei, o respeito ao Plano de Recursos Hídricos,
a sustentabilidade e legítimos interesses
da bacia do rio São Francisco, e que se dedicaram
ao aprofundamento do conhecimento sobre as condições
hidro-ambientais e da complexa gestão da
bacia do rio São Francisco e do próprio
projeto de transposição. Tal atitude
atinge o Comitê e a integridade moral e profissional
de todos os técnicos e pesquisadores que
têm prestado um valioso serviço ao
sistema nacional de recursos hídricos, negando-se
a se calar diante da pressão exercida pelo
governo federal para a aprovação deste
projeto, a qualquer custo.
Seria de se esperar
que houvesse maior diálogo na condução
de um projeto que pretende privilegiar uma região,
cujos responsáveis estão sendo alertados
pelas maiores autoridades de diferentes áreas
de conhecimento afins de que isto será feito
em detrimento da segurança hídrico-ambiental
e do desenvolvimento de outra (na qual as condições
climáticas e sociais são semelhantes).
Tampouco os defensores
do projeto de transposição conseguiram
demonstrar ser ele urgente e necessário e
quais os seus reais benefícios e beneficiários.
No entender do Comitê, da SBPC, do Banco Mundial
e de inúmeros cientistas, a transposição
nunca poderia ser o ato inicial de uma solução
integrada para o semi-árido, mas a última
etapa de um conjunto de ações que
deveria começar por uma efetiva democratização
do acesso à água, através da
distribuição do estoque de água
já existente, tanto na região receptora
como doadora, pela revitalização da
bacia do rio São Francisco e pelo investimento
maciço em soluções de convivência
com a seca para a população dispersa
do semi-árido brasileiro, quase metade dele
contido na própria bacia do rio São
Francisco.
Transposições
envolvem questões complexas, comprometem
toda a gestão das bacias envolvidas, despertam
e acirram conflitos que tendem a se perpetuar e
agravar-se. Por isso mesmo, não podem ser
iniciadas sem ser precedidas da necessária
pactuação, de preferência no
âmbito do Congresso Nacional, a exemplo de
outras experiências internacionais.
Com estas convicções,
e sempre aberto ao diálogo que é a
essência da gestão democrática
do Estado, o Comitê da Bacia Hidrográfica
do São Francisco lamenta que o Governo Federal
tenha iniciado o processo licitatório das
obras de transposição do rio São
Francisco sem construir, no âmbito do pacto
federativo, um amplo entendimento que possa reunir
em torno dos mesmos objetivos os Estados Federados
que compõem a Bacia doadora e as bacias receptoras.
A Diretoria do Comitê
CBHSF
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa