Análise
do Instituto Socioambiental sobre a situação
dos desmatamentos ilegais nas propriedades
licenciadas pelo Sistema de Licenciamento
Ambiental em Propriedades Rurais (SLAPR) no
Mato Grosso, constata que o desflorestamento
nesses imóveis superou o verificado
nas áreas que não integram o
sistema. |
ISA
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O estudo Mato Grosso - Amazônia (i)Legal
que o ISA apresentou ao Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe), nos dias 27
e 28 de junho, avalia a evolução
dos desmatamentos em mais de três mil
imóveis rurais situados em área
de floresta, a partir do ingresso de propriedades
rurais no sistema de licenciamento ambiental
(SLAPR) no estado de Mato Grosso, lá
implementado a partir do ano 2000.
As propriedades rurais analisadas – uma por
uma - correspondem a 8,47 milhões de
hectares no total, cujas reservas legais abrangem
4,86 milhões de hectares de florestas.
O estudo foi feito com base nos dados dos
desmatamentos ocorridos entre 2003 e 2004,
divulgados pelo Inpe, em maio último,
que apontaram Mato Grosso como campeão
do desmatamento na Amazônia. |
Como
funciona o sistema
O SLAPR vem
sendo considerado, do ponto de vista conceitual,
o mais sofisticado mecanismo para o monitoramento
e o controle dos desmatamentos em imóveis
rurais em operação no país.
Envolve a articulação estratégica
entre a atividade de licenciamento de imóveis
rurais com atividades de monitoramento de
desmatamento por imagens de satélite
e fiscalização em campo. Tradicionalmente
essas atividades são exercidas de forma
pouco articuladas e por diretorias distintas
dos órgãos ambientais, quando
não por esferas diferentes de governo
(estadual e federal).
Para ter direito à autorização
para desmatamento ou para regularizar um imóvel
em face da legislação florestal
vigente em Mato Grosso, cada proprietário
deve solicitar uma licença ambiental
única (LAU). Para tanto, deve entregar
ao órgão florestal estadual
a imagem de satélite de sua propriedade
com as coordenadas exatas do perímetro
do imóvel, das áreas de preservação
permanente (APPs) e das reservas legais (RLs)
nela existentes. Em área de floresta
na Amazônia Legal, a reserva legal representa
80% do imóvel e nela não é
permitido o corte raso. O que é autorizado
é o manejo sustentável da floresta.
Com o ingresso do imóvel no SLAPR o
órgão ambiental pode monitorar
anualmente o que acontece em cada propriedade.
Conclusões
O que
se observa é que nas propriedades licenciadas
pela recém-extinta Fundação
Estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso (Fema)
o percentual desmatado, em relação
à área mapeada pelo Inpe, foi
50% maior do que os desmatamentos ocorridos
em propriedades rurais que não estavam
licenciadas, na área mapeada pelo Inpe.
Esse desflorestamento nas propriedades licenciadas
ocorreu tanto dentro quanto fora das reservas
legais.
A derrubada de árvores fora de reserva
legal nas propriedades licenciadas correspondeu
a 5,19% do total mapeado, enquanto que a derrubada
nas propriedades que não estão
no sistema foi de 2,15%. Ou seja, o desmatamento
dentro do sistema representou mais que o dobro
(em termos percentuais) em relação
ao que foi desmatado nas propriedades de fora
do sistema. (Veja tabela abaixo).
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Distribuição
dos desmatamentos em 2003-2004 no Mato Grosso
Em termos absolutos o desmatamento
nas propriedades licenciadas pela Fema totalizou
272 mil hectares. Destes, 186 mil ocorreram fora
de reserva legal e 85 mil dentro de reserva legal.
Portanto, 31% dos desmatamentos ocorridos dentro
de propriedades licenciadas foram criminosos.
Entre 2003 e 2004, os desmatamentos em reservas
legais no interior de propriedades licenciadas
foi quase seis vezes maior que os detectados em
Unidades de Conservação (UC) e Terras
Indígenas no mesmo período. Isso
revela que as reservas legais não têm
sido respeitadas como espaços territoriais
legalmente protegidos.
Outro dado constatado pelo estudo é que
48,5% dos desmatamentos em reservas legais entre
2003 e 2004 aconteceram em propriedades que ingressaram
no SLAPR em 2003, ou seja, no primeiro ano do
mandato do atual governador, o sojicultor Blairo
Maggi.(Veja tabela abaixo)
Mecanismo de compensação
O estudo destaca ainda que as
florestas que poderiam ser conservadas mediante
o mecanismo da compensação entre
reservas legais estão desaparecendo rapidamente.
Em menos de cinco anos, todo o “ativo” florestal
integrado ao SLAPR até 2004 poderá
desaparecer. Ativo florestal corresponde à
área de floresta existente em uma propriedade
rural que exceda ao mínimo exigido por
lei e que, portanto, pode ser desmatada legalmente
se tiver uma autorização do órgão
ambiental.
A compensação - o mecanismo introduzido
pela Medida Provisória nº 2166/01
- permite que florestas que poderiam ser desmatadas
legalmente sejam conservadas e que seus proprietários
recebam algum benefício econômico
caso queiram voluntariamente protegê-las.
O ativo florestal existente até 2004 dentro
do SLAPR foi estimado em 425 mil hectares, espalhados
por centenas de propriedades. Em muitas delas
existem áreas superiores a 10 mil hectares
de ativo que poderão ser desmatados a qualquer
momento, áreas onde, por exemplo, poderiam
ser criados Parques Municipais ou Estaduais, ou
ainda Reservas Particulares do Patrimônio
Natural (RPPN). Infelizmente não existem
ações de governo para salvaguardar
essas áreas e beneficiar seus proprietários.
Em um outro relatório ainda não
divulgado, elaborado pelo ISA para o Ministério
de Meio Ambiente, foram estudadas detalhadamente
as causas da baixa eficácia do SLAPR com
recomendações para o aprimoramento
do sistema. Constatou-se que o sistema tem sido
fundamental para o monitoramento e a regularização
de propriedades rurais em face da legislação
florestal e, portanto, deve não apenas
ser mantido, mas necessariamente aprimorado. O
que acontece é que a fiscalização,
uma das pernas principais do SLAPR, tem operado
muito aquém do desejável. Se os
responsáveis pelos desmatamentos ilegais
não forem punidos,as qualidades e os efeitos
do SLAPR ficam anulados. Esse estudo, feito para
o Ministério de Meio Ambiente no âmbito
do Programa de Avaliação e Monitoramento
Ambiental da Secretaria de Coordenação
da Amazônia, só poderá ser
divulgado depois de apresentado formalmente ao
Comitê Executivo do Plano de Combate aos
Desmatamentos na Amazônia, em reunião
ainda não agendada. Mas já foi apresentado
à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
no início de junho.
Durante a apresentação feita no
Inpe, as organizações não-governamentais
presentes pediram que seja realizada com urgência
uma avaliação transparente e atual
sobre a eficácia do Plano de Combate aos
Desmatamentos na Amazônia. A Casa Civil
possui um relatório oficial da evolução
do plano desde março ultimo, mas não
toma a iniciativa de apresentá-lo e debatê-lo
com as organizações da sociedade
civil.