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O DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA:
A MIOPIA DO DEBATE
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Maio de 2005
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25/05/2005 O governo
brasileiro acaba de anunciar o índice anual
(2003-2004) de desmatamento na Amazônia. Um
espanto! Segundo o INPE, 2.6 milhões de hectares
(26 mil km2) de florestas vieram ao chão.
Somente em 1995 registrou-se um valor maior (2,9
milhões ha) do que o atual. Tal fato confirma
a suspeita de que um novo patamar de desmatamento
foi atingido, já que a taxa média
para os anos 90 não ultrapassou os 1.7 milhões
de ha. Contudo, passada a indignação
de praxe, a sensação é que
o debate gerado não serviu para muita coisa.
Talvez porque o debate tenha sido míope.
O excessivo foco das discussões sobre o valor
da taxa de desmatamento tem nos privado de uma discussão
mais profícua.
Na verdade, todos conhecemos as causas do desmatamento,
mas pouco sabemos ou decidimos sobre o tipo de desmatamento
que é e não é aceitável
ou necessário. Independente de ideologias
ou de interesses econômicos, todos concordam
que as taxas com que a floresta vem sendo derrubada
devam ser reduzidas, ou que são elevadas
demais. No entanto, há pouca concordância
sobre quanto deve ser uma redução
satisfatória, como consegui-la e onde implementá-la.
A miopia vem, portanto, da falta de qualificação
do desmatamento. Para qualificá-lo é
necessário que se assuma a premissa de que
em algumas áreas ele é aceitável.
Assumindo tal premissa, talvez seja mais fácil
identificar e atuar contra aquele desmatamento indesejável
do ponto de vista social, econômico e ambiental.
No ano passado publicamos um livro intitulado "Desmatamento
na Amazônia: Indo Além da Emergência
Crônica", onde apresentamos sob qual
ótica o desmatamento seria apropriado ou
inapropriado.O desmatamento inapropriado seria aquele
que visa apenas tomar posse de terras, ocorre em
terras que não são aptas a produção
pretendida (morros, alagados, etc) e, por conseguinte
é ilegal (atinge a reserva legal e as áreas
de proteção permanente). Por sua vez,
o desmatamento apropriado seria aquele, necessariamente
legal, mas também o realizado em solos aptos
para agricultura e, portanto, com baixo risco de
abandono precoce da atividade. Isso separaria o
desmatamento que decorre das ações
de grilagem - como aquele que tem afetado aceleradamente
a região da Terra do Meio e da BR-163 no
Pará, onde, segundo dados de 2003/2004, se
concentram três dos cinco municípios
campeões do desmatamento (São Félix
do Xingu, Novo Progresso, Altamira) - daquele desmatamento
autorizado e permitido para cada proprietário
no âmbito do Código Florestal.
Definições como estas poderiam ser
úteis para qualificar o debate sobre o desmatamento
na Amazônia. No entanto, não há
profusão de tal debate. E isto acontece pela
falta de informações claras e oficiais
sobre as origens e características do desmatamento.
Quem derruba mais, em que tipo de fronteira e sob
qual dinâmica (econômica e social) local
(e não somente regionais ou nacional) a floresta
é desmatada, são ainda questões
sem respostas claras. Sem conhecer tais respostas,
fica difícil criar as bases para uma escolha
acertada entre desmatamento desejável e indesejável.
Se superarmos tais entraves, será mais fácil
compreender o espanto em relação ao
anúncio das taxas de desmatamento e nos orientarmos
na busca de uma melhor política de ocupação
da Amazônia. A correção da miopia
só será conseguida quando deixarmos
de discutir a flutuação das taxas
para debatermos de uma vez por todas que tipo de
ocupação da Amazônia os brasileiros
querem e sob quais condições.
Focalizando o debate sobre o desmatamento na Amazônia
1. O desmatamento na Amazônia deve ser encarado
a partir da premissa de que há tipos de desmatamento
que podem ser aceitos e trazem benefícios
para a sociedade. O critério de aceitação
neste caso seria estabelecido pelo nível
dos benefícios para a sociedade e do impacto
que causam sobre o ambiente. Ao assumir essa premissa,
fica mais fácil atuar de maneira focalizada
sobre aquele desmatamento inapropriado.
