Panorama
 
 
 

PROTESTO EM FRENTE AO PALÁCIO DO PLANALTO RELEMBRA LUTA DE IRMÃ DOROTHY

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Junho de 2005

07/06/2005 Manifestação realizada no dia em que a missionária completaria 74 anos pede federalização do crime cometido contra ela, paz na floresta e presença efetiva do Estado na Amazônia.
No dia em que a missionária Dorothy Stang completaria 74 anos, uma manifestação em Brasília relembrou sua luta junto às comunidades rurais da Amazônia pelo direito à terra e em defesa do desenvolvimento sustentável. Cerca de 200 pessoas, vestidas com camisetas brancas nas quais se lia a frase “A morte da floresta é o fim da nossa vida”, se sentaram em frente ao Palácio do Planalto, de costas, segurando fotos da Irmã Dorothy para pedir a federalização do julgamento do assassinato cometido contra ela, paz na floresta e a presença efetiva do Estado na Amazônia. A palavra "paz" esteve presente em vários momentos da mobilização: em balões balões brancos soltos pelos manifestantes e escrita com seus próprios corpos no chão da Praça dos Três Poderes.
O protesto foi realizado por 13 entidades e fóruns, entre eles o ISA, a Associação Brasileira de Organizações Não-governamentais (Abong), o Fórum de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS), o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (RAJC) e o Greenpeace.
Uma comissão de manifestantes recebida no Palácio do Planalto entregou um documento destinado ao presidente Lula ao secretário especial para os Direitos Humanos, ministro Nilmário Miranda. O texto pede ações permanentes para garantir a justiça social, o fim da violência e o combate ao desmatamento e destruição ambiental na Amazônia. Durante a reunião, Miranda insistiu que as ações do governo na região estão em andamento e reafirmou seu compromisso de apoiar a federalização do caso.
Entre outros pontos, o documento entregue no Planalto reivindica o aparelhamento dos órgãos públicos que atuam na Amazônia (Polícia Federal, Ibama e Incra), o fortalecimento da produção familiar e extrativista, a regularização fundiária na região com ênfase na desapropriação de áreas para a implantação de Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), Reservas Extrativistas (Resex) e Projetos de Assentamentos Agroextrativistas. (Leia a íntegra abaixo).
Representantes das entidades que organizaram o protesto também se encontraram com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Arnaldo Esteves de Lima, relator do pedido de federalização do caso, e entregaram um abaixo-assinado com 13 mil nomes apoiando a federalização. O ministro confirmou que o STJ deverá julgar amanhã, quarta-feira, dia 8 de junho, o pedido apresentado pelo procurador-geral da República, Claudio Fonteles, de deslocar para a esfera federal a investigação e o julgamento do crime. À tarde, os manifestantes estiveram com o presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, para pedir urgência na federalização do caso. Vidigal já se declarou publicamente a favor.
“A federalização do crime é importante porque é preciso que ele seja julgado em um espaço mais neutro que o local”, comenta Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA. Ela avalia, no entanto, que é fundamental que o governo retome a agenda de compromissos locais que assumiu logo depois do assassinato da freira estadunidense. “O cumprimento dessa agenda está muito lento e isso dá a impressão de impunidade para os assassinos da irmã e para outros criminosos da região.”
“O governo precisa implementar políticas públicas concretas, e não apenas emergenciais, que acabem com as causas que motivam a destruição e a violência na Amazônia, como a grilagem de terras e a exploração ilegal de madeira”, disse Carlos Rittl, da Campanha da Amazônia do Greenpeace. “Para isso, é preciso estruturar as instituições públicas com recursos e aparato necessários para um controle eficiente dos crimes socioambientais, garantindo assim um futuro sustentável para a floresta amazônica e seus habitantes”.
Dorothy Stang foi assassinada com seis tiros, no dia 12 de fevereiro deste ano, por pistoleiros a mando de fazendeiros da região de Anapu (PA), onde trabalhava desde 1972. Por mais de 30 anos, ela viveu na região da Transamazônica e dedicou-se a defender os direitos de trabalhadores rurais contra os interesses de fazendeiros e grileiros da região. Trabalhava na tentativa de minimizar os conflitos fundiários, principalmente a grilagem de terras, o desmatamento e a extração ilegal de madeira. (Saiba mais).
Em resposta ao assassinato de Dorothy, o governo federal anunciou uma série de medidas emergenciais para conter o desmatamento e a escalada da violência no Pará, incluindo a criação de cinco unidades de conservação na Amazônia (um total de 5 milhões de hectares), a suspensão de autorizações de desmatamento em uma área de mais de 8,2 milhões de hectares ao longo da BR-163 e o envio de tropas do Exército para garantir a segurança na região (para saber mais, clique aqui). Muitas das ações anunciadas, entretanto, ainda não foram implementadas ou já chegaram ao fim.

