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FORMATURA DA 1ª TURMA
DE ALUNOS DA ESCOLA TUYUKA MARCA CONQUISTAS
DA EDUCAÇÃO INDÍGENA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Maio de 2005
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18/05/2005 A formatura
de 20 estudantes indígenas reuniu nos dias
11 e 12 de maio 150 pessoas no alto rio Tiquié
(AM) e incluiu a apresentação dos
resultados do processo de ensino e aprendizado na
língua Tuyuka, a valorização
dos conhecimentos tradicionais e o manejo sustentável
dos recursos naturais. A experiência da escola
serve de inspiração a todos os que
lutam por uma educação escolar indígena
diferenciada.
“Useniri bureko nirotia/ Tugeñare, wakure
nirotia/ Useniri bureko nirotia/ Utapinoponape biro
hiawã/ Añurere, buerere, masire/ Wedesere
niawuto...bueriwipu...” (“Hoje é um dia muito
feliz/ Dia de muitos pensamentos e idéias/
Um dia alegre/ Dos tuyuka falarem/ Dos conhecimentos
e estudos, das coisas boas/ Do que temos conversado
na escola”...). Assim cantaram os estudantes da
1ª turma do Ensino Fundamental da Escola Indígena
Utapinopona Tuyuka no dia de sua formatura, que
ocorreu nos dias 11 e 12 de maio na maloca da comunidade
Tuyuka Moõ Poea, no alto rio Tiquié,
noroeste do estado do Amazonas.
O evento de formatura dos 20 alunos - 7 meninos
e 13 meninas, na sua maioria da etnia tuyuka, além
de 2 Yebamasa, 2 Bara e 2 Hupda - reuniu aproximadamente
150 pessoas entre professores, alunos e familiares
do Brasil e da Colômbia, representantes das
Escolas Indígenas Tukano Yupuri (médio
Tiquié) e Uremiri (alto Tiquié) e
da Escola Baniwa e Coripaco Pamaáli (rio
Içana), das organizações parceiras
ISA (Instituto Socioambiental), Horizonte 3000 e
Embaixada da Áustria; da Foirn (Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro), secretaria municipal de educação
de São Gabriel da Cachoeira e da câmara
municipal de vereadores de São Gabriel da
Cachoeira. A escola conta com o apoio da Fundação
Rainforest da Noruega.
Da Colômbia, estiveram presentes representantes
das organizações indígenas
ACAIPI (Associación de Capitanes y Autoridades
Tradicionales Indígenas del Pirá Paraná)
e AATIZOT (Associación de Autoridades Tradicionales
Indígenas de la Zona Del Tiquié),
assim como representantes da FGA (Fundação
Gaia Amazônia), que estiveram participando
de uma reunião para troca de experiências
em educação escolar, políticas
lingüísticas, manejo de recursos naturais
e pesqueiros, projetos de segurança alimentar
(piscicultura e manejo agroflorestal) e valorização
cultural (cerimônias, arte), no âmbito
da Canoa - Cooperação e Aliança
no Noroeste Amazônico -, ocorrida entre 4
e 9 de maio, dias que antecederam a formatura.
No primeiro dia do evento os formandos apresentaram
“os resultados do ensino-aprendizado, conduzido
em conjunto por alunos, professores e velhos”, como
definiu professor João Bosco Rezende. As
pesquisas abordaram problemáticas atuais,
sempre relacionadas aos conhecimentos dos mais velhos:
a) calendário astronômico (origem,
aspectos ecológicos, doenças e práticas
curativas ou de proteção associadas);
b) ornamentos cerimoniais (a importância da
caixa de adornos, viabilizando a realização,
nos dias de hoje, das mesmas cerimônias de
antigamente; c) cultura tuyuka, enfatizando a preocupação
com as práticas de formação
do corpo, caráter e saúde dos jovens
(como as limpezas faciais, o vômito, que alguns
alunos vêm adotando novamente) e de organização
da vida comunitária (refeições
coletivas; trabalhos na roça, pesca e caça;
a fabricação de canoas, especialidade
do povo tuyuka; conhecimento ritual); d) origem
mitológica dos cultivos da roça e
das novas práticas de manejo agro-florestal;
e) plantas medicinais de diferentes ambientes e
como cultivá-las; f) tipos de lixo produzidos
nos contextos de vida tradicionais (lixo orgânico)
e da vida atual (comércio de mercadorias
e monetarização, aumento populacional,
sedentarização) e formas de tratamento
dos mesmos; g) origem mitológica da cárie,
prevenção dos antigos e cuidados atuais;
h) tempo das missões, história e impactos
da presença missionária salesiana
na região; i) organização social
e direitos indígenas, com tradução
de leis atuais mais importantes para as comunidades
nas áreas de educação, saúde
e território indígena; j) matemática
tuyuka, modo tradicional de contar e resultados
de pesquisas recentes para o ensino-aprendizado
da matemática em língua tuyuka.
Compromisso
e especialização
As pesquisas foram
conduzidas na língua de instrução
da escola durante todo o ensino fundamental, o tuyuka
- o português, sobretudo oral, é ensinado
como segunda língua -, e consolidam a implantação
de um currículo baseado na prática
de pesquisa de problemáticas importantes,
e não em disciplinas. Todos os formandos
afirmaram seu compromisso de continuar trabalhando
com suas comunidades para implementar práticas
de pesquisa e educativas nestas mesmas problemáticas.
Alguns meninos manifestaram seu interesse específico
em seguir uma formação especializada
para tornarem-se cantores (baya) e rezadores (kumu),
papéis cerimoniais tradicionais. Os alunos
hupda, em tornarem-se professores em sua comunidade
de origem. No final da tarde foi celebrada uma missa
para os formandos, pelo padre indígena de
Pari-Cachoeira, o tukano Josimar Marinho.
Na manhã do 2º dia aconteceu a cerimônia
de entrega do certificado de conclusão, emitido
pela secretaria municipal de educação
em tuyuka. Neste momento, Higino Pimentel Tenório,
professor e coordenador político-pedagógico,
relembrou as dificuldades que marcaram a trajetória
da construção de uma escola diferenciada,
afirmando que “a importância da formatura
não está no recebimento de certificado,
mas na conquista de uma educação de
qualidade, que serve como exemplo de luta e consciência
para outros povos indígenas”. À tarde
iniciaram as comemorações cerimoniais
tuyuka, as mulheres realizando pintura corporal
nos participantes, e os homens conduzindo o canto
e dança Yua Basa (dança do calanguinho,
segurando nas mãos adornos de pena de japu)
na maloca, que prolongou-se até o outro dia,
o da partida dos convidados.
Na Escola Utapinopona, o estudo se dá na
língua tuyuka e os alunos são incentivados
a pesquisar e registrar os conhecimentos de sua
própria cultura a partir de conversas com
seus pais e os mais velhos e pesquisas bibliográficas.
Da sociedade não-índia, problematizam
os saberes necessários para seu cotidiano.
A escola mantém ainda uma preocupação
com o manejo dos recursos naturais voltado para
a auto-sustentabilidade da comunidade, o que deve
ser aprofundado com a implantação
do ensino médio, com início previsto
para agosto. Por seu êxito, solidez e relevância,
esta experiência escolar ultrapassa seus âmbitos
próprios e se apresenta como inspiração
a todos os que lutam por uma educação
escolar indígena diferenciada.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Flora Cabalzar e Melissa
de Oliveira)