2. O desmatamento "inapropriado", que
deve ser alvo de programas de redução,
é aquele que: (a) visa apenas tomar a posse
da terra para especulação; (b) ocorre
em terras inapropriadas para a agricultura ou a
pecuária devido ao relevo acidentado, solos
inadequados, altos índices de precipitação,
distância elevada dos mercados e ausência
de estradas; (c) é pouco produtivo; (d) é
ilegal (atinge a reserva legal e as áreas
de proteção permanente); (e) ocorre
em áreas de elevado valor para a conservação
ou utilização sustentável da
biodiversidade (áreas ainda não protegidas
por unidades de conservação); (f)
ocorre em áreas onde a melhor opção
econômica de uso da terra é florestal
- seja para produção madeireira, não
madeireira, ou ambas.
3. O desmatamento pode ser considerado "apropriado"
quando reunir os seguintes critérios: (a)
seja realizado de forma legal, cumprindo os preceitos
das leis ambientais (p.ex. o Código Florestal);
(b) seja realizado em solos aptos para agricultura
e produtivos; (c) ocorra em áreas com infra-estrutura
adequada e, portanto, com baixo risco de abandono
precoce da atividade; (d) traga benefícios
socioeconômicos e ambientais às populações
tradicionais da Amazônia (quilombolas, caboclos,
indígenas) e pequenos agricultores.
4. Para evitar o desmatamento "inapropriado"
será necessária uma estratégia
integrada baseada em processos de planejamento ao
longo de novos corredores econômicos, com
a participação das várias esferas
de governo, incluindo as prefeituras e os diversos
atores sociais existentes na região. Decisões
econômicas e políticas interferem diretamente
nos fluxos migratórios e no tipo de ocupação
ao longo dos corredores econômicos da Amazônia.
Estes corredores devem, portanto, ser tratados como
uma unidade geográfica dos processos de planejamento
regional participativo. As rodovias em asfaltamento
representam novos focos de desmatamento e são
as áreas onde o governo e a sociedade civil
podem ter o máximo de influência sobre
a dinâmica de conversão da cobertura
vegetal. Este processo já está em
andamento, liderado pela sociedade, na Transamazônica,
na Cuiabá-Santarém e na Transoceânica
(estrada para o Pacífico).
5. Dentro dos planos de desenvolvimento de cada
corredor econômico é necessária
uma abordagem diferenciada para cada tipo de fronteira,
visando à gestão de recursos naturais
que maximize os benefícios para a sociedade
amazônica e brasileira como um todo.
a. Nas "Fronteiras Empresariais" de agropecuária
consolidada, onde a viabilidade da agricultura em
grande escala é alta (como grandes áreas
no norte do Mato Grosso e sul do Pará), o
desafio principal em curto prazo é o de fazer
com que os produtores cumpram as determinações
do Código Florestal. Uma oportunidade neste
sentido é a implementação do
sistema de licenciamento de propriedades rurais
do Governo do Estado do Mato Grosso atrelado à
certificação de propriedades e de
produtos do agronegócio. No entanto, falta
definir medidas complementares que desestimulem
o desmatamento inapropriado e ilegal. Incentivos
de mercado para aqueles que produzam de forma ambientalmente
sustentável, como já ocorre na exploração
florestal, poderão proteger os recursos naturais
em paisagens de alta produtividade agrícola
e pecuária.
b. Nas "Fronteiras Familiares", onde a
agricultura familiar está consolidada ou
em processo de consolidação, como
a Transamazônica, o desafio principal é
fortalecer e apoiar as iniciativas de gestão
de recursos naturais já em andamento, como
o Proambiente, as casas familiares rurais e investimento
na gestão de unidades de conservação
(p.ex. Terra do Meio). Apesar do desmatamento continuar
nessas áreas, motivado principalmente pela
expansão das áreas de pastagem, existem
associadas a esta, outras práticas de uso
do solo mais diversificadas e que trazem benefícios
mais diretos para um maior número de pessoas
que vivem na região. Portanto, estas áreas
apresentam um consórcio de atividades associadas
ao desmatamento que é socialmente mais aceitável.
c. Nas "Fronteiras de Expansão Explosiva",
onde o governo está ausente ou inexpressivo,
o desmatamento ocorre de maneira frenética
tendo a grilagem de terras e a exploração
madeireira ilegal como sua força motriz,
as intervenções devem ser no sentido
de conter o desmatamento e a exploração
madeireira desordenada com exemplos de punição
imediata dos principais agentes da ilegalidade,
até que a implementação de
um plano de ordenamento e gestão territorial
seja possível. Por exemplo, o desafio principal
em áreas como Castelo de Sonhos, Novo Progresso
e Moraes de Almeida, na rodovia Cuiabá-Santarém,
é o de prevenir o desperdício dos
recursos naturais pelo desmatamento em áreas
inapropriadas para a agricultura e pecuária
e conter a extração ilegal de madeira.
Fonte: IPAM – Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (www.ipam.org.br)
Assessoria de imprensa