Brasília, 07 de junho de 2005

Ao Exmo. Sr. Luis Inácio Lula da Silva Presidente do Brasil

Sr. Presidente,

Hoje, dia 07 de junho, a Irmã Dorothy Stang estaria completando 74 anos de vida, 39 dos quais dedicados ao povo pobre e humilde do Nordeste e Norte do Brasil. Há 22 anos, ela escolheu devotar a sua vida ao povo de uma das regiões mais carentes da Amazônia, na região de Anapu, no estado do Pará. Lá ela trabalhou, dia após dia, para garantir cidadania e dignidade aos chamados não cidadãos, aqueles que até então nunca tiveram sequer suas necessidades e direitos reconhecidos pelo poder público.

A Irmã Dorothy foi brutalmente assassinada porque acreditava em uma Amazônia cujo homem simples tem seu direito sagrado à terra e à floresta reconhecido e respeitado pelo Estado Brasileiro. Ela sonhava com um modelo de desenvolvimento para a Amazônia baseado no uso sustentável dos recursos naturais da floresta, na agricultura familiar aliada à conservação. A Irmã Dorothy acreditava e lutava por um modelo de desenvolvimento semelhante ao defendido em seu programa de governo (“O Lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil”, Belém, setembro de 2002):

O assassinato violento da Irmã Dorothy, cujas ameaças que recebia foram amplamente denunciadas aos governos federal e estadual, levou seu governo ao anúncio de medidas emergenciais para garantir a ordem e estabelecer o Estado de Direito em várias regiões de conflito do Estado do Pará. No entanto, a região de Anapu, assim como toda a Amazônia, carece muito mais do que de medidas apenas emergenciais, que perdem sua efetividade na mesma medida em que o fato trágico se vê superado, nas páginas de jornal, por mais recentes fatos estarrecedores, escândalos, assassinatos.

A situação de hoje em Anapu, Sr. Presidente, é uma mostra clara da inefetividade das medidas emergenciais no longo prazo. O povo humilde de Anapu, para quem Irmã Dorothy dedicava sua vida, se vê hoje, quatro meses após sua morte, em situação tão precária e de tamanho abandono semelhante ao período que antecedeu seu assassinato. Os mesmos agentes que tinham interesse em expulsar Irmã Dorothy de Anapu a qualquer custo, hoje se manifestam publicamente, afirmando que farão todo o necessário para inviabilizar os Projetos de Desenvolvimento Sustentável sendo implementados pelo INCRA no município. E as lideranças que defendem os interesses das comunidades locais estão sendo mais e mais perseguidas e oprimidas pelo poder público local.

Atualmente 5 trabalhadores rurais de Anapu se encontram presos, dos quais 2 estão detidos há mais de um ano. Existem outros 5 mandatos de prisão preventiva decretadas, sendo inclusive um deles contra um das testemunhas do caso Dorothy. Resta evidente a estratégia de criminalização dos movimentos sociais de Anapú pelas instituições locais, que, se por um lado criminalizam, por outro lado não empenham esforços na apuração do consórcio criminoso responsável pela morte da irmão Dorothy

Desta forma, Sr. Presidente, conclamamos V. Excia. e seu governo a assumirem definitivamente sua responsabilidade sobre a Amazônia, seu povo e seu futuro, a estabelecer de forma definitiva o Estado de Direito na região, a se fazer presente de forma permanente, e não apenas em momentos de crise.

Apoiar a federalização do processo de homicídio da Irmã Dorothy e fortalecer os órgãos federais para que garantam o fim da violência e da impunidade na Amazônia;
Estruturar os órgãos públicos executivos e judiciários na região, e promover o julgamento dos casos de assassinatos no campo no Pará;
Realizar o ordenamento territorial com a devida regularização fundiária das áreas comunitárias, a desapropriação de áreas para efetivação dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável, Reservas Extrativistas e Projetos de Assentamentos Agroextrativistas, a implementação das unidades de conservação e o cadastramento dos imóveis rurais;
Fortalecer a Produção Familiar Rural e Extrativista, fortalecendo os segmentos da produção familiar rural e extrativista no processo de resistência diante da expansão da agricultura empresarial.
Com o atendimento destas demandas, Sr. Presidente, seu governo pode demonstrar o compromisso efetivo de combater a violência rural e a destruição ambiental junto à sociedade civil e à opinião pública, dentro e fora do país.

Por uma Amazônia onde prevaleça o Estado Democrático de Direito e a justiça social e ambiental. Paz na floresta, já!

Esperando a atenção de vossa excelência para esta urgente manifestação, subscrevemo-nos.

Atenciosamente,

Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS
Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAGRI Transamazônica e Xingu
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento – FBOMS
Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo - Fórum Nacional RAJC
Fundação Viver, Produzir e Preservar – FVPP
Greenpeace
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Instituto Socioambiental – ISA
Terra de Direitos

Brasília, 07 de junho de 2005

Ao Exmo. Sr. Presidente do Superior Tribunal de Justiça Ministro Edson Carvalho Vidigal

Ao Exmo. Sr. Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ministro Arnaldo Esteves Lima

Exmos. Srs. Ministros,

Hoje, dia 07 de junho, a Irmã Dorothy Stang estaria completando 74 anos de vida, 39 dos quais dedicados ao povo pobre e humilde do Nordeste e Norte do Brasil. Há 22 anos, ela escolheu devotar a sua vida ao povo de uma das regiões mais carentes da Amazônia, na região de Anapu, no estado do Pará. Lá ela trabalhou, dia após dia, para garantir cidadania e dignidade aos chamados não cidadãos, aqueles que até então nunca tiveram sequer suas necessidades e direitos reconhecidos pelo poder público.

