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QUILOMBOLAS DE CAÇANDOCA,
NO LITORAL PAULISTA, PODEM PERDER TERRA
PARA IMOBILIÁRIA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Maio de 2005
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16/05/2005 As 60
famílias da comunidade que vive em Ubatuba
vêm sendo ameaçadas de expulsão
e podem perder a terra que há mais de um
século pertenceu a seus antepassados. Manifestação
no centro de São Paulo, realizada na última
sexta-feira, 13/5, pediu que o governo estadual
garanta a titulação da terra.
A Universidade de Brasília (UnB) divulgou
no começo do mês o número atualizado
de comunidades quilombolas no Brasil. De acordo
com o Segundo Cadastro Municipal dos Territórios
Quilombolas, produzido pelo Centro de Cartografia
Aplicada e Informação Geográfica
da universidade, existem hoje 2.228 comunidades
remanescentes de quilombos no País. Deste
total, apenas 70 estão com a situação
fundiária regularizada. O placar desfavorável
é recheado de casos emblemáticos das
dificuldades dos territórios quilombolas
em serem reconhecidos e titulados.
Uma das situações mais graves é
a da comunidade de Caçandoca, localizada
no município de Ubatuba, litoral de São
Paulo. Apesar de o Instituto de Terras de São
Paulo (Itesp) ter reconhecido a área como
território quilombola, no ano de 2000, as
60 famílias que ali vivem - descendentes
dos antigos trabalhadores de uma fazenda de café
que havia na região, e cuja ocupação
da terra remete às últimas décadas
do século XIX - podem ser despejadas a qualquer
momento de suas casas. Isso porque um juiz da comarca
de Ubatuba, Antonio Mansur Filho, decidiu em abril
passado revalidar uma liminar concedida em 1998
à Urbanizadora Continental, que reivindica
a propriedade da terra. Caçandoca é
uma praia localizada em um dos trechos mais valorizados
no litoral norte de São Paulo, cercada de
casas de veraneio e condomínios de luxo.
Na sexta-feira passada, 13 de maio, a situação
dos quilombolas de Caçandoca foi denunciada
em protesto no centro de São Paulo que reuniu
cerca de 300 pessoas. Na ocasião, organizações
e representantes do movimento quilombola entregaram
ao secretário de Justiça do Estado,
Alexandre de Moraes, uma carta reivindicado a titulação
da terra. “A reintegração de posse
é um abuso e uma concessão inaceitável
à especulação imobiliária”,
afirma o deputado estadual Simão Pedro (PT-SP).
O secretário estadual de Justiça,
em seu último dia no cargo, afirmou que a
luta dos quilombolas é uma prioridade do
governo do estado e que, por isso, o Itesp participa
do processo em defesa da comunidade de Caçandoca.
Diante da possibilidade de despejo das famílias,
entretanto, o deputado Simão Pedro defende
que o território seja desapropriado pelo
Incra. “O governo federal deve tomar parte nesse
processo com um decreto que acabe com o litígio”.
Em uma reunião na semana passada com representantes
da Continental, diretores do Incra em São
Paulo, acompanhados de membros da Secretaria Especial
de Promoção da Igualdade Racial (Seppir)
e do governo estadual, estabeleceram uma negociação
para a resolução do impasse. "A
idéia é firmar um acordo judicial
no qual a empresa fixe um valor para a compra da
área pelo governo federal a fim de definir
a permanência dos quilombolas", explica
Carlos Eduardo Trindade, sub-secretário para
Comunidades Tradicionais da Seppir. "O acordo
visa agilizar o processo, mas caso a empresa se
negue a negociar o Incra já se comprometeu
com a desapropriação. A retirada da
comunidade está fora de cogitação".
A Continental deve dar uma resposta ainda esta semana.
Para evitar a expulsão das famílias
pela polícia antes desta definição,
o governo federal tenta mobilizar a secretaria de
Justiça de São Paulo.
Caso se arrasta na
Justiça desde 1998
As ações
do governo de São Paulo, contudo, pouco conseguiram
além de postergar o desfecho desfavorável
aos quilombolas. O caso de Caçandoca se arrasta
na Justiça desde 1998, quando a imobiliária
Continental - que havia construído em 1974
um condomínio de alto padrão na praia
do Pulso, vizinha à de Caçandoca -
conseguiu na Justiça Estadual em Ubatuba
a liminar de reintegração de posse.
A liminar só não foi cumprida porque,
no ano seguinte, o governo estadual entrou com uma
Ação Discriminatória para averiguar
se a área em disputa é terra devoluta,
ou seja, pública. "A Procuradoria Geral
do Estado questiona a autenticidade do título
de propriedade da empresa", afirma Carlos Henrique
Gomes, assessor técnico do Itesp. O processo
ficou suspenso por um ano. Até hoje, porém,
a Ação Discriminatória não
foi concluída e a Continental continua alegando
ser a proprietária do imóvel.
Em 2001 o caso foi novamente paralisado quando o
Ministério Público Federal (MPF) solicitou
a transferência do processo à Justiça
Federal. Após inúmeras idas e vindas
entre os advogados da empresa, MPF e defensores
da comunidade, o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu no final de 2004 que a contenda deve permanecer
na esfera da Justiça Estadual. A sentença
do STF não pode mais ser contestada judicialmente.
A analista de desenvolvimento fundiário do
Itesp, Daniela Correa da Silva, que acompanha o
caso de Caçandoca desde seu princípio,
afirma que o Poder Judiciário se revela preconceituoso
com a causa quilombola e que não vê
chance para a comunidade da praia de Ubatuba sem
a intervenção do governo federal.
Ao longo deste anos, o conflito entre os moradores
e a incorporadora foi marcado por agressões,
famílias expulsas, intimidações
e até bloqueio de estrada para impedir o
acesso da comunidade ao transporte público.
Hoje, a comunidade de Caçandoca vive em precárias
condições, muitas famílias
em cabanas de lona, sem água ou esgoto. A
advogada dos quilombolas de Caçandoca, Juliana
Gracioli, afirma que os moradores vêm sofrendo
novas ameaças nas últimas semanas
por parte de oficiais de justiça que visitam
as casas afirmando que todos serão expulsos
se não forem embora por conta própria.
"Isso tudo baseado em uma reintegração
de posse concedida em liminar proferida há
sete anos", destaca Juliana. "Trata-se
de um resquício da ditadura atentando contra
pessoas de idade e crianças".
Fonte: ISA – Instituto
Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Bruno Weis)