A Irmã Dorothy foi brutalmente assassinada porque acreditava em uma Amazônia cujo homem simples tem seu direito sagrado à terra e à floresta reconhecido e respeitado pelo Estado Brasileiro. Conforme ela mesma declarou à justiça paraense, em interrogatório referente a absurdo processo-crime aberto contra ela, que a finalidade se seu trabalho era "manter a sustentabilidade da natureza na região amazônica e oferecer ao povo a oportunidade de viver dentro da mata sem degradá-la, além de oportunizar que o trabalhador rural viva de seu próprio trabalho, usufruindo de seu próprio suor e para sustentar sua família, para que viva em paz, com sustentabilidade permanente". Seu trabalho era, na verdade, em defesa das pessoas e seus direitos fundamentais. E por isso foi reconhecida, sendo agraciada com prêmios pela defesa dos direitos humanos. Em virtude deste trabalho e das inúmeras ameaças à sua vida, a Irmã Dorothy seria incluída no Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Mas não deu tempo, ela foi cruelmente assassinada.

A vida e morte da irmã Dorothy são, infelizmente, semelhantes às de milhares de outras lideranças da Amazônia, que lutam pelo direito do povo humilde à terra, a uma vida em equilíbrio com o meio ambiente, através do uso sustentável dos recursos naturais. Estas lideranças dedicam suas vidas a esta causa, enfrentando oponentes poderosos, que com ambição desmedida, usam das ameaças e violência para impor suas vontades. E muitas vezes, quando recorrem ao poder público em busca da defesa de seus direitos e de proteção, acabam encontrando mais opressão.

Em algumas regiões da Amazônia, a justiça tem sido excessivamente omissa no sentido de coibir os crimes contra as populações tradicionais, contra o trabalhador rural e contra suas lideranças. Entre 1985 e 2004, o Estado do Pará registrou 38 % dos crimes relacionados a conflitos agrários no País, entre 1985 e 2004. Foram 523 mortes, em 20 anos, sendo que a justiça paraense julgou somente 10 destes casos, condenando apenas 5 mandantes e 8 executores. Esta mesma justiça é a responsável pela abertura de um processo-crime contra a irmã Dorothy, acusada absurdamente de fornecimento de armas a trabalhadores rurais. O inquérito policial conduzido pela polícia civil, sob o olhar atento da sociedade através da imprensa, apresentou logo alguns acusados, entre potenciais mandantes e assassinos. Mas a cadeia de interesses em torno do assassinato da Irmã Dorothy poderá ser muito maior.

Atualmente 5 trabalhadores rurais de Anapu se encontram presos, dos quais 2 estão detidos há mais de um ano. Existem outros 5 mandatos de prisão preventiva decretadas, sendo inclusive um deles contra um das testemunhas do caso Dorothy. Resta evidente a estratégia de criminalização dos movimentos sociais de Anapú pelas instituições locais, que, se por um lado criminalizam, por outro lado não empenham esforços na apuração do consórcio criminoso responsável pela morte da irmão Dorothy.

O assassinato da irmã Dorothy configura-se claramente como um crime contra uma defensora dos Direitos Humanos. Conforme prevê o artigo 109, § 5o da Constituição Federal, na hipótese de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

Temos a certeza de que este caso preenche todos os requisitos legais para ser enquadrado nos termos do artigo mencionado de nossa Carta Magna. Temos também a certeza de que o deslocamento de competência será a única forma de se fazer justiça, de que se identifiquem todos os envolvidos no crime e que a apuração dos fatos se dê da maneira mais isenta e correta. Do contrário, infelizmente, as estatísticas sobre a justiça paraense referentes aos assassinatos relacionados a conflitos agrários nos fazem crer que, mais uma vez, poderá prevalecer a impunidade.

Desta forma, solicitamos que seja aprovado o pleito do Exmo. Sr. Procurador Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, quanto ao deslocamento de competência da apuração do caso para a justiça federal, Processo IDC 1, Registro 2005/0029378-4.

Por uma Amazônia onde prevaleça o Estado Democrático de Direito e a justiça social e ambiental. Pela federalização do inquérito e julgamento do assassinato da Irmã Dorothy. Paz na floresta, já!

Esperando a atenção de vossas excelências para esta urgente manifestação, subscrevemo-nos.

Atenciosamente,

Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS
Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAGRI Transamazônica e Xingu
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento – FBOMS
Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo - Fórum Nacional RAJC
Fundação Viver, Produzir e Preservar – FVPP
Greenpeace
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Instituto Socioambiental – ISA
Terra de Direitos

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)

 
 
 
 

